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Há exatamente 30 anos eu escrevi um artigo-desabafo, a partir do tumulto que houve no Congresso Nacional, no momento da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que, com todos os problemas, produziu a Constituição Cidadã de 1988. Mas o que me chamou a atenção ao reler esse texto foi a semelhança de alguns pontos de indignação que estavam lá e que seguem nos tempos atuais. Desse artigo, intitulado “O Brasil e a fórmula USA” (O Povo, capa do Segundo Caderno/Vida&Arte, 07/02/1987), escolhi alguns trechos:

• Para que haja um controle dos sintomas de fecundidade dos anseios populares, o sistema político ainda apela para os dispositivos utilitários abortivos, financiados há cinco séculos por agentes colonizadores internacionais. Eles ditam as regras do jogo e, normalmente, para economizar, forçam operações sem anestesia.

• Não é fácil perceber o que realmente está acontecendo com o Brasil. O que se pode ter certeza é de que no corpo da Assembleia instalada no último domingo [1º/02/1987], há sinais de agressão à democracia. Para desviar a atenção da população, o governo lançou uma série de medidas econômicas sedativas que barafundam a nossa organização social.

• A cúpula que administra a Nação está pouco preocupada com os sentimentos da população. Afinal, na terra das siglas partidárias de aluguel, a autocracia não é novidade alguma.

• Essa briga de pinça entre os que buscam o poder e os que querem nele se manter acelera o sangramento de reservas sedimentadas pelos nossos inanidos movimentos sociais.

• É bom ressaltar que a origem da anticoncepção política que esteriliza o Brasil ganhou força brutal com o golpe militar de 1964 (…) A Nova República ainda atravessa o pantanal histórico brasileiro com remos herdados do regime militar e sob a mira dos dentes afiados dos crocodilos do capital internacional.

• O tumulto ocorrido por ocasião da “festa” de instalação da ANC foi uma radiografia do estado de morbidez a que conseguimos chegar no Planalto Central.

• O desconhecimento e o desrespeito aos aspectos culturais que compõem a universalidade do País também são preocupantes. Vetar a entrada de um grupo indígena, comandado pelo cacique Raoni, por ausência de camisa é, no mínimo, absurdo. Duvido que a guarda do Palácio proíba a entrada de um chefe árabe, que deseje conversar sobre petróleo, simplesmente por ele se apresentar vestido em diallba e turbante. Por que sempre o paletó? Por que sempre o padrão externo? Um País de diversidade cultural tão acentuada não deve conduzir seus acessos por parâmetros estreitos e montados em interesses circunstanciais.

• O resultado da “harmonia e autonomia” dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) está longe do que se aprende na escola. A maioria dos brasileiros ainda não sabe que bicho é esse chamado Estado. Enquanto muitos ainda acreditam que o Estado é o “pai da pobreza” ou o senhor absoluto da verdade, não dá para pensar em mudança. Do mesmo modo em que é praticamente impossível existir ordem em um país onde o Executivo indica os aplicadores das leis e, com o Judiciário sob domínio, burla a ação do Legislativo, instituindo a impunidade oficial.

• Governar é animar a convergência das diferenças e não organizar as afinidades sob o arremedo positivista da “ordem e progresso”.

• Dentro das contradições e injustiças da estrutura de riqueza e poder existentes no Brasil, desconheço um registro, que não seja simplesmente retórico, da intenção de formar uma Nação, integrada, com justiça, tranquilidade interna, promoção do bem-estar geral e da garantia dos benefícios da liberdade.

• Descontente com tudo isso, o historiador cearense Capistrano de Abreu criou ironicamente uma constituição com apenas dois artigos: 1º. Todo brasileiro deveria ter vergonha na cara, e 2º. Revoguem-se todas as disposições em contrário.

• O que, na verdade, o Brasil precisa para tomar novos rumos é partir para conquistar o seu direito de ser Estado livre e independente, desonerando-se de qualquer vassalagem para com o autoproclamado Primeiro Mundo.

• Seria possível, mas, enquanto o clima for de subserviência e disputas pessoais, o Brasil continuará com uma sociedade anêmica e infectada por sua própria ignorância política e, por conseguinte, colonizada, subdesenvolvida e subnutrida.

Pois é, lá se foram três décadas. A grande novidade de hoje é a irônica música “Queremos as Delações” (Tom Zé e Paulo Lepetit) postada na internet, cobrando a agilidade para homologação dos depoimentos dos 77 executivos da construtora Odebrecht. O que não é nada novo é a decisão do STF de homologar os depoimentos, mas tirando a oportunidade dos cidadãos de tomarem conhecimento dos seus conteúdos, ao mantê-los em sigilo.

 

“Estamos pagando por elas / vintém por vintém / Sofremos com elas / Do Rio de Janeiro a Belém” (Tom Zé / Paulo Lepetit).