Por trás da ostentação
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 31 de agosto de 2016 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Num primeiro momento, tem-se a impressão de que o novo filme de Woody Allen é apenas um drama cômico de triângulo amoroso, que mostra certos tipos de comportamentos no entre guerras – anos 30 e 40 do século passado –, com seus milionários, gangsteres, sonhos dourados e utópicos intelectuais de esquerda. No desenrolar das cenas é que se vai percebendo o quanto Café Society (2016) ironiza o drama da ostentação.

Ainda que não pareça ser objetivo do diretor aprofundar a questão do sócio exibicionismo patológico, seja em que época for, fica evidente a inteligência gozadora sobre o que há por trás da sociedade do espetáculo e seu mundo forjado e forjador do “sonho americano” de transformar o viver em superficialidade por meio da imprevisibilidade das relações.

O enredo desse primeiro longa digital do diretor estadunidense costura a clássica comédia romântica com o ambiente hollywoodiano, onde o jogo das celebridades se dá no campo da excentricidade. Para isso, Woody Allen liga os percalços de uma família judia de Nova York com o glamour de Los Angeles, sustentado por traições, crimes e contravenções, voltando em seguida ao lado marginal nova-iorquino de pessoas ricas e elegantes.

É nesse mundo de neuroses particulares que passa a transitar Bobby, jovem do Bronx que decide morar com o tio Phil em Hollywood, um agente de celebridades. No passeio que faz para conhecer Los Angeles, visita mansões e, com a mente formatada pelo próprio cinema, chega a comparar algumas delas ao Taj Mahal. Só escapa da força mórbida do luxo exagerado porque em vez de se encantar pela cidade ele se encanta pela moça que o acompanha.

A trama é bem articulada. Mestre em relações problemáticas e críticas autodepreciativas, Woody Allen assina também um roteiro cheio de esquetes que asseguram bem a atenção do espectador. Em Café Society a telona é ocupada com cores quentes, quando mostra Los Angeles, e arrefecidas, nas cenas de Nova York. Esmero estético da fotografia de Vittorio Storaro, mestre italiano das luzes interiores e exteriores.

O domínio da linguagem do cinema em suas extensões técnicas e artísticas está presente sob medida nesse drama cômico que vai à sofisticação para chegar ao que é mais adequado para o bem contar de uma boa história. A voz do narrador soa equalizada na trilha de jazz e se harmoniza aos movimentos precisos das câmeras e à beleza visual dos figurinos e cenários, tanto na costa leste quanto na costa oeste estadunidense.

Com o irmão gângster, a irmã casada com um idealista teórico e o pai apegado a princípios religiosos, restou ao jovem protagonista apelar para que a mãe abrisse um espaço de trabalho para ele junto ao tio Phil, aparentemente o caminho mais promissor. Bobby busca seus sonhos e descobre a realidade por trás da ostentação, onde prolifera o amor de ocaso com seu deslumbre e melancolia.

Em sua história de encantos e desencantos, ilusões e desilusões, começo e recomeço, Bobby vive a crônica atemporal da futilidade, do efêmero e da vaidade, no sentido das coisas que se vão. Ao lado de Vonnie, a mulher com dois corações, experimenta o preço lógico do amor entre a sobrevivência e a conveniência. Bom de ver e de rir em uma hora e meia na sala escura.