Desde 2009, ano após ano, venho aprendendo a sentir mais e mais o que temos pela frente com estudantes do município de Independência, no sertão dos Inhamuns, onde eu nasci. Sentir o que temos pela frente, aqui, quer dizer perceber as experiências vividas por meio do exercício do pensamento e da voz em função da atuação criativa na realidade.

Centenas de jovens de 13 a 17 anos inscreveram-se este ano no prêmio literário que leva o meu nome; uma mobilização educativa e cidadã idealizada e colocada em prática por educadoras e educadores do Espaço Cultural História Viva. O tema de 2024 foi: “Os desafios cotidianos da pessoa com deficiência (PCD)”. 

Dos escritos da juventude independenciana, muitas inspirações podem ser colhidas, como no poema “Vozes que não silenciam”, de Geovana Vasconcelos Farias (Escola de Ensino Fundamental EEF Abigail Antunes Marques), primeira colocada na seleção feita por avaliadoras e avaliadores do IFCE, dos campi de Jaguaribe, Baturité e Fortaleza.

“Nos olhos que não enxergam / Há um brilho escondido, / Um mundo de percepções. / um universo contido. // Os passos que não caminham, / São asas prontas a voar, / Na mente, horizontes vastos, / Que ninguém pode alcançar. // Mãos que ralam em silêncio. / Gestos que tocam o coração. / Uma linguagem sem palavras, / Cheia de emoção.”

A poesia de Geovana traz propriedades ocultas da potência humana diante das insuficiências observáveis, como no verso “há um brilho escondido”, associado aos olhos que não enxergam. Isto é: impedimentos físicos, sensoriais, mentais ou intelectuais de alguém não tiram a condição do ser pessoa.

“Ouvidos que não escutam, / Mas sentem o pulsar da vida, / Na vibração de cada momento, / Na calma da alma sentida. // Na cadeira de rodas, / um trono de um rei ou rainha sem par, / Que navega pelos desafios, / Com coragem de lutar. // Cada história uma inspiração. / De superação e de luta, / Cada vida uma canção / Que o preconceito refuta. // Então, ergamos nossas vozes, / Por um mundo de igualdade. / Onde todos têm seu espaço, / E direito à dignidade!”

Pequeno, Flávio Paiva, Geovana Vasconcelos, Carla Ivânia, Cacilda Sales, Socorrinha Pimentel, Neidinha Feitosa, Vanda Moreno, Vilma Vieira e Idelzuith Borges Foto: Marcos Vieira (24/08/2024).

A pedagoga Carla Ivânia, que começou a andar com aparelho ortopédico aos 12 anos, comentou no evento ocorrido sábado passado (24), no largo da Estação Leitura, em Independência, que no mundo da PCD a maior deficiência é da parte expressiva da sociedade incapaz de conviver com as diferenças. Esta reflexão transpassa as manifestações das jovens e dos jovens participantes.

Vitória Eloá (Colégio Coração de Maria), a segunda colocada, vai ao ponto, quando diz que “A deficiência é um fato, / Mas não me define”. Por sua vez, Maryelliz Lima (EEEP Maria Altair Américo Sabóia), terceira colocada, deduz: “Essas histórias se encontram”, como em um “cordel de desafios”. Essa natureza literária torna os textos mais humanos, e isso está na sensibilidade da comissão avaliadora.

O evento combina linguagens artísticas e interações territoriais. Com o apoio do Sesc-Ceará, o arejamento cultural de 2024 contou com o poeta Mailson Furtado, de Cariré, com o músico Marinaldo do Bandolim, de Caucaia, com representantes de Quixeramobim e com o caminhão BiblioSesc, de Fortaleza, sem contar os artistas locais, como Cauã Sales, cantor do sarau da Escola Profissionalizante, que atiçou os sentidos do público presente. Na ocasião, Pequeno, poeta e artista da cidade, recebeu o Troféu Saci de Personalidade do Ano.

Fonte:
Jornal O POVO