Não há incoerência na decisão do ministro da educação de cortar 30% do orçamento do ensino superior público no Brasil. Essa asfixia de uma das instâncias sociais de onde pode surgir o debate sobre um novo projeto de país está em linha com o obscurantismo em curso na nova gestão federal. Com o suicídio moral de parte significativa da esquerda, o ciclo reacionário que tomou conta da política brasileira está favorável ao retorno das sesmarias e, dentro dessa desfaçatez, estão os interesses dos capitães-donatários do ensino superior.
A raiz dessa medida vai além dos destemperos de uma ultradireita medíocre e destemperada. O ato que fere o sistema universitário público remonta às artimanhas de domínios coloniais. Em todo o seu processo de fundação o Brasil não teve universidade. Algumas faculdades, alguns institutos, mas um centro integrador e organizador do conhecimento só foi criado de fato na década de 1930, com a implantação da USP por liberais ilustrados paulistas, que perceberam o entrave ao desenvolvimento que significava a tradicional reserva educacional das oligarquias.
Durante séculos o império português tomou para si a formação acadêmica de brasileiros, que acontecia na famosa Universidade de Coimbra. Lá, eles preparavam os profissionais que iriam assegurar as balizas das nossas desigualdades sociais. Nos países de colonização espanhola, os conquistadores chegaram logo montando universidades para ter o controle pleno do conhecimento, principalmente nos territórios onde havia estados pré-colombianos, como no Peru e no México. Essas duas estratégias influíram fortemente para uma configuração sociomorfológica distinta nas Américas lusitana e hispânica.
Mesmo tão recente, parte da universidade brasileira conseguiu se comprometer com as necessidades e aspirações sociais de desenvolvimento. Claro que ainda existe muito conservadorismo interno, feudos, baixo nível de integração entre as áreas, pouco aproveitamento das expertises na gestão dos próprios campus e, como em todo lugar, profissionais pouco comprometidos com o propósito da instituição. Inclusive os que são financiados por corporações transnacionais e produzem diagnósticos e soluções desconectados da potência da cultura brasileira.
É, no entanto, inegável a qualidade da universidade pública brasileira. Ela conseguiu criar sentido de unidade na gestão do nosso conhecimento, e isso parece inadmissível para a mentalidade subserviente que está conduzindo os destinos do país. Esse bloqueio orçamentário é, portanto, mais do que uma simples entrega da responsabilidade educativa do nível superior ao mercado. Ao regredir da noção de educação e formação para a de ensino e instrução, o atual comando do Ministério da Educação sinaliza que no lugar de professores quer instrutores, pois instruir prescinde de pensar e facilita a preparação de mão de obra qualificada para atender aos interesses das grandes corporações.
Com medidas desse tipo os antieducadores instalados no poder da República querem tirar da universidade o seu caráter de instituição que pensa grande, que alarga conceitos e que vê a sociedade como um todo, para restringi-la a vieses utilitários e servis. E, sem universidade identificada com a construção do nosso destino compartilhado não teremos força nem voz para participarmos ativamente do diálogo global. Ao atacar a universidade, o governo atinge gravemente o Brasil.