A paródia é um recurso de humor e de ironia que normalmente se vale de obras de sucesso para passar mensagens sociais ou simplesmente para divertir. Isso é comum, legítimo e aceito em todas as artes, na poesia e na literatura. Entretanto, quando esse tipo de operação ocorre com finalidades claramente comerciais ou políticas, deixa de ser releitura para ser apropriação, portanto, dependente de autorização por parte do autor.
Dois casos recentes julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm causando distorções de interpretação, como se a especificidade das suas naturezas estabelecesse um novo paradigma para quaisquer julgamentos da utilização de paródias nos âmbitos do mercado e da política. Isso porque, ao trocar a regra pela exceção, o STJ, cuja função é dar uniformidade de entendimento à lei, parece agir contra a sua própria razão de ser.
A questão do uso de trecho da letra da música Garota de Ipanema (Tom / Vinícius) por um comércio de hortifrutigranjeiros, julgada em 2018, não foi considerada usurpação de Direitos Autorais, porque se trataria de uma paródia. Houve alteração apenas de uma palavra nos versos originais: “Olha que coisa mais linda / mais cheia de graça” virou “Olha que couve mais linda / mais cheia de graça” no material digital e impresso. Os ministros consideraram a mudança de “coisa” por “couve” apenas uma recriação engraçada.
Em julgamento realizado em 2019, a Corte também não viu violação de Direitos Autorais na paródia feita por Tiririca à música O Portão (Roberto e Erasmo), em sua campanha de reeleição à Câmara Federal (2014). O que na obra original diz “Eu voltei agora pra ficar / Porque aqui, aqui é meu lugar”, na peça de cunho eleitoral ficou “Eu votei, de novo vou votar / Tiririca, Brasília é seu lugar”. No acórdão, o relator ressalta que “não se deve ignorar que o candidato em questão é artista popular que se destacou justamente no meio humorístico, utilizando-se corriqueiramente de paródias”.
Ambos os processos parecem apresentar um mesmo erro de condução, quando não levam em conta a melodia e atrelam seus argumentos ao art. 47 da Lei 9.610/98 (Direito Autoral), que afirma: “São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. A não existência de restrições para situações lucrativas ou de vantagens políticas deixou uma brecha redacional, e foi em torno dela que os julgadores tomaram a decisão, dando uma péssima lição doutrinária, que abre espaço para toda ordem de controvérsia.
São vários os artigos dessa lei que evidenciam a regra dos cuidados com a criação autoral: o art. 7 fala da proteção das obras, o 22 referenda o autor como proprietário da obra que cria, o 28 diz que somente ao autor é dado o direito de dispor de sua obra, o 29 e o 33 pugnam pela necessidade de permissão do autor para o uso de sua obra, inclusive nos casos de adaptação, o 30 faculta ao autor decidir se o uso de sua criação por terceiros será a título oneroso ou gratuito, e o 46 explicita com toda clareza a ressalva da lei no que se refere ao intuito de lucro, seja econômico ou político.
Esses casos do uso da paródia para fins comerciais e políticos mostram o quanto é arriscado ler artigos em separado; lê-se a lei, seu fundamento, seu sentido, seu espírito, para que o conjunto das regras não seja atropelado pela exceção.