Para estar em um lugar
Artigo publicado no Jornal Diário do Nordeste, Caderno3, pág.3
Quinta-feira, 19 de Janeiro de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
O que de mais precioso podemos encontrar ao viajar de férias é desfrutar do ambiente e do conceito de vida que as pessoas imprimem ao cotidiano do lugar que escolhemos como destino. Assim, não saio de casa com obrigações de conhecer isso ou aquilo, de ter que fazer esse ou aquele programa. Viajo para estar em um lugar. E pronto. No momento, estou no interior do Uruguai, cumprindo um roteiro de experiências em países latinoamericanos com a minha família. Passamos uns dias em Montevidéu e é sobre a capital uruguaia, com sua aconchegante arborização e admirável qualidade de vida, que compartilho algumas impressões.
A cidade tem poucos turistas. As ruas estão tranquilas, até mesmo porque muitos moradores deixam a capital no período de férias. As pessoas andam a pé todo o tempo e a toda hora. As calçadas são largas com lugar para as árvores e para a passagem livre dos pedestres. Tudo bem sinalizado. Some-se a isso uma boa quantidade de praças e de bulevares e dá para se ter uma ideia do que é poder respirar ar puro em plena zona urbana. Embora o sol seja forte no verão, os trinta e poucos graus da temperatura máxima perdem força para as sombras e para o vento fresco. Vê-se o céu azul com facilidade, pois a altura das edificações é bem regulada.
Ficamos hospedados em Punta Carretas, um bairro muito charmoso, de onde dá para ir caminhando a muitos lugares de interesse e que possui um bom serviço de ônibus. Tanto que só deixamos para alugar carro quando foi para pegar a estrada. Dentro do conceito de estar em um lugar, preferimos frequentar os lugares que os uruguaios frequentam, acompanhando a dinâmica própria de uma cidade que felizmente ainda não se submeteu ao ritmo estressante da hipermodernidade. Montevidéu está a cinco mil quilômetros de Fortaleza e, se não fosse tão longe, seria um lugar para onde certamente eu viajaria mais vezes.
A estrutura de serviços está espalhada pelos bairros, possibilitando que as pessoas sejam atendidas perto de casa. E, para quem está a passeio, a situação não precisa ser diferente. A cada dia saímos pelas ruas, de dia e de noite, cedo e tarde, namorando restaurantes, sorveterias, vendas de frutas e livrarias. Essa foi uma experiência muito agradável, sobretudo para os nossos filhos, pois o bem estar de segurança é muito bom em Montevidéu. A comida também é muito boa, as parrilhadas e as casas de massas. Além das carnes, da corvina negra grelhada e dos frutos do mar chileno, os vinhos são bons e o doce de leite também.
O Uruguai tem cerca de três milhões e meio de habitantes, dos quais quase a metade mora em Montevidéu. A cidade, que é o principal entreposto do Mercosul, está situada às margens do Rio da Prata e fica a pouco mais de vinte metros acima do nível do mar. Os contornos costeiros da zona urbana contam com uma avenida beira-mar (rambla) bem cuidada, limpa e de encantadora urbanização. Todas às madrugadas, a administração municipal providencia a limpeza das praias e das ruas. Quando amanhece, está tudo convidativo, com a orla de braços abertos.
No dia em que fomos tomar banho na praia de “Pocitos”, deixamos nossas coisas na areia, sem a preocupação de que fossem furtadas. Entramos nas águas cor de rio e sabor salobro do rio-mar para brincar e nos refrescar nas ondas tranquilas daquela pequena enseada de areia branca. De dentro do rio, a arquitetura de Montevidéu lembra trechos do Leblon, de Copacabana e de outras praias do Rio de Janeiro quando tinham o charme da tranquilidade. Ao longo da Rambla, encontram-se bustos em homenagem a personalidades como Gandhi e Bolívar.
A sensação de que a capital uruguaia é um lugar especial, social e ambientalmente, foi reforçada em nós, à medida que caminhamos pela avenida 18 de Julho, cruzando todo o centro até o porto. Essa caminhada é uma delícia; pela rua, pela arquitetura, pelas sorveterias e pelas livrarias, que vendem livros de verdade e não bestsellers e outras publicações de listas de “mais vendidos”. Quando retornarmos do interior iremos novamente à 18 de Julho para ver o desfile inaugural do Carnaval uruguaio, que tem como atração principal as murgas, uma mistura de teatro, dança e música de rua, inspirada nos referenciais de milonga e candombe.
Da 18 de Julho, pegamos a rua Sarandí, na altura do belo e bem cuidado Teatro Solís, cruzando trechos com calçadões, cafés e livrarias. Atravessamos o centro histórico, a “Ciudad Vieja”, com sua pulsão própria, até chegar ao Mercado do Porto, uma estrutura com mais de cento e quarenta anos, que funciona como o único lugar da cidade que pode realmente ser caracterizado como polo gastronômico. No domingo passado, fomos à feira da rua Tristan Narvaja, uma perpendicular da 18 de Julho, onde se vê de tudo: antiquários, livros, LPs, frutas, plantas, aves, roupas e queijos.
O que deu para ver, deu; o que não deu, paciência. Valeu a caminhada do jeito que ela aconteceu. Mesmo assim, na fase complementar da nossa vivência pela cidade, a ser realizada nos próximos dias, é bem provável que voltemos a pontos desejados, como é o caso do Museu Pedagógico, que estava fechado por ocasião da nossa passagem por lá, no feriado do Dia de Reis. Deixamos também para usufruir no segundo momento do nosso aconchego com Montevidéu, o passeio de bicicletas pela Rambla.
Não fomos ainda ao Estádio Centenário, monumento histórico do futebol mundial, sede da primeira Copa do Mundo, realizada em 1930, quando a seleção uruguaia sagrou-se campeã. Queríamos ver uma partida de futebol nessa arena de mais de setenta mil lugares, mas não há jogos previstos para esses dias. De qualquer forma, os meninos já estão com as camisas do Penharol e da Celeste para qualquer eventualidade. Conversar sobre futebol por aqui é muito apaixonante. O torcedor uruguaio conta com a ganância da cartolagem brasileira para derrotar o Brasil no Mundial de 2014, repetindo o feito de 1950, quando foram bicampeões no Maracanã. O argumento deles é simples: mesmo com jogadores que atuam no exterior, a Celeste tem garra e uma base entrosada, que a Canarinha não tem.
Nessas horas em que os raciocínios se cruzam, a saída é dizer cabisbaixo que faz sentido. E faz mesmo. Aliás, tenho tido vergonha de uma boa turma de brasileiros, que anda melando a imagem do País, no momento em que mais precisamos ter a cabeça no lugar para não deixar escapar das nossas mãos a oportunidade de, enquanto sociedade, influir positivamente na mudança de perspectivas da humanidade. As notícias da gastança dos brasileiros no exterior, por conta da boa fase da nossa não tão sustentável economia, são de doer.
Abro o jornal “El País”, da sexta-feira, dia 6, e está lá: “Brasileños baten récords em gastos”, em viagens de compras aos Estados Unidos e Europa. A matéria fala do quanto nós brasileiros “honramos” a nossa fama de consumistas e deixa claro que a compulsão por comprar nos leva a gastar tudo o que temos. No dia seguinte, sábado, 7, folheio o “El Observador” e está lá: “El sur de Florida seduce a brasileños”. O texto diz que nós brasileiros somos “namorados do luxo”, que ficamos encantados com gastar dinheiro e optamos por Miami porque lá podemos ostentar relógios caros e andar em carros conversíveis, sem sermos importunados por ladrões, como no Brasil. Volto a minha atenção para Montevidéu e me pergunto quantas dessas pessoas, tendo conhecimento de destinos assim, não trocariam o turismo de gastar pelo turismo de estar em um lugar.