O que +gostei na Rio +20
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 28 de Junho de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O documento “O futuro que queremos”, assinado por chefes de Estado e de governo na sexta feira passada (22) na Rio +20, foi amplamente criticado por ser apenas um arrazoado de intenções sem ousadia. Mas condenar esse tipo de evento com base apenas no seu documento formal não me parece o melhor procedimento. A Rio +20 foi o palco da explicitação de como as relações de poder estão se transformando e do quanto a participação da sociedade passa a ser um tema estratégico. A deformação da democracia representativa, com políticos sendo representantes apenas de si mesmos e dos interesses de grupos saqueadores do erário público, vem fomentando no seio da cidadania ideias de regulação e de controle das esferas públicas.
Não há incompatibilidade na inevitável aproximação entre Estado e sociedade. Os governos mais atentos vêm, inclusive, estimulando a organização das pessoas por perceberem que precisam desse tipo de apoio para governar bem. Fica cada vez mais claro que não haverá mudança de rota civilizatória se o mundo ficar dependendo apenas do Estado e do mercado. Por isso, é fundamental que seja colocada mais ênfase nos aspectos sociais como alavancas para o desenvolvimento sustentável.
A sustentabilidade requer economia verde e economia imaterial, mas requer também tecnologia e inovação nos redesenhos organizacionais e comportamentais. Essa, a valorosa mensagem da Rio +20, decorrente de um novo imaginário como ponto de concertação. Os painéis e as mesas redondas, realizados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) na sede da Confederação Nacional do Comércio (CNC), sintetizam com fecunda variedade de pontos de vista a troca de experiências, reflexões e expectativas sobre a participação da sociedade na nova ordem global.
Staffan Nilsson , o presidente sueco do Comitê Econômico e Social Europeu (Cese), substancia o debate afirmando que a experiência da interação de posicionamentos para a construção de uma agenda comum faz parte de uma fase de transição para a sustentabilidade. Uma fase na qual a participação cidadã é indispensável para a superação das desigualdades e para a preservação da vida no planeta. Para Vladimir Zakharov, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável da Federação Russa, essa participação é imprescindível para legitimar a contabilização de ativos ambientais de países como Rússia e Brasil – que são os dois países mais ricos do mundo em recursos naturais – na hora de sentar na mesa global das corresponsabilidades.
No debate sobre governança, a convivência com ideias distintas das nossas e a intensificação das relações entre sistemas de participação fazem-se necessárias e na Rio +20 tudo isso entrou na pauta extraoficial. Manoel da Cunha, líder seringueiro da reserva do médio Juruá, na Amazônia, usou a metáfora da água chegando ao nariz de todo mundo, para expressar sua crença no aumento da mobilização social, como fruto de uma consciência forçada pelas ameaças de grandes tragédias naturais.
Outro ponto relevante abordado nas plenárias do CDES, às quais estive presente, foi o que o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Gaetani chamou de “desambientalizar” a agenda da sustentabilidade. “Se cada um fizer a sua parte não é suficiente; precisamos do resultado das sinergias (…) o que preserva é o bom uso”. Em momento distinto, mas na mesma sintonia, o inglês Lloyde Russel-Moyle, do Fórum Europeu da Juventude, reforçou que para a sociedade criar soluções cooperativas de interferência é importante não confundir movimento pela sustentabilidade com movimento ambientalista. E Henri Valot, especialista em políticas para a cooperação, complementa em outro painel que “a sociedade civil é muito mais ampla do que as ONGs”.
Independentemente do teor do documento oficial, vários jovens do mundo estão assumindo compromissos objetivos pela sustentabilidade. Fernando (Brasil), Ivan (França), Aynur (Turquia) e Cristina (Espanha) participaram de um painel em que apresentaram o projeto “Vamos cuidar do planeta” e defenderam os enlaces da juventude com foco nas convergências para ações de sensibilização das pessoas, estabelecimento de conexões intergeracionais e atitude não passiva diante da sedução do consumismo. Entretanto, esse desafio de pensar o todo ainda é um debate a ser amadurecido. A fala de um líder sindical, identificado como Jorginho, traduz bem essa distância a ser percorrida: “Nós trabalhadores somos corporativista e queremos que a indústria venda mais carros porque é isso que garante os nossos empregos”.
Essa declaração mostra que na linha da sobrevivência as ideologias se aproximam. A clareza dessa característica é fundamental para o desenvolvimento de critérios qualitativos indispensáveis à construção dos valores que poderão dar suporte a um novo estilo de vida, menos hipermoderno e mais reintegrado à natureza. A ministra do meio ambiente da Suécia, Lena Ek, disse que o compromisso da sociedade civil para a sustentabilidade começa com o que as pessoas fazem para cuidar dos filhos e para se relacionar com a vizinhança. Selmo Santos, líder de trabalhadores da agricultura familiar, também acredita nisso, mas reclama da escassez de teses e estudos voltados para a realidade local.
Ainda que sejam os governos a tomarem as decisões, o desafio da dissidência passa por renúncias que estão em mãos da sociedade. É a contrainquietação que o estudante de biologia Manuel Neto assegura que está acontecendo dentro das universidades; são as redes de cooperação animadas pelo promotor público Rodrigo Morais; a incorporação do tema das construções sustentáveis que Paulo Simão, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil propôs para a agenda; e a convicção que Peter Poschen, da OIT, demonstra ter de que a transição para uma economia verde não é uma opção, mas uma necessidade.
Yan Chen, presidente executivo de um fórum internacional de relações cidadãs chinesas conta que apenas nos anos 1980 a sociedade civil de seu país começou a sair da tutela do Estado e que, somente em 2008, as pessoas puderam participar espontaneamente de uma mobilização em favor das vítimas de um terremoto. Reforça, contudo, que o governo começa a compreender que precisa contar com a sociedade para atingir as metas de sustentabilidade.
Anotei também que, para o diretor do Centro para a Ciência e o Meio Ambiente, da Índia, Chandra Bhushan, a sociedade civil e os governos têm aspirações diferentes e isso exige que seja feita uma diferenciação entre participação e expectativa. Ao fortalecer-se na diversidade e articular-se por interesses comuns, a sociedade vai além dos processos eleitorais, ampliando o seu poder de influência em favor da voz das pessoas na vida pública.
Estive na Eco’92 e agora na Rio+20 e não tenho dúvida dos muitos avanços ocorridos nessas duas décadas. Além da crescente participação das pessoas em fóruns de interesses sociais e ambientais, temos hoje secretarias municipais de meio ambiente, empresas que se identificam com a sustentabilidade, observatórios, ações verdes do Ministério Público, aumento das coletas seletivas e da reciclagem, e não somente o desejo de uma economia verde e de reforço à institucionalidade, como foi posto na pauta oficial da conferência. Ao Brasil não cabe determinar o que deve ou não ser feito pelos outros, mas fazer e, como disse Giovanni Allegretti, da Universidade de Coimbra, é um país que ajuda o mundo a reinventar a criatividade das forças democráticas.