A arte tem uma função desafiadora e, nos períodos em que as superficialidades dominam o sentido do viver, o fenômeno estético ganha mais importância ainda por expressar uma relação intensa e profunda com o mundo. Nessas circunstâncias, a força transformadora da arte e sua tendência de não se submeter aos interesses imediatos incomodam e a tornam alvo de intolerâncias.
Na crise de significados pela qual estamos passando, uma onda de falsos moralismos ameaça sufocar o fluxo criador e destruir reputações. Diante desse quadro de artecídio e expiação, Cris Olivieri, advogada de direitos culturais, e Edson Natale, músico, jornalista e escritor, estão lançando o livro Direito, Arte e Liberdade (Edições Sesc-SP, 2018), que organizaram com a participação de artistas, jornalistas e especialistas em direito.
Primeira obra de uma coleção voltada para a Gestão da Cultura e Entretenimento, a publicação traz posicionamentos críticos, conceituais e jurídicos, mais entrevistas com líderes religiosos e com Jô Soares, tendo como eixo comum o papel da arte, a liberdade de expressão, infância, religião, humor, direitos das figuras públicas, princípios constitucionais e direitos individuais relativos à arte e à vida artística.
Em seu propósito de produzir insumos para que artistas, escritores, gestores culturais e tantos quantos estejam comprometidos com a defesa da liberdade de expressão artística, o trabalho oferece para diálogo diversos e complementares pontos de vista. Essas reflexões e subsídios técnicos são de grande importância para que a diversidade inventiva não seja atingida pela insegurança. Quem cria não pode ter medo de patrulhamentos e de escândalos, sob pena de a arte perder o seu valor transformador.
O ciberespaço tem sido um campo fértil para a exteriorização de fascismos e psicopatias, e, sobre isso, os organizadores ponderam: “Se por um lado a democratização das vozes através das redes sociais permitiu o acesso à diversidade de inúmeros pontos de vista, por outro criou as ondas de notícias e opiniões que agora julgam e criminalizam pessoas e comportamentos em escala insuportável” (p.117). Ressaltam que do mesmo modo que pessoas ocupam as redes digitais por causas nobres, outras tantas fazem isso para oprimir opiniões e manifestações artísticas.
As repostas das lideranças religiosas sobre os motivos da intensificação da intolerância trazem alguns olhares preciosos: Clovis Ely Rodrigues argumenta que “temos prestado mais atenção nos que destroem, atacam, impedem o debate…” (p.146); Makota Valdina diz que não gosta do termo tolerância porque “quando você tolera, você não acredita, e quando você respeita, dialoga e busca compreender o outro naquilo que ele é” (p.162); Frei Betto destaca que um dos motivos é “o declínio das utopias libertárias” (p.188).
O gestor cultural Benjamin Seroussi lembra que “A arte nunca é uma observadora neutra” (p.31), e, por isso mesmo, o jornalista Juca Kfouri conclui: “O artista não pode ter seu horizonte balizado por coisa alguma, e, ao se expor, haverá de conviver com a opinião pública, esta sim com direito a gostar, a não gostar, a ser indiferente, jamais com o direito de proibir” (p.38). E por aí segue o debate provocado pelas páginas de Direito, Arte e Liberdade, questionando irracionalidades e desnudando farsas.