Prostituição na Copa
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 12 de março de 2014 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Um evento com as dimensões da Copa do Mundo de Futebol traz à tona muitos temas sociais às vezes submersos nas águas turvas da injustiça social e da moralidade. A questão do mercado de prostituição é um deles. No Brasil, um entendimento mais voltado à predileção no domínio do corpo ainda está mais para coisa de garota de programa, meretriz e puta do que para profissional do sexo, com plenos direitos civis. O assunto tem sido tratado de forma pontual e tímida, o que sugere o risco de inclusão das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) na parte negativa do legado do mundial.

Os torneios da Fifa são naturalmente estimuladores do mercado transnacional de sexo, por isso a Copa é uma oportunidade de pensar na regulação e no estabelecimento de políticas públicas para uma atividade controversamente livre e praticada por adultos. Do modo que for, é importante que a questão seja abordada pelo viés da saúde pública, longe de tabus religiosos, do falso moralismo e dos interesses comerciais. A negligência diante dessa situação pode agravar mais ainda os problemas de exploração sexual de crianças, de adolescentes e de adultos em situação de vulnerabilidade social.

A sexualidade é encarada de maneiras distintas por diferentes povos do mundo. Isso faz com que um acontecimento tão multicultural como a Copa do Mundo seja percebido na geografia do sexo como oportunidade de exercitar fantasias sexuais com pessoas de outras culturas. Por um lado, tem-se a tradicional atração de estrangeiros pelos corpos femininos brasileiros, e, por outro lado, a concorrência nacional com prostitutas estrangeiras, que se torna bem maior por conta da crise da Europa e dos Estados Unidos, sem contar com as ofertas orientais.

Irônica essa circunstância, mas ela é um bom retrato de uma cultura de simulações, de fingimento e do fim da intimidade que está instalada no nosso cotidiano. Basta ver nas redes sociais, nas novelas de televisão, nos reality shows e nas estrelas pornôs que viram celebridades. As regras desse jogo estão muito difusas e fica difícil de encontrar soluções que as tornem claras, enquanto as prostitutas, por não terem amparo legal para assumirem-se como fornecedoras de serviços sexuais, seguem caindo nos falsos contratos de recepcionistas, modelos e operadoras de telemarketing.

As preferências do uso do corpo ainda estão muito subordinadas à autenticidade do desejo, cujo conceito é base para a repressão do chamado prazer carnal sem compromisso. Há na sexualidade para consumo uma barreira crítica erguida pelo argumento de que tudo isso não passa de evolução da vulgaridade de pessoas alienadas e materialistas que vendem o corpo em troca de favores e dinheiro. O modo conflituoso como o sexo pago é percebido ganha a adesão do puritanismo, inclusive de feministas recalcadas, que não suportam essa conversa de prazer sexual.

Ao longo da história, os padrões morais são muitas vezes forçados a mudanças, principalmente quando desafiados por ameaças que afetam ricos e pobres. O caso da Aids é um bom exemplo disso. Foi a partir do perigo de agravamento na proliferação do vírus dessa doença que a sociedade aceitou a distribuição de camisinhas. O mesmo vem ocorrendo com a vacina HPV para meninas de 11 a 13 anos. Ao observar a faixa etária do público alvo dessa campanha, nota-se uma abertura das famílias à possibilidade de garotas tão novas necessitarem de proteção contra uma doença normalmente transmitida durante relações sexuais.

Se somos capazes de entender a sensibilidade dessas situações, talvez pudéssemos ser mais tolerantes e proativos diante da questão da prostituição, em casos complexos como o da realização em doze estados brasileiros do maior evento de massas do mundo. As pessoas aficionadas em sexo, que transam por prazer, e as que têm na prestação de serviços de natureza sexual uma atividade remunerada precisam ser aceitas como optantes pelo ato sexual combinado, consentido e sem complicações amorosas.

A imagem brasileira com relação à prostituição é tão ruim que, na Inglaterra, entidades de defesa dos direitos da criança estão promovendo campanhas de advertência para que os torcedores britânicos que vierem para a Copa no Brasil não façam sexo com garotas menores de 18 anos, que dá cadeia. Para evitar esse tipo de vexame, a África do Sul, onde a prostituição é crime, criou, na copa de 2010, um comitê governamental para treinar prostitutas para relações seguras e oferecer-lhes apoio de clínicas especializadas e laboratórios móveis para testes gratuitos de HIV durante o torneio.

Quando as doenças sexualmente transmissíveis eram menos alarmantes, os poderes públicos chegaram a apoiá-la como diversão. Um dos símbolos da democracia ateniense eram os bordéis da coletividade e as casas de banho, amparados por lei. As tarifas dos serviços sexuais eram fixadas pelo Estado. Os lupanares gregos pagavam impostos. Mas isso não é coisa do passado. Na Holanda, os donos das vitrines de prostitutas do distrito da luz vermelha pagam impostos, como uma atividade comercial qualquer.