Transtornos da Fortaleza Bela
Artigo publicado na Revista Fale! Ano X, nº 92, pág.82
Sábado, 30 de Junho de 2012 – Fortaleza, Ceará, Brasil
Com a proximidade do fim do segundo mandato da prefeita Luizianne Lins (PT), vemos evaporar definitivamente a aspiração da “Fortaleza Bela”, que marcou contraditoriamente os quase oito anos da sua administração (eleita em 2004 e reeleita em 2008). Não há, portanto, mais tempo para ultrapassar a fantasia dessa gestão e alcançar a cidade real. Talvez ela até tenha imaginado uma cidade fruto do que gostaria de fazer, mas não fez.
O exercício do poder executivo é a parte da política voltada para o fazer e não para o falar. Então, não é razoável espalhar fantasias de realizações públicas como quem espalha memes nos ambientes da internet. A propagação do que poderia ser se tivesse sido é feita por meio de pedaços de intervenções que querem se passar pelo todo, simulando aspectos da vida cotidiana. Pela expectativa criada, o governo de Luizianne revelou-se frustrante.
Diante da dificuldade de entender e de separar a cidade imaginada da cidade onde a vida acontece, o executivo municipal não conseguiu encontrar um conceito de cidade para com ele se articular e nem demonstrou criatividade na busca de soluções. O que a administração municipal tem feito é exercer um tipo de sofisma participativo para tentar se apropriar das movimentações das pessoas que se organizam para praticar ações de interesse da coletividade.
Na nossa urbanidade difusa têm aflorado moderadas ondas cidadãs do tipo occupy Fortaleza, e isso assusta o mundo oficial. Temos vários exemplos de respostas da Prefeitura de Fortaleza em seu esforço de apagar o fogo democrático dessas manifestações. Foi o caso do grupo de pessoas que resolveu limpar a areia suja das praias de Fortaleza e, ao invés de assumir o constrangimento, a prefeitura partiu rapidamente para incorporar o protesto, como se a prefeita Luizianne Lins fosse de oposição e, a priori, os olhares indignados com a sujeira não fossem dirigidos a ela. Situação semelhante ocorreu também no domingo em que várias pessoas indignadas se reuniram para cobrir as pichações feitas na Praça dos Leões.
O esforço da prefeitura para produzir desvio de percepção na sociedade é bem nítido também no caso da realização do Pedala Fortaleza. Ora, se uma das cobranças que se tem feito ao município é para que a cidade tenha condições para a circulação de bicicletas, é um tanto forçado a prefeitura realizar um evento ciclístico objetivando “desenvolver uma cultura ciclística na Capital”. Isso a sociedade já vem fazendo há um tempão; o que o município precisa fazer é ciclovias, ciclofaixas e garantir a segurança de quem circula de bicicleta nas ruas da cidade.
Fortaleza precisa de uma reconfiguração urbana que humanize a cidade, seu potencial poético, sua cobertura verde e de mais respeito por parte de quem a governa. Outro dia, a prefeita comemorou a “grande notícia”, do reconhecimento de calçadas de Fortaleza como as melhores do Brasil. Esse tipo de atitude mostra bem o quanto ela não consegue distinguir seus pensamentos internos do que está acontecendo na cidade; transtorno que se reflete bem na publicidade municipal, onde aparecem fotos irreconhecíveis da cidade; não porque as coisas mudaram, mas por serem imagens sem objeto concreto comparável.