O tempo presente é decisivo para o Brasil. Milhares de vidas se esvaem a todo instante, vítimas da Covid-19, e o país descamba na contaminação do vírus antidemocrático, transmitido massivamente sob os auspícios do entusiasmo presidencial. Enquanto isso, é assombrosa a escassez de lideranças políticas e sociais capazes de contribuir para que o sistema perceptivo-interpretativo das pessoas encontre, nesse pandemônio, saídas para além da sobrevivência.
Algum caminho há de ser possível para quem acredita em alternativas pelo campo democrático, humanista e ambientalista da política brasileira. Essa hipótese acha-se, no entanto, ameaçada por um impasse existente no caráter tático entre duas mentalidades predominantes nos grupos de poder associados aos princípios republicanos. A fim de refletir com base em conceitos, e não com siglas, resolvi chamar de Unidos e Unitários esses eixos de interesses individuais, partidários e nacionais.
Os Unitários, como o nome diz, querem concentrar as forças políticas e dos movimentos sociais em torno de si, confiados na autodestruição do oponente. Perderam o elã ideológico e, com o ego arruinado, apegam-se à vontade de se afirmar pela negação dos erros que cometeram, seguindo agarrados à busca de compensação pelo fracasso, sobrecodificando desejos e necessidades populares. Sabem que sozinhos não terão como voltar ao poder, mas forçam a mão única contentando-se em assegurar cadeiras no parlamento e elegerem um ou outro correligionário em funções executivas estaduais e municipais.
Os Unidos tentam a formação emergencial de um bloco de aliados capaz de tirar constitucionalmente do poder o adversário de atributos totalitários, tendo como bandeira o agendamento do interesse comum em favor da abertura de passagem civilizacional pelas muralhas obscurantistas que se fecham para a democracia. Entendem que o cenário não comporta hesitações de personalismos salvacionistas, haja vista que a federação virou um território de operadores da indústria bélica & companhia, do comércio da fé, dos negócios de extermínio da população indesejável e de abandono total de qualquer senso de soberania.
Unidos e Unitários estão presos a um entrave moral típico do Dilema do Prisioneiro. A sociedade precisa que sejam soltos, mas não dá para saber como se comportarão no interrogatório da história. Se apenas um trair o outro, o que se comportar assim fica livre, induzindo o que ficou em silêncio a pegar o dobro da condenação. Se ambos entregarem um ao outro, os dois ficarão com pena de médio prazo. Em caso de ninguém abrir a boca, um e outro serão sentenciados com uma sanção mínima e paritária. O pensamento unilateral não tem como melhorar a situação do todo, mas se os dois escolherem colaborar, a atitude de cooperação mútua encurtará o período em que ficarão privados de conduzir os destinos do Brasil.
Isso somente será possível se Unidos e Unitários tiverem consciência plena da responsabilidade que lhes cabe diante do drama posto pela realidade caótica do país, em um mundo tremendamente bagunçado. Caso os Unitários insistam em reafirmar o seu hedonismo afetado e irreconciliável por traição em benefício próprio, ficarão livres com a sua desmoralização, enquanto os Unidos serão obrigados a cumprir o dobro do tempo de reclusão, na luta árdua e paciente para temperar a fibra cidadã do tecido político e social brasileiro.