Às vezes fico pensando no tanto que o mundo melhoraria se as mulheres estivessem predominantes em seu comando. Não mulheres servindo a interesses eminentemente masculinos ou reproduzindo as formas com que os homens exercem o poder, mas mulheres sendo mulheres, com as peculiaridades da potência feminina presentes em sua humanidade.

Esses pensamentos afloram sempre que deparo com atividades em que há mulheres diretamente envolvidas e nas quais percebo a diferença nas atitudes diante do que precisa ser feito, em como fazer e nas relações interpessoais e com o meio ambiente. O mais relevante para essa minha agradável sensação não é o tamanho da atividade, mas o quanto de substância da natureza da mulher está ativo em sua realização.

No sábado passado (3), subi o Maciço de Baturité com a Andréa, cujo trabalho como educadora, que acompanho pelos muitos anos que temos de vida a dois, reforça em mim essa ideia de que o compromisso da sapiência feminina com o que faz tem características especiais, para um encontro com as irmãs Concília, Letícia, Cristiana e Mirtha, seus sorrisos fartos e suas atitudes.

O Sítio Veredas, localizado no município de Mulungu, a 120 km de Fortaleza, com altitude de 800 metros acima do nível do mar, é o lugar onde um legado de café de sombra se revitaliza pela força dessas mulheres. Das quatro, três são muluguenses, e Mirtha, a caçula, é fortalezense, porém com muito tempo de infância ao lado das irmãs no cafezal do avô, Seu Otávio, e da avó, Dona Mundinha, que moravam ali pertinho, no Sítio Humaitá.

Todas são apaixonadas por roça e culinária. Há tempos que a Cristiana largou o trabalho em um banco para atuar com alimentação; experiência que a levou a criar a conceituada confeitaria Flor do Café, em Fortaleza. Enquanto isso, as demais seguiam suas vidas profissionais: Concília trabalhando em uma loja de objetos de arquitetura, Letícia na missão do ensino infantil e Mirtha como representante comercial em Pernambuco.

Com o caos psicossocial e econômico instalado devido à pandemia de covid (2020 a 2022), as quatro irmãs encontraram refúgio na serra. O contato com a roça de café dos avós despertou nelas a vontade de conhecer melhor aquela cultura da qual traziam o aroma em suas memórias afetivas. Passaram, então, a procurar conhecer tudo sobre cafeicultura, desde o cultivo até a preparação do produto a ser saboreado.

Café de sombra no Sítio Veredas, em Mulungu, Ceará.

Dessa circunstância viabilizou-se a compra do Sítio Veredas, como recanto de volta ao contato direto com a terra, e a criação da marca de café Humaitá, que tem Mirtha, Concília e Letícia como empreendedoras, cada qual dando seu jeito para elastecer o tempo a fim de cuidar de toda a produção. Cristiana está junto nessa aventura, e contribui vendendo o Humaitá em sua confeitaria.

Nesse negócio só de mulheres, a busca por produtividade tem seu valor, mas o que determina mesmo essa experiência é a circulação que elas se permitem fazer por dentro das próprias lembranças. Por conseguinte, divertem-se cuidando da terra, fazendo a colheita manual seletiva dos frutos maduros, a secagem acurada e o processo de torra média, que deixa o café menos ácido e mais intenso, assegurando um produto orgânico puro e saboroso, bom de tomar sem adição de açúcar.

Há muito anos não encontrávamos com essas quatro irmãs queridas, embora na nossa casa não falte o bolo de creme de leite da Flor do Café. Conhecemo-nos na década de 1990, quando eu integrava a curadoria do projeto Sexta com Arte, do Sindicato dos Jornalistas. Elas estavam sempre lá e costumavam pedir ao Tarcísio Sardinha (1964 – 2022) que tocasse “Som de Carrilhões”, de João Pernambuco (1883 – 1947), música que se tornou a trilha sonora da nossa amizade como um inesquecível aroma de café.

 

Fonte
Jornal O POVO