Todos na minha família sabem que, quando eu morrer, na minha lápide basta estar escrito a frase “A vida é lenta”, seguida do meu nome de chamar e das datas do desembarque do meu corpo na estação da humanidade e da partida para a viagem de volta. Esta me parece uma forma natural de agradecer a Deus por todos os eventos conectados a mim nos campos da memória, da reflexão, das sensações e associações mentais integradas pela experiência.
Neste momento em que o jornal O POVO cruza o marco de 90 anos, renovando-se física e virtualmente e imprimindo sentido aos conteúdos que nascem e se espalham a todo instante, recorro a essa noção de que a vida é lenta para ratificar o meu compromisso de trazer semanalmente para este Vida & Arte o melhor do que percebo no compasso do tempo e da realidade, tendo como parâmetros temáticos a infância e a cidadania orgânica.
Uma visão é um processo analítico cheio de complexidades. Os fatos e as ideias acontecem em série e procuro tratar a objetividade pelo que ela suscita de emoções e sentimentos. Chamo essa abordagem de jornalismo expressionista. Por mais que o ritmo da dinâmica social ocorra de forma acelerada, tendo a ver os movimentos a partir dos seus múltiplos fragmentos. Isso me leva a tratar como contemporâneo tudo o que, independentemente de época, afeta o tempo atual.
Li recentemente o último livro que o cientista e pensador britânico Oliver Sacks (1933 – 2015) deixou esboçado duas semanas antes de sua morte. O rio da consciência (Companhia das Letras, 2017) é uma obra de quem fez muita coisa porque fez devagar. O texto me agrada pelo aspecto confessional e pelo intercruzamento que o autor faz, lançando mão da botânica, da química, da medicina, da neurociência, das artes e das teorias evolucionistas.
Identifico-me com essa liberdade de trânsito por variados ambientes de saberes e conhecimentos. Sacks pensou muito porque pensou com a calma da curiosidade, da descoberta. Percebeu a continuidade, observando o transitório. A vida torna-se mais longa e mais afortunada quando aprendemos a abraçar o tempo, sua cumplicidade e generosidade.
O tempo percebido não é igual ao tempo decorrido. Cada pessoa tem a sua própria marcação. Em que pese o desgaste do corpo, o velho e o novo são estados mentais. “Um nível de atividade cerebral pode funcionar automaticamente, enquanto outro, o nível consciente, fabrica uma percepção temporal, a qual é elástica e pode ser comprimida ou expandida” (p.35).
O que é acelerado e o que é lento depende de muitos fatores. Diante de um perigo, ampliamos a velocidade do pensamento na tentativa de escapar, mas ao brincar, a criança expande o tempo. Oliver Sacks mostra que o tédio ocorre quando caímos na armadilha que nos limita apenas à consciência do tempo e nada mais. O trabalho prazeroso subverte as horas e suspende o tempo que é movido pelo nosso mundo interior de imagens e pensamentos.
Forças excitatórias e inibidoras estão presentes nas nossas trocas de experiências. Sacks diz que “nossa única verdade é a verdade narrativa, as histórias que contamos uns aos outros e a nós mesmos” (p.91). E por pensar assim também, reforço em mim a convicção no fluxo das essências como enunciado de continuidade em um mundo dominado pela supressão da experiência.