Poucos brilhos podem ser comparados ao dos olhos de mães e pais quando suas crias se apresentam em atividades escolares. A intensidade dessa atenção está interligada com o grau de participação das crianças, e, nesse ponto, entra o diferencial de educadoras e educadores na interação com as crianças e com as famílias na montagem dessas mostras.

Estive no Sarau Literomusical do Colégio Maria Ester, no bairro da Serrinha, em Fortaleza, e fiquei encantado ao ver crianças recitando e cantando, mas também se pronunciando sobre o que tinham ouvido e lido, para uma plateia com olhos acesos, como se fossem muitas lanternas de celulares.

Naquele dia (08/11/2024), houve a culminância do projeto de leitura das turmas do 1º ano do Ensino Fundamental I, baseado na narrativa musical e literária do meu livro Que noite, Torito! (Telos). Palavras e sonoridades subiram ao palco com as crianças.

O encorajamento para que meninas e meninos interatuassem com a literatura e com a música, sem estarem ali apenas para fazer movimentos corporais bonitinhos, tornou o sarau participativo, tanto na escuta quanto nas manifestações de voz, o que é muito bom para a formação do pensamento.

Esse sarau do Colégio Maria Ester, com crianças de várias turmas recitando parte da prosa e parte dos versos do Torito, sem smartphones por perto, revelou-se um tipo de ato estético educacional e cultural. A escola colocou cada estudante à altura do seu universo de conhecimento, tendo como impulso a atração verbal e musical das sucessivas circunstâncias oferecidas pelo livro.

Crianças do Colégio Maria Ester em Sarau Literomusical. Foto: Lucas Paiva.

A palavra em voz alta possibilitou levar a efeito diferentes pensares, evocados, entre outras, pela cantiga “O jogo dos pensamentos”. Nesse impulso ao rastreio do lugar onde os pensamentos se divertem, o recurso pedagógico se revelou nas impressões dos sentidos, nas associações emocionais de significantes presentes na música e na vinculação de significados existentes na literatura.

Na música, o pensamento segue o fluxo natural das metáforas, estimulando a agitação dos sentimentos, enquanto na literatura o pensamento segue a lógica cognitiva, influindo na sua própria reinvenção. Combinadas, essas duas linguagens contribuem para o desenvolvimento de estratégias mentais poderosas, que podem levar ao letramento da experiência por meio do interesse narrativo.

Os efeitos dessas práticas orais no palco são fundamentais para a autonomia do pensamento infantil. O enredo do livro “Que noite, Torito!” trata de uma criança que, encontrando-se sozinha na hora de dormir, recorre aos pensamentos para brincar, e, ao fazer isso, circula livre e divertidamente por diversas situações imaginárias, até adormecer.

Recebi uma caixa cheia de bilhetes escritos à mão pelas crianças do Colégio Maria Ester que participaram do sarau. Neles, estava escrito com clareza o que elas sentiram ao fazerem os passeios do protagonista por campos imaginários e, ao mesmo tempo, por condições identificáveis por elas em seus cotidianos:

“Gostei da parte do livro que o Torito dorme” (Axlla Castro); “Achei legal a parte que os pais do Torito voltam” (Maria Heloísa); “Eu gostei muito do Torito. Ele não gosta de ficar sozinho. Ele faz brincadeiras” (Anna Beatriz); e “Gostei do Torito. Ele imagina muitas coisas” (Heitor Barroso). Essas são algumas das formulações que elas fizeram, revolvendo percepções através da equivalência entre conteúdos abstratos e concretos.

Fonte:
Jornal O POVO