Sons e dons de Paulo Leminski
Artigo publicado no Jornal O POVO, Caderno Vida & Arte, pág.4
Quarta-feira, 16 de setembro de 2015 – Fortaleza, Ceará, Brasil

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FAC-SÍMILE

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Que maravilha o CD duplo Leminskanções, de Estrela Leminski, interpretando bonito as composições do seu pai, o poeta curitibano Paulo Leminski (1944 – 1989). Os discos, com produção musical de Natalia Mallo e Fred Teixeira, contam com vozes especiais de Ná Ozzetti, Arnaldo Antunes, Serena Assumpção, Zeca Baleiro, Zélia Duncan e Bernardo Bravo.

Leminski, que sempre deu ritmo visual às palavras, produzindo uma obra poética entrelaçada por ensaio biográfico, romance-ideia, tradução, grafite e haicai, tinha o dom da inventividade musical, nascida com o fonema, no jogo de linguagens que ele tanto amava.

É autor de diversas canções e teve poemas musicados por artistas como Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Vitor Ramil, José Miguel Wisnik, Guilherme Arantes e Moraes Moreira. Foi gravado, entre outros, por Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Suzana Salles, Arnaldo Antunes e Paulinho Boca de Cantor.

Mas tudo andava muito disperso e a gente às vezes nem percebia o volume e a consistência dessa produção. O poeta-compositor tinha dito que a música era parte do seu viver, inclusive por uma questão de criatividade. Na lata: “acordei bemol / tudo estava sustenido // sol fazia / só não fazia sentido”.

A família Leminski e uma plêiade de amigos abraçou a ideia de Estrela – a caçula do casal Paulo Leminski e Alice Ruiz – para concretizar esse feliz álbum de Música Plural Brasileira, interpretado por Estrelinski e/os Paulera, uma banda com guitarras de Téo Ruiz, Du Gomide e Estevam Sinkovitz, baixos de Érico Viensci e Natalia Mallo, bateria e percussão de Denis Mariano e Mariá Portugal.

Estrela, responsável também pela direção artística, explica no encarte que “os arranjos foram baseados no que ele ouvia, então se você encontrar aqui The Police, Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, John Cage, Sex Pistols, Gilberto Gil, Elvis Presley, Itamar Assumpção, Gramani e Faroeste, não se preocupe: você está ouvindo bem”. E ela tem razão.

No primeiro disco, Essa Noite Vai Ter Sol, só com composições de Leminski, há preciosidades como o batuque guitarrado Ogum: “Choramingando as minhas mágoas / não vou a lugar algum”; a irônica Verdura: “De repente / vendi meus filhos / a uma família americana”; Filho de Santa Maria: “Se Dona Maria soubesse / que o filho pecava / E pecava tão lindo”; e Não Mexa Comigo: “Já cansei de esticar o fio da esperança / quem espera não me alcança”, que Estrela canta com Arnaldo Antunes em ritmo de Pequeno Cidadão.

O disco dois, Se Nem for Terra, se Transformar, estão as faixas com parcerias de Leminski. Um relicário com Dor Elegante (c/ Itamar Assumpção): “Um homem com uma dor / é muito mais elegante”; Sinais de Haicai (c/ Zé Miguel Wisnik): “Hoje acordei mais cedo e azul tive uma ideia clara / só existe um segredo tudo está na cara”; Hoje Tá Tão Bonito (c/ Edvaldo Santana e Fortuna): “Hoje tá tão bonito / que eu nem sei o que vou fazer”; e Sou Legal eu Sei (c/ Ivo Rodrigues): “Sou legal, eu sei / agora só falta convencer a lei”. E, para estraçalhar, uns versos de Shakespeare com melodia de Leminski, na voz de Ná Ozzetti.