Os 25 anos do Itaú Cultural
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 22 de Março de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O Auditório Ibirapuera, gerido com recursos próprios (não incentivados) do Itaú Cultural, em parceria de conceito público-privado com a Prefeitura de São Paulo, ficou com seus oitocentos lugares ocupados. Eram artistas, gente de mídia, produtores e gestores culturais que no dia 14 passado foram prestigiar o evento comemorativo dos 25 anos desse instituto, reconhecido como um dos maiores incentivadores da cultura brasileira. Estive lá, na companhia do guitarrista Luiz Waack e fiquei contente por ter encontrado amigas e amigos queridos.
Sai pensativo, depois de ouvir as falas de Roberto Egydio Setúbal, diretor-presidente do banco Itaú, da presidente Milú Villela e do superintendente Eduardo Saron, do Instituto Itaú Cultural, as saudações de autoridades da cultura e de assistir a um envolvente show, que homenageou Luiz Gonzaga (1912 – 1989) em seu centenário, conduzido por Gilberto Gil, com a participação de Silvério Pessoa e da banda Rumos Coletivo, formada por mais de um dezena de músicos reunidos para aquela apresentação.
Pensei no quanto nesses 25 anos o Itaú Cultural contribuiu para refinar a relação da iniciativa privada com a cultura no Brasil, sempre valorizando a criatividade e não a carência em suas ações. Para um País acostumado com o desestímulo ao autorreconhecimento, o respeito às manifestações artísticas e culturais, demonstrado concretamente por uma instituição do mercado financeiro, reforça a noção da cultura como riqueza. Na nossa construção simbólica comum é importante que o maior banco privado brasileiro evidencie que a arte e a cultura têm valor.
A política cultural do Itaú torna-se assim um modo de atuar socialmente, que é bom para a imagem empresarial e para a sociedade. A coerência de um compromisso de retribuir às pessoas algo além do imediato eleva o sentido de troca e de uso, próprio da economia de mercado, a um patamar diferente do negócio específico, agregando valor intangível ao patrimônio dos acionistas e proporcionando melhoria da qualidade de vida no campo social. O que para muitos só tem sentido com a obtenção de vantagens pontualmente objetivas, no Itaú Cultural essa razão prática salta para o processo contínuo da sustentabilidade social.
A presença de uma razão cultural nos hábitos corporativos, alcança o que as pessoas têm de mais profundo em si que é a sua cultura, constante e intensamente ofuscada pelas telas da comunicação de massa. Essa compreensão também parece ir além dos “custos de oportunidade” da tradicional responsabilidade cultural. Sempre à frente, o discurso social do Itaú Cultural rompe com o caráter utilitário, estimulando às relações significativas entre as pessoas, a arte e a cultura.
O apoio às expressões da nossa inventividade que não estão necessariamente dominadas pela indústria cultural e que acontecem nas diversas regiões do País, também é um aspecto admirável na ação do Itaú Cultural. Serve, inclusive, de exemplo a muitos gestores públicos que, na ânsia por popularidade, apelam ao pragmatismo vulgar, usando recursos oficiais para a promoção do que já está comercialmente consagrado.
No Brasil, onde grande parte das empresas investe na ordem totêmica cultural como simples mercadoria, o Itaú se destaca por uma inteligência que não violenta a arte. Um dos erros mais difíceis de serem reconhecidos por marqueteiros públicos e privados é o tratamento da cultura como algo socialmente dependente da economia. A arte, o produto e o serviço cultural, diferentemente da mercadoria e da venda em si, não devem ficar engessados em formas físicas, com controle técnico; eles valem para a sociedade pelo conceito que exteriorizam.
Ao colocar o interesse comum dos signos no mesmo movimento da produção de bens materiais, mas considerando as peculiaridades de cada um, a empresa desenvolve uma política de transmissão de valores e princípios, que é pública. Com coerência entre discurso e prática, consegue associar bem comum e bem próprio, numa distinta estratégia de marca desejada. O que há de bem-sucedido na trajetória do Itaú Cultural é que o instituto não está subordinado às técnicas e ao tempo do marketing; ele representa um estilo de empresa que potencializa o acesso qualificado à cultura.
Digo isso, porque tive a satisfação de acompanhar parte das movimentações iniciais do Itaú Cultural. Lembro-me que no início dos anos 1990, o então senador Lúcio Alcântara conseguiu convencer o empresário Olávo Setúbal (1923 – 2008), fundador do instituto, a implantar no Ceará um dos seus Centros de Informática e Cultura. Naquela época, sob a presidência do sociólogo Pedro Albuquerque, tínhamos em Fortaleza o Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea, do qual eu era membro e consultor de comunicação e cultura.
As máquinas e os enormes equipamentos instalados na sede do Equatorial, na Praça Argentina Castelo Branco, disponibilizavam um banco de dados sobre arte brasileira, que enchiam os olhos de pesquisadores. Eram centenas de imagens digitais de obras de arte e centenas de artistas cadastrados. Orientada pelo artista plástico Antenor Lago, a meninada fazia as tarefas escolares e ainda levava impresso em papel fotográfico a reprodução das telas estudadas.
Nessa época, o Itaú Cultural era dirigido pelo arquiteto e urbanista Ernest de Carvalho Mange (1922 – 2005). Além do entusiasmo do Dr. Mange, contávamos com a orientação e o empenho da museóloga Maria Eugênia Saturni. Aliás, essa é uma característica das pessoas que atuam no Itaú Cultural. Vejo, hoje, por exemplo, a determinação e o compromisso do Edson Natale na parte de música do projeto Rumos Musical e deduzo que esse comportamento seja parte de uma filosofia. Mas voltando ao que eu vinha falando, o Equatorial fechou por volta de 1993 e perdemos a oportunidade de ter hoje uma ilha da Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais.
O Itaú Cultural atua na sintaxe geral do Brasil e não somente com aquela coisa convencionada da filarmônica, do erudito, do cult… Está em linha com o interesse contemporâneo da busca de fortalecimento de imagem corporativa e seu encontro com as expectativas da sociedade com relação as empresas. Com projetos que por si se revelam, o Itaú Cultural trata a cultura sem reticências no seu agir baseado na brasilidade e na promoção a cidadania.
Na dinâmica do mundo da cultura e da arte o Brasil conta com algumas instituições voltadas para a perenidade, como o Itaú Cultural, tais como o Centro Cultural Banco do Brasil, o Sesc-SP e o Centro Cultural Banco do Nordeste. A fusão das operações financeiras do Itaú com o Unibanco (2008) aproximou o Itaú Cultural do Instituto Moreira Salles, o que vem possibilitando uma série de ações conjuntas no que eles têm de valores comuns e de ações semelhantes, voltadas sobretudo para a digitalização e a difusão de acervos.
Com as transformações tecnológicas, geopolíticas, mercadológicas e de significados, há um espaço precioso de integração do bem entre a iniciativa privada e a cultura. É nessa dimensão que percebo a atuação e o papel modelo do Itaú Cultural; um instituto que ousou e continua ousando ser o que deve ser uma instituição privada que trabalha com a cultura. Intervindo numa vasta e complexa gama de intenções econômicas e políticas que, muitas vezes ocultam o nosso sistema significativo, o Itaú Cultural contribui de forma decisiva para o fortalecimento da cultura brasileira, tanto pelos projetos que desenvolve, quanto pelo exemplo de fazer isso bem feito e com decência.