A primeira lembrança que tive do meu querido amigo, o editor José Xavier Cortez (1936 – 2021), ao receber a notícia do seu falecimento na manhã de ontem (24/09), foi uma história que um dia ele me contou, e que simboliza bem a grandeza da sua vida e de sua obra, comprometidas com a educação transformadora.

Por volta de 1952, ele, adolescente, saiu do sertão de Santa Rita, no interior do Rio Grande do Norte. Depois de caminhar um quilômetro a pé por uma “variante”, acompanhado de uma prima com a qual namorava e pela mãe dela, chegou à estrada de terra batida onde tomou a “sopa” que o levou a Natal.

Meses depois, quando retornou para visitar a família, percebeu que na trilha por onde haviam passado naquele dia da despedida havia uma pequena construção de apenas quatro tijolos, coberta por uma única telha, em um trecho mais arenoso e resguardado da vereda.

Descobriu que a tia e a prima tinham feito aquilo para preservar o rastro mais saliente deixado por ele pelo caminho. Ali estava a sensível ideia de raiz como fonte geradora da força de quem não anda sozinho.

Ao longo de mais de quatro décadas, Cortez editou muitas obras de tantas e tantos autoras e autores brasileiros e estrangeiros, sempre em busca de proporcionar leituras do mundo, tendo Paulo Freire (1921 – 1997) entre os seus entusiastas.

O editor José Xavier Cortez (1936 – 2021) e o educador Paulo Freire (1921 – 1997) por ocasião do lançamento do livro “Paulo Freire – uma biobliografia” (Cortez Editora), organizado por Moacir Gadotti com a colaboração de Ana Maria Araújo Freire, Ângela Antunes Ciseski, Carlos Alberto Torres, Francisco Gutiérrez, Heinz-Peter Gerhardt, José Eustáquio Romão e Paulo Roberto Padilha (1996).

Os vestígios da caminhada de José Xavier Cortez estão nos pensamentos e nas teses dos livros que publicou a partir de São Paulo, mas também na teimosia da Cortez Editora, enquanto fomentadora da formação crítica, do respeito à diversidade e do valor da democracia.

Ele gostava de citar uns versos do poeta mineiro Silas da Fonseca que dizem assim: “Eu, do livro não me livro / E nem quero me livrar / Se do livro eu me livro / Como livre vou ficar?”. Sabia que a emancipação social passa pela leitura e dedicou a vida a essa missão.

O sentido das palavras é como as pegadas do Cortez guardadas na casinha de tijolos de uma senda nordestina. Nesse Brasil tão desigual, cabe a quem tem o privilégio do acesso à leitura o cuidado com o que representa a memória desse célebre educador intuitivo, pragmático e destemido.