Os lugares especiais tornam-se ainda mais especiais quando visitados juntamente com as pessoas certas. Assim, conheci a Pedra do Reino, monumento natural e cultural do sertão nordestino, na companhia do pesquisador Valdir Nogueira, diretor de cultura de São José do Belmonte, cidade pernambucana localizada a 124 quilômetros de Juazeiro do Padre Cícero.
Ao lado da força estética dos dois monólitos paralelos com mais de trinta metros de altura, Valdir contextualiza uma história de imolações decorrente do delírio messiânico português, conhecido como sebastianismo, espalhada pelos rincões da caatinga do Brasil colonial por meio da oralidade mística e do romanceiro alegórico popular.
O sebastianismo foi um fenômeno criado por um pânico coletivo patriota que temia o domínio de Portugal pela Espanha. O rei dom Sebastião (1554 – 1578), seria a esperança, mas desapareceu jovem em batalhas contra os mouros em terras marroquinas. Alucinados, os povos dos domínios lusitanos passaram a acreditar que ele retornaria para promover justiça e prosperidade aos que por ele fossem sacrificados.
El-Rei Dom Sebastião estaria encantado entre aquelas pedras da Serra do Catolé, e, para quebrar o encanto, elas deveriam ser lavadas por sangue; crença que se transformou em efusiva desventura de sonhos aloucados e matanças reais e imaginárias. O ar de templo do local foi configurado pelo escritor Ariano Suassuna, que estruturou um círculo de totens arquetípicos da sua visão armorial e o chamou de “Ilumiara”.
Menções aos rochedos gêmeos do sertão do Pajeú e suas salas enigmáticas aparecem em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (1866 – 1909), em “Pedra Bonita”, de José Lins do Rego (1901 – 1957) e em “O Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta”, de Ariano Suassuna (1927 – 2014), o mais inflamado entusiasta dessas manifestações movidas pelo divino e pelo diabólico em fantasias medievais.
A cada mês de maio, muitas pessoas se reúnem na cidade de São José do Belmonte para ressignificar esse drama de folheto, inclusive com uma cavalgada pela estrada de 38 km que une a cidade ao monumento. Ao longo do ano, há quem procure a Pedra do Reino para meditar, orar, transcender e tentar entender a farsa de um país salvo pela literatura, porém condenado porque não lê. O tempo da cultura transforma até a barbárie em purificação, hospitalidade e leveza.
A Pedra do Reino pode ter sido religião, alucinação e transferência de destempero social, mas sua força de permanência e grandiosidade está na fabulação lusitana e luzidia, mourisca e tapuia de contadores e cantadores errantes, que conversam com lagartixas, cobras, urubus e nuvens curiosas que passam lentamente espiando os movimentos da crônica de almanaque.
A visita à Pedra do Reino pode ser adornada pela culinária primorosa da dona Quininha, onde almoçamos galinha com guandu verde e outras delícias do sertão. O restaurante de taipa, coberto de palha, tem janelas e portas pintadas pelo artista de rua recifense Manoel Quitério, e é frequentado também pelos animais domésticos. Na ocasião, o Valdir perguntou pelo José, um querido filhote de criação que sempre estava por ali. Dona Quininha, comovida, informou que ele já estava na idade de se comer e foi trocado na vizinhança, pois era muito de casa para ser comido naquelas mesas.