O Bumba-meu-boi do Maranhão está solto no pasto da cultura mundial, está vivo e mais taludinho com o novo batismo feito pela Unesco, dia 11 passado, em Bogotá, quando foi elevado à categoria de Patrimônio Imaterial da Humanidade. Brilham as estrelas e os espelhos espalhados no céu da testa dos bois de todos os sotaques, enchendo de alegria e mimo a cultura popular nordestina e brasileira.
Com essa distinção, junta-se ao grafismo wajápi do Amapá, ao samba de roda baiano, ao frevo pernambucano, ao Círio de Nazaré paraense e à roda de capoeira. O círculo se abre para essa força preciosa do Brasil mestiço, gravada em couro e vadiante como suas bandeirolas e fitas coloridas. O bumba-meu-boi é mesmo assim, vive de batismo e morte, de morte e batismo. O boi luta para não se entregar e, mesmo quando abatido, forceja e revive, para a felicidade dos brincantes.
Soam os espíritos africanos dos atabaques e agitam-se os movimentos e passos da coreografia indígena, em vestuário marcado pelo teatro catequético branco colonial; trama que torna o bumba-meu-boi uma manifestação popular tipicamente brasileira. Auto dramático e satírico, que reivindica liberdade, embora em um conflito moral de propriedade com o patrão, o Boi é uma promessa de gente humilde, explorada e criativa, que constrói uma ponte para o divino em forma de festa.
A diversidade de estilos, formas, ritmos, belezas e agitação do boi-bumbá maranhense e seu poder de envolver adultos e crianças me instigaram a compor duas músicas em homenagem a esse vasto mundo de paixões reais e imaginárias. Em Escarlate (1994), uma mistura de boi-de-viola com boi-de-orquestra, conto a história de um boizinho que quis ser amado, confiado apenas no amor que tinha para dar; foi gravada pelo Edmar Gonçalves, com a participação do Jeca, legendário percussionista maranhense.
Dediquei essa composição ao meu parceiro Josias Sobrinho, em retribuição à bela canção Engenho de Flores, na qual ele faz referência ao clarear do sol que se levanta em Fortaleza como símbolo da Terra da Luz. Foi então que o meu primo Elício me trouxe de presente do Maranhão o livro Matracas que Desafiam o Tempo (1995), da pesquisadora Maria Michol, no qual ela discute o dilema da sobrevivência do Boi na contemporaneidade. No oferecimento, ele aponta o “brilho Escarlate” como uma “faísca no céu do bumba-boi”.
Nas pegadas da folia infantil fiz o boi Xacundum no tum-tum do papai (2001), interpretado por Olga Ribeiro, com arranjo de Tarcísio Sardinha, um maranhense adotado pelo Ceará: “Vem meu boizinho / Vamos brincar / Vem pro tum-tum / Vamos dançar / Xacundum”. Isso porque o boi é símbolo de brincadeira cogeracional. Fiz primeiro para brincar de elevação de boizinho de mão com os meus filhos, pelo céu e pelo Maranhão, onde fomos para a praça com Apolônio Melônio (1918 – 2015), o amo do Boi da Floresta, e curtimos o som do querido amigo Papete (1947 – 2016) em uma estrelada noite junina.
Muitos vínculos me levam a seguir personagens humanos e seres fantásticos ao ritmo das matracas, tambores-onça, pandeirões, chocalhos e maracás, nesse batalhão de brincantes pelos terreiros enfrentando contrários com toadas, mugidos e urros. Palmas para a gente do Boi, fogos para a cultura maranhense e vivas aos brincantes do Brasil. Tim-tim com tiquira!!!