O PT da outra margem do rio
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.2
Quinta-feira, 08 de Novembro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Alex Antunes, agitador e produtor cultural paulistano, declarado militante do Partido dos Trabalhadores (PT), publicou na semana passada, na sua página do Facebook, o texto “Por que eu elegi Haddad contra o PT”, no qual aborda as possibilidades simbólicas do momento paulistano, com a eleição de Fernando Haddad, como sinal de que a potência transformadora na política brasileira ainda passa por dentro do PT. O título é caricatural, mas na argumentação percebe-se que ele se coloca contra os políticos do partido que confundem voto e militância com “carta branca para a sua burrice e truculência”. Por isso, assevera, associa-se aos que, como o ministro Joaquim Barbosa, protegem “o Lula do Lula” e “o PT do PT”.
Na conversa com os leitores do seu artigo-desabafo, ele afirma que não consegue imaginar momento melhor para o partido e bate de frente com as correntes petistas que estão se movimentando para salvar alguns condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “O Dirceu me estuprou, e estuprou meu voto, três vezes. Sem a menor piedade (…) não elegi o PT para a presidência para corromper (…). Elegi o PT para exterminar esses coronéis dos grotões psíquicos, e não para financiá-los”. Procurei ler a mensagem de Alex Antunes como uma advertência que reforça a atitude do eleitor brasileiro nas eleições (prefeito e vereador) do mês passado. O resultado concreto desse posicionamento é que o PT cresceu no Brasil (14%), mas perdeu onde, salvo raras exceções, a insensatez dos seus líderes locais vinha levando o partido à autodestruição.
O que me fascina no eleitor brasileiro é que, mesmo acossado no labirinto das desinformações e bombardeado por más intenções de pesquisas muitas vezes manipuladas, ele apresenta comportamento desviante, alterando intuitivamente os arranjos de quem quer que esteja no poder. Assim, o Brasil avança nesse incrível fenômeno que tenho chamado de democracia empírica. Nessa democracia à brasileira, o eleitor não se coloca a favor ou contra a corrente, nem orientado pela busca de margem direita ou de margem esquerda; ele atravessa um rio a cada eleição para ver o que há do outro lado. Pena que se pense e se discuta tão pouco sobre isso. Uma boa compreensão dessa sabedoria da miscigenação poderia elevar os nossos políticos ao nível dos eleitores.
Nesse sentido, a situação atual do Partido dos Trabalhadores é propícia ao que Alex Antunes chama de “refundação psíquica do PT”, uma nova atitude partidária, na qual o “PT pare de tropeçar nele mesmo. Porque o PT não é dos petistas, o PT é do Brasil, o PT é do mundo”. E ele carrega no tom da voz: “Na verdade, eu que peguei filiações para o registro definitivo do PT de porta em porta, nos bairros de São Paulo, para mudar o Brasil e o mundo, é que sou o DONO do PT, não o Zé Dirceu, que tentou roubá-lo de mim. Pois agora eu vim reclamá-lo (…) Por isso que eu votei e fiz campanha para o Haddad (…) Honrando sua condição de signatário do manifesto pela refundação do PT, ele fez um discurso de eleito que emitiu TODOS os sinais corretos sobre o significado de sua vitória”.
A presidenta Dilma Rousseff tem dito desde o início do seu mandato (2011) que não vai “admitir malfeito” da parte de quem quer que seja. Logo no primeiro ano de governo afastou uma meia dúzia de ministros, inclusive o então da Casa Civil, Antonio Palocci, tão poderoso e petista quanto o José Dirceu, que ocupou o mesmo cargo. A ministra Gleisi Hoffmann, senadora que está atualmente na Casa Civil, diz claramente que o partido está iniciando o resgate da sua credibilidade: “Já passamos uma fase muito mais difícil. Eu diria que o PT está vivendo uma fase muito boa. Está num governo bem avaliado, que está oferecendo ao povo brasileiro respostas importantes a seus problemas. Mesmo numa crise mundial, o Brasil tem tido resultados importantes na economia, na geração de emprego. E ter uma presidente que é petista com a avaliação que tem, e ter tido um presidente que saiu com a avaliação que saiu” (FSP, p. A6, Poder, 29/10/2012).
Ao ser indagada sobre as críticas e as contestações que parte dos petistas está movendo contra o julgamento do Supremo e em prol dos condenados, com patéticas ameaças de denúncia do STF em organismos internacionais, a ministra é taxativa em sua posição: “Nós podemos gostar ou não gostar de como as coisas se dão, mas nós temos que respeitar resultados e instituições” (Idem). Muitos militantes e políticos que não se envergonham de situações patéticas como a emblemática cena dos “dólares na cueca”, que ainda estão com a tentação de desonestidade no armário ou que não entenderam a necessidade de amadurecimento do partido, podem até achar ruim e desnecessário esse debate, mas, querendo ou não, esse assunto é importante para o PT e para o País.
Anos atrás, quando estourou o escândalo do mensalão (2005), houve, por parte de pessoas que sonharam e lutaram por um partido diferente, uma reação de inconformismo em vários setores do PT. Uns ficaram tentados a deixar o partido e outros debandaram logo. Embora não sendo filiado ao PT – como nunca fui nem sou ligado a qualquer partido político – defendi que seria um erro largar o partido à insolvência. Naquele momento, a convite da Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (Adital) e do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS), estive reunido algumas vezes com petistas e simpatizantes do PT, para argumentar que, apesar de tudo, o partido tinha lastro histórico para pagar a dívida que moralmente passava naquele momento a ter com a população brasileira.
Naquela época, procurei refletir o escândalo do mensalão como uma oportunidade de aperfeiçoamento dos princípios e práticas de um partido que aprendia a sair da condição de denunciador para a obrigação de fazedor. Agora, por ocasião do julgamento do mensalão, reforcei em mim a convicção de que, independentemente das circunstâncias e dos interesses que o conduzem, o efeito dessa ampla audiência coletiva e pública simboliza uma “expressão de passagem para um novo ciclo de renovação política” (O julgamento de Macunaíma, DN, 18/10/2012). Não há mais espaço para o tipo de heroísmo dissimulado, revelado no palco do teatro do mensalão: “Vivia deitado, mas se punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém”, como está escrito logo na primeira página do livro de Mário de Andrade (1928).
Na condição de autor de uma crônica aberta à conexão de pontos de vista, nos últimos dias tenho trocado ideias com leitores sobre as críticas de que sou benevolente com relação a Lula. Encontrei na mensagem de Alex Antunes uma boa resposta para isso e deu vontade de compartilhá-la. Em síntese, ele também poupa Lula por considerar que “fora seus desvios egóicos”, o ex-presidente tem um papel “mágico” nesse processo. E como tem. Porém, o debate não é por aí. No contexto atual do PT e do País, renovar, resgatar e refundar é mais do que faixa etária, tempo de filiação e volta ao passado. Pelo bem e pelo mal, o PT é um produto cultural do Brasil, o que leva as discussões sobre o partido a não se restringirem a dirigentes e militantes. O desafio posto é o de como lidar com o tempo político brasileiro e a maturidade do partido, entre teorias, abstrações e as mensagens realistas das urnas.