Era o aniversário do compositor Ronaldo Lopes e fui sábado passado (26) ao sarau do Açaí na Taipa, onde poetas e artistas do Pirambu costumam se encontrar para a renovação de vínculos. Nesse encontro vivo e vivificante, que se manifesta por leituras e releituras da vida e do viver, as singularidades em congregação medeiam vozes da arte e da realidade. Respira-se junto o gosto pela liberdade, em que pese a atmosfera sufocante dos dias atuais.
O espaço cultural do Açaí na Taipa, onde fica a galeria Belchior, do Museu Orgânico de Fortaleza, orla oeste da cidade, funciona como um ponto especial de catálise de ideais comunitários revigorados pelo brilho do copertencimento, evitando dispersões de cunho hedonista e reforçando impulsos e paixões que só a convivência solidária e amorosa, sustentada por admiração mútua, é capaz de construir.
Naquele recanto de convergências, os criadores e revolvedores da arte musical e poética do Pirambu expressam com tranquila satisfação a força consubstancial que o aconchego provoca. João Batista, Johnson Soarez, Ronaldo Lopes, Júnior Pirão, Gracinha, Everardo Viana, Washington Arraes e Juracy Mendonça, ao lado de participantes mais recentes, tais como o poeta Rafael Brito e o músico Gilvan da Silva, vêm mostrando nas últimas décadas o quão inalienável é a atenção ao outro gerada pela potência dos vínculos.
Gilvan estava lá para reafirmar com seu violão de pegada pop que a luta continua “a tempo de chegar / em qualquer lugar”. E, ali, está um lugar de partida e de chegada porque, mais do que um espaço, o acontecimento-relação do Pirambu é movimento com duração de liga atemporal e narrativa à base de música e de poesia. Eles metaforizam a vida, criando associações entre o que são e o que representam para si e para a cena cultural da cidade.
O Sarau na Taipa é feito por momentos genuínos de lembranças e de esperanças, de trocas de novidades e de cantos, através dos quais se fixa o cimento local, mas sempre abrindo portas e janelas ao contato e à aproximação com outras poéticas e musicalidades. A mensagem passada por essa movimentação espontânea e integrada de multiplicadores de sensibilidades é a de que a erosão na cultura não consegue parar a arte e seus artistas, a poesia e seus poetas.
A consagração de um lugar é bem mais rica quando feita pelos seus frequentadores, e não por olhos externos. Por isso, independentemente do que quem quer que seja ache daquele refúgio, as pessoas que gozam da sua intimidade celebram a existência embalada ao som paciente e reverente das ondas que banham a praia da Vila do Mar. Assim, mantendo viva uma cumplicidade afetiva, tornam audível a própria identidade e contribuem para que as coisas façam sentido.
Sobre os poetas e artistas que saem e que chegam ao Pirambu há muitos vieses para se falar. A sociomorfologia do bairro indica caminhos variados de interpretação dos sons e das palavras que eles organizam, dando plenitude à vida e ao viver, em que pesem as circunstâncias adversas que rondam a história e a memória daquele populoso bairro. No entanto, há um aspecto no acontecimento-relação do Sarau na Taipa que merece realce, em termos de valor cultural e humano: o clima de amizade, a ausência de julgamento estético e a naturalidade com que ali se compartilha a conscientização de uns para com os outros.