Pessoa na voz de Sérgio Espíndola
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 22 de junho de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

Artigo em PDF

FAC-SÍMILE

op_pessoanavozdesergioespindola

Os amantes da poesia, os apaixonados pela cultura portuguesa e os que cultivam a Música Plural Brasileira serão surpreendidos com o novo disco que está sendo gravado pelo compositor e cantor sul-mato-grossense Sérgio Espíndola. Produção fina, desenvolvida a partir da musicalidade natural dos poemas líricos, rimados e metrificados do Cancioneiro de Fernando Pessoa (1888 – 1935) que, de tão harmoniosos, são quase cantigas.

No CD intitulado A Música do Cancioneiro – Poemas de Fernando Pessoa, Sérgio interpreta com muita beleza dez poesias desse emblemático poeta português, sendo oito musicadas por ele e duas por Luiz Waack, que é também o produtor musical. Fado, bossa nova, baião e bolero estão entre os ritmos e gêneros musicais que formam a paisagem sonora do disco.

Um dos grandes nomes da poesia lusitana, Fernando Pessoa nasceu no dia 13 de junho, há 128 anos. Publicou formalmente um único livro em vida (Mensagem), mas deixou uma vasta obra de referência para a poesia mundial. Citado, musicado, cantado e declamado comumente por artistas da música brasileira, Pessoa, que qualificava as palavras pela alma, tem agora versos da coletânea póstuma Cancioneiro na voz de Sérgio Espíndola.

A última frase escrita por Fernando Pessoa, no seu leito de morte, foi “Não sei o que o amanhã trará”. O que pode ter parecido uma dúvida sobre o futuro soa como uma certeza de que a eternidade está nas muitas almas que temos à disposição do nosso viver. Talvez por sentir assim tenha inventado tantos personagens que conviviam com ele, cada qual com biografia própria e produção poética distinta.

Ao interpretar a música do Cancioneiro, Sérgio Espíndola nos oferece a força da beleza e da contemporaneidade da obra de Fernando Pessoa, em composições significativas, tais como Entre o Sono e o Sonho (“Entre mim e o que em mim / É o quem eu me suponho”), Isto (“Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo. Não. / Simplesmente sinto / Com a imaginação”) e seu poema mais famoso, Autopsicografia (O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”).

Sérgio Espíndola nasceu em Campo Grande (MS) e integrou com os irmãos Geraldo, Celito, Alzira e a caçula Tetê um grupo de cantoria que por volta de 1968 corria trecho entre Campo Grande e Cuiabá. Uma década depois, estava em São Paulo fazendo parte, como vocalista, da banda Sabor de Veneno, do compositor paranaense Arrigo Barnabé, que era naquele momento a maior revelação da música brasileira.

Com as irmãs Tetê e Alzira Espíndola trabalhou fazendo violão, contrabaixo e vocal em discos e shows. Fez aberturas de apresentações da atriz e cantora Denise Assunção e acompanhou a cantora Cris Aflalo em uma experiência de espetáculos infantis com base em composições de Rita Rameh. No meu livro-cd A Casa do Meu Melhor Amigo (Cortez Editora), Sérgio Espíndola é a voz da faixa que dá título ao capítulo Boa Noite, Nuvem.

Com tantas e variadas incursões na música brasileira, englobando de Cartola a Lupicínio Rodrigues, é motivo de contentamento ouvir Sérgio Espíndola cantando Fernando Pessoa, esse admirável poeta que dizia com propriedade que só quem sente uma dor é capaz de fingir outra que não sente.