Cheguei um dia no Mondubim e o Estrigas (1919 – 2014) estava chateado. Alguém havia roubado um quadro do acervo do Minimuzeu Firmeza. Ironicamente ele desabafou: “O pior é que tenho a impressão de que a pessoa fez isso para vender a moldura”. Sensação igual eu tive ao ler o anúncio “O desafio é ressurgir das cinzas” (O POVO, p.11, 09/02/2019), por meio do qual a Fundação Brasil Cidadão solicita à sociedade apoio para recuperar a Estação Ambiental Mangue Pequeno, localizada na praia de Requenguela, em Icapuí, incendiada no começo deste ano por membros de facções criminosas que atuam no Ceará. Assim como os ladrões da pintura do museu, os bandidos que destruíram aquele equipamento de preservação e educação ambiental não fizeram aquilo para roubar a paisagem, mas somente como parte das ações de represália às medidas corajosas tomadas pelo governo estadual para a retomada do controle do sistema penitenciário.

A peça da campanha de captação de recursos por financiamento coletivo traz duas fotografias: uma colorida, feita antes do ato delinquente, com a bem cuidada estrutura desse centro difusor de tecnologias sociais e de práticas sustentáveis, e outra em preto e branco, com o triste cenário da destruição. Essas duas imagens nos remetem tanto ao acontecimento real – o ataque terrorista em si – quanto ao acontecimento simbólico – o novo significante que nasce com a expressão “ressurgir das cinzas”. Parafraseando o filósofo esloveno Slavoj Žižek em suas reflexões sobre acontecimento, eu diria que, mesmo o entendimento de cuidado com o meio ambiente tendo lá suas diferenças para pescadores, turistas, pesquisadores ou para crianças que brincam na praia, a conclamação do novo significante é unificadora de interesses.

Acessando benfeitoria.com/estacaoambiental na internet, todos podem contribuir para a aquisição de equipamentos e materiais destinados à reconstrução e reequipagem de um ponto tão especial de apoio a pesquisa, monitoramento, projetos de sustentabilidade e visitação desse patrimônio comum de plasticidade exuberante que é Requenguela. O ecossistema de manguezal, que como todo mangue é área protegida permanente, tem beleza à parte nessa praia. Com extenso recuo, suas marés criam um espaço enorme de água rasa no qual as aves caneludas fazem a festa, alimentando-se de vermes e pequenos crustáceos, enquanto outras comem rama, insetos e frutinhas nas árvores de raízes e caules retorcidos do bosque alagado.

Quando a maré sobe, as árvores submergem, ficando apenas suas copas no nível das águas como se fossem ilhas verdes flutuantes. É muito bonito. Em uma das visitas que fiz a essa estação, caminhei pela ponte que segue mangue adentro e pude observar costumes, atitudes e vozes de aves. Cantos solitários, agito em pares e o espetáculo das revoadas. Requenguela é um ninhal de aves marinhas, costeiras e migratórias. Por ali circulam maçaricos, garças brancas e garças azuis, sibite-do-mangue, sirizeiras, martim-pescador e outras aves que encantam nossos olhos e ouvidos. Tem a voz rouca das garças, o tilro do tiziu e a siricóia cantando “três potes” ao nascer do dia e nos finais de tarde. Contribuir para o soerguimento rápido dessa estação ambiental é uma maneira de reduzir a vergonha coletiva da brutalidade patética e traumática que a destruiu.