Livro “Mobilização Social no Ceará: 16 anos de tentativas e 1 promessa de diálogo”
Autor: Flávio Paiva | Ilustrações: Aderson Medeiros
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002

Ensaio em PDF

NOTA DO AUTOR

“Perguntar-me-ão se sou legislador ou príncipe, para escrever sobre política. Respondo que não, e por isso escrevo sobre ela: a ser eu príncipe ou legislador, acaso perderia o tempo em indicar o que se deve fazer? Haveria de fazê-lo, ou calar-me”[1]

 

Inspirei-me nessa determinação de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) para tomar a liberdade de escrever este trabalho. Acredito na legitimidade de expressão conferida pela participação cidadã co-responsável, sem que para isso seja necessário fazer política como parlamentar, executivo público ou mesmo militante partidário. Rousseau é uma admirável referência de espírito apaixonado pelos problemas da existência mais comum e pela extraordinária efervescência da cultura no plano superior das idéias.

 

O senso de investigação e de formulação permanente que o jornalismo essencial cultiva diante dos fatos, como instrumento aglutinador de experiências manifestadas pelas necessidades e desejos coletivos, também me serviu de estímulo. Tanto que boa parte do percurso narrativo deste trabalho tem como dinâmica a reativação da conversa entre os principais atores de cada situação abordada. Ao revisitar as falas emitidas na animação dos eventos em foco decidi valer-me dos pontos de vista mais significativos a fim de tomá-los como referências indispensáveis ao melhor entendimento de cada episódio. Fiz questão de realçar a geografia dos acontecimentos, situando todos os lugares citados com o nome da rua e o seu respectivo número.

 

Revolver os registros do disperso acervo dessa história passou a ser motivador, levando em conta que parte significativa das informações utilizadas estava guardada na predestinação sépia de uns tantos documentos e nas páginas cotidianas adormecidas nos arquivos dos jornais. Tive sensação parecida ao beber na fonte aberta da incursão que o psiquiatra Valton Miranda fez na alma da política, desnudando o temperamento paranóico assinalado no seu intenso trato entre perseguidos e perseguidores. Essa maneira de compreender a lógica das superstições e visagens que povoam o imaginário do poder facilitou significativamente o trânsito da minha percepção na sistematização deste trabalho.

 

Da História do Ceará saltam inquietações que me animam permanentemente quando o assunto é mobilidade social. Em apenas 200 anos de desmembramento da Capitania de Pernambuco e no mais completo cenário de adversidades políticas, sociais, econômicas e climáticas, temos conseguido avançar relativamente bem no processo de constituição da nossa consciência de dignidade. A participação ativa na Confederação do Equador (1824); as ações anti-escravagistas que levaram o Ceará a ser o primeiro Estado brasileiro a libertar os escravos (1884); o ímpeto literário questionador da realidade manifestado na Padaria Espiritual, movimento modernista que antecedeu em quatro décadas à Semana de Arte de 1922 e que fez nascer no Ceará a primeira Academia de Letras do país (1894); a brava conquista do Acre (1902), impedindo que os Estados Unidos ocupassem aquela faixa amazônica situada no extremo oeste da região norte; a instituição da Associação Comercial do Ceará, há cerca de 140 anos, como promotora da vocação cearense para o comércio; a revitalização do Centro Industrial do Ceará, estruturado em 1919 mas com atuação determinante na política local a partir de 1978; enfim, os movimentos Frei Tito e Bárbara de Alencar, motivados pelos avanços da redemocratização brasileira e que foram verdadeiros embriões do Movimento Pró-Mudanças, de onde parte o recorte deste ensaio-reportagem.

 

As expressões de cidadania que me motivaram a cuidar destes apontamentos ocorreram todas ao longo dos 16 anos de poder centralizador do empresário Tasso Jereissati no Ceará que foi eleito pela primeira vez em 15 de novembro de 1986. São manifestações focadas no vórtice da gestão compartilhada, movidas entre a inventividade genuína e a imperfeição, das quais pude ser testemunho ativo nas tentativas de conquista de participação em busca da justiça social, da redução das desigualdades e do esforço pela arquitetura da felicidade coletiva.

 

O resultado das eleições dos dias 6 e 27 de outubro de 2002, atribuído fundamentalmente à elevação da autoconfiança do povo brasileiro, empurrou-me a concluir a tarefa. A vitória de Luís Inácio Lula da Silva, para a Presidência da República, transgrediu os arranjos tradicionais de poder e pôs em pauta sincera a necessidade de um amplo Pacto Social, aumentando assim a responsabilidade de todos nós brasileiros e inaugurando na vida do país a perspectiva de um novo contrato social.

 

Quando a editora concordou em fazer um livro sem fotografias, no sentido de deliberadamente primar pela valorização das idéias, senti mais prazer ainda em por o meu olhar e a minha reflexão à disposição do leitor. Falei imediatamente com a jornalista Maria Cristina Fernandes, editora de política e colunista do jornal Valor Econômico, de São Paulo, para ela fazer a apresentação a toque de caixa e o seu aceite foi agradavelmente providencial, observando-se a importância de uma contextualização nacional qualificada e dissociada da possibilidade de influência gerada por qualquer interesse político local.

 

Animado fiquei também quando convidei o artista plástico Aderson Medeiros para agregar a sua estética de nativo livre a expressão desse punhado de inquietações da cearensidade. Aderson leva em si e na arte que produz a energia redentora dos ex-votos e, mesmo quando pinta as pessoas mais simples, consegue colher do âmago de cada uma delas surpreendentes imagens de honestidade existencial. Por isso, mesmo nas mais adversas das circunstâncias suas figuras estão sempre de pé, fincadas no desejo de viver, na coragem de lutar e na força da fé que as conduz elevadas pelo doce e o amargo do mundo possível.

 

Embora frustradas, na consecução plena dos seus objetivos, as movimentações oriundas da sociedade civil cearense têm toda uma variedade de modelos de tentativas que podem eventualmente servir de referência aos anos que seguem. No Ceará, mesmo com a união de Tasso Jereissati (PSDB), Ciro Gomes (PPS) e Juraci Magalhães (PMDB) para eleger Lúcio Alcântara (PSDB) ao Governo, a decisão no segundo turno foi nervosa e percentualmente empatada com o candidato José Airton (PT). O eleitorado cearense colocou em xeque, de uma só vez, o tassocirismo no Estado e o juracismo na Prefeitura de Fortaleza.

 

Essa realidade levou o governador eleito a declarar logo na primeira entrevista coletiva[2] que a abertura à participação seria o principal marco da sua administração. Por ter um estilo leve, condescendente e uma história política marcada pelo bom relacionamento com os diversos matizes ideológicos, Lúcio Alcântara sabe que a massa crítica formada pela ação dos partidos de esquerda, pela oposição ao Cambeba[3] e pela sociedade civil organizada chegou ao limite da tolerância. Talvez por isso, não seja vã a sua promessa de diálogo e conciliação.

 

Procurei evitar que a falta de uma distância histórica comprometesse de alguma maneira o olhar crítico intrínseco a este tipo de fixação sistematizada da memória. Mas confesso que preferi correr o risco de pecar pela sinceridade da observação do que reprimir qualquer atitude intuitiva da minha aspiração de contribuir com o debate em favor da nossa emancipação social. Além do mais, não sou o primeiro nessa aventura de escrever um livro no Ceará em plena efervescência dos fatos. O médico e historiador Rodolfo Theóphilo (1853-1932) publicou a “Libertação do Ceará: queda da oligarquia Acioly” em 1914, dois anos depois do povo cearense ter deposto Nogueira Acioly do poder (1896-1912). “Não suportando mais aqueles 16 anos de opressão, enfrenta a polícia e, após três dias de tiroteios, barricadas, trincheiras, depredações e mortes pelas ruas da capital, derruba Acioly em 1912”[4]. Os tempos são outros e, a exatos noventa anos depois, em uma situação repleta de coincidências, as expressões de cidadania demonstram que prosperaram no Ceará das maneiras mais distintas, tendo nos redemoinhos da gestão compartilhada as suas movimentações mais expressivas em termos de interferência democrática no processo político, a partir de ações essencialmente provenientes dos anseios de participação da sociedade civil.

 

O meu empenho na realização deste trabalho se deve em muito a um desejo quase primitivo de contribuir, no que está ao meu alcance, para o fortalecimento da mobilização social no Ceará. A pedagogia da participação acontece quando os fatos e as reflexões começam a se entranhar, delineando novas probabilidades cognitivas. Fixar os acontecimentos que influenciaram a tomada de nova consciência pode estimular novos fatos e pode também servir para evitar retrocessos. Sinto-me nesta tarefa, de organizar com olhar crítico o recorte temporal dos 16 anos de tentativas de relação democrática dos cearenses com o governo estadual, como quem observa a propagação dos círculos resultantes de uma pequena pedra jogada em lagoa de águas calmas. Dispus-me a fazer isso de tal maneira que cheguei a visualizar outros tantos focos de expressões de cidadania comumente varridos para debaixo do tapete da nossa historiografia oficial.

 

Atravessar desertos nos labirintos das tentações, das crises e dos conflitos faz parte das provações da evolução política e social. A imagem do deserto carrega o arquétipo mediador entre “o processo de libertação e o processo de conquista da vida”[5]. No episódio bíblico da fuga do Egito em busca da Terra Prometida, as pessoas levam quarenta anos para provar a sua determinação pela liberdade. Porém, toda a geração que escapou da escravidão morreu no deserto para que seus filhos chegassem a Canaã. O tempo do deserto é o tempo da resistência, da paciência e da esperança. Fiz este livro porque acredito no futuro.

 

APRESENTAÇÃO

 

Maria Cristina Fernandes[6]

Lançado pelo falecido ministro das Comunicações, Sérgio Motta, o projeto de 20 anos de poder do PSDB, desmoronou precocemente com a derrota do senador José Serra na disputa pela Presidência da República. A tese da hegemonia tucana foi lançada durante uma das muitas cerimônias de filiação comandadas por Serjão no auge do poder tucano, em junho de 1995. O ministro morreria três anos depois, ainda embalado pelo sonho das duas décadas de poder – O bilhete deixado ao presidente Fernando Henrique Cardoso em forma de testamento – “Não se apequene” – traduzia a ambição daquele grupo de amigos, determinados a fincar estacas no Planalto.

A reeleição de Fernando Henrique acalentou esta ambição e, durante todo o seu segundo mandato, tucanos se digladiaram pela primazia sucessória que renovaria o projeto tucano de poder. Os planos desmoronaram sete anos depois, em 27 de outubro de 2002, e serão sepultados com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. É no Ceará, Estado que nunca esteve sob as rédeas do grupo paulista do partido, que o PSDB mais se aproxima de sua ambição de duas décadas de poder. Apesar de ter sido eleito no seu primeiro mandato pelo PMDB e apenas ter-se filiado ao PSDB no segundo ano de seu governo, Tasso comanda o Estado de maior longevidade tucana. Mas é um reinado eivado de crises.

Adversário de Serra no PSDB, Tasso resistiu à sua candidatura apoiando Ciro Gomes na disputa pela Presidência da República. No Ceará, foi seu governo o alvo da resistência. Flávio Paiva oferece uma leitura dos 16 anos de hegemonia tucana no Ceará pela lente da sociedade civil. É a história de como Tasso, conhecido nacionalmente pela imagem de modernização administrativa num Estado de longa tradição coronelística, impôs um estilo impermeável ao povo cearense e com nuances do autoritarismo que pretendeu substituir.

Apesar de vitorioso, o grupo de Tasso nunca teve seu poder tão confrontado quanto agora. O livro recupera as origens desse confronto e traz à tona os meandros da disputa sucessória estadual, pouco conhecida do resto do Brasil. A civilidade que tomou conta dos últimos dias da histórica campanha presidencial de 2002 distanciou o eleitorado nacional das acirradas disputas que se desenrolaram nos Estados. A menor freqüência das pesquisas locais de intenção de voto, se comparadas com as nacionais, também contribuiu para esse distanciamento.

Os grandes jornais, em parte pelo desmantelamento das sucursais regionais, provocado pela crise da imprensa brasileira, não dedicaram às disputas estaduais o merecido espaço. A extensão desse alheamento veio à tona quando, na noite do dia 6 de outubro, já absorvido o segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra, os boletins de apuração do Tribunal Superior Eleitoral, mostravam a absoluta indefinição sobre a existência de um segundo turno. Confirmado o segundo turno, a guerra se intensificou, culminando com a atuação da Polícia Federal, às vésperas da eleição, fechando o comitê Lúcio-Lula, em cumprimento à norma do TSE que verticalizou as coligações.

O resultado das urnas estampou esse acirramento. Lúcio Alcântara, candidato de Tasso, venceu o petista José Airton Círilo por três mil e poucos votos. Foi a vitória mais apertada da história do grupo. Na capital, o tassismo continuou a ser rejeitado como nas eleições anteriores. Não apenas Lula e José Airton bateram Ciro e Lúcio na capital, como o candidato petista derrotado ao Senado, Mário Mamede, foi mais bem votado em Fortaleza do que seus adversários Tasso e Patrícia Gomes, eleitos senadores.

A fina análise de Flávio identifica na divisão de poder entre Capital e Estado uma singular sociedade entre Tasso e Juraci, adversários históricos da política cearense. Sem conseguir estender seus domínios além da capital, Juraci renova-se no poder graças ao anti-tassismo dos eleitores de Fortaleza. Incapaz de vencer em Fortaleza, Tasso evita, com as sucessivas vitórias de Juraci e seu grupo, que o PT avance no seu eleitorado.

O pacto entre Tasso e Juraci afiançou a eleição de um político que se diz disposto a baixar a temperatura da política cearense abrindo seu governo à maior participação da sociedade. Lúcio Alcântara é a chance do grupo tassista de conter o avanço de seus principais adversários no Estado pela via da conciliação. De temperamento conciliador e afeito ao diálogo, vai na mão inversa do poder exercido nos últimos 16 anos. Suas chances de sucesso dependem do equilíbrio entre a sobrevivência desse poder e a inserção da sociedade nas decisões de governo. O relato de Flávio Paiva nos conta como, num Estado politizado como o Ceará, os cidadãos tornaram-se os mais vigilantes fiscais do futuro que se avizinha.

 

ninguém dormia

sozinha

a madrugada ia

 

flávio paiva

 

ONDE COMEÇA ESSA HISTÓRIA

 

Os acontecimentos, os fatos, o cotidiano, as vidas vão passando e se não lhes damos sentido caímos na desventura dos que não sabem aonde ir. A história é um feixe de possibilidades em horizontes de retrovisor. O reconhecimento de pontos históricos referenciais, como centros de energia da memória, oferece os por quês das trajetórias de civilização. Conhecer o dono da voz que nos embala em conceitos sociais, culturais e políticos é a melhor forma de ficarmos preparados para a tão propalada condução do destino que nos importa. E isso, demanda que identifiquemos com clareza os vórtices históricos capazes de nos impulsionar à emancipação cidadã.

 

Pensamos e agimos segundo os valores que assimilamos. Dessa simbologia depende a nossa autoconfiança e, por sua vez, o sentimento individual e coletivo de derrota ou de vitória. Adotar os marcos do colonizador é assumir a orientação que nos mantém colonizados. Quem se ajoelha em demonstração de aspiração de ser o outro, vê tudo maior e mais difícil de alcançar. A falta de um norte ancestral de emancipação resulta num certo determinismo cheio de descrenças, deixando sem resposta as tensões entre o indivíduo, a sociedade e os poderes públicos.

 

O maior referencial cearense de integração cultural aparece na novela Iracema, de José de Alencar (1829-1877), publicada pela primeira vez em 1865, no Rio de Janeiro, pela Tipografia de Viana & Filhos. Nele, uma bela índia tabajara dos lábios de mel, sacerdotisa de Tupã, morre literalmente de paixão pelo colonizador branco. Conscientes ou não, seguimos a sina narrada por esse encanto amoroso cravado em nossas raízes nativas. Isso contribui para um problema estrutural que legitima o discurso dominante a reproduzir seus choques civilizatórios iniciados no Brasil há cinco séculos.

 

Ao demonstrar conhecimento dos costumes e da língua de Iracema, o invasor branco revela com desembaraço que não é marinheiro de primeira viagem: “Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus”. No que a nativa deslumbrada o saúda com lisonjas: “Bem-vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema”[7]. Na habitação do Pajé, ele vai logo sentando na rede principal e é calorosamente felicitado: “O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo e mulheres sem conta para servi-lo”. Depois de dizer que seu nome é Martim, anuncia com orgulho que tem o sangue “do grande povo que primeiro viu as terras da tua pátria”[8].

 

Iracema acende a chama da hospitalidade, satisfazendo a fome e a sede do estrangeiro, com boa caça, farinha-d’água, frutos silvestres, favos de jati, vinho de caju (mocororó) e abacaxi (ananá). Com o guerreiro branco ela tem o filho Moacir, o primeiro cearense miscigenado, que vai embora com o pai. Depois, numa alegoria entre a lenda e a realidade, Martim (Soares Moreno) retorna para tornar-se o fundador do Ceará, em 1611. Temos nestas imagens os primeiros ícones da nossa fundação. Um que chegou antes pela visão fantástica da oralidade e o outro instalado pela versão da historiografia oficial. Muitos outros momentos carregam essa força definidora do nosso caráter.

 

Dentro das demarcações focadas a partir do olhar do colonizador, algumas datas eventualmente são lembradas, tais como janeiro de 1500, quando Vicente Pizón teria descoberto o Ceará; 1535, ocasião em que houve a criação da Capitania do Siará, doada a Antônio Cardoso de Barros, como um dos quinze lotes que formavam as doze capitanias hereditárias, divididas pela coroa portuguesa; 1603, ano que Pero Coelho inaugura a primeira bandeira exploratória no Ceará; e a ocupação de Martim Soares Moreno, em 1611. O calendário histórico indica ainda 1621, como a incorporação da Capitania do Siará ao Maranhão e Grão-Pará e 1656, ano de anexação à Capitania de Pernambuco.

 

De 1604, no tempo em que aconteceu a resistência local à invasão de Pero Coelho, na Ibiapaba; a 1884, quando o Ceará, antes de todos os demais estados brasileiros, aboliu a escravatura, passando pelos ataques dos nativos às missões jesuítas e pela participação dos cearenses na Confederação do Equador, em 1824, muitas datas podem ser realçadas estimulando-nos a levantar a cabeça na construção do futuro. A bem da verdade, a movimentação da sociedade em torno dos marcos históricos suscita em si novas necessidades de interpretações. Mas temos uma data histórica que deveria ser o chacra da emancipação social no Ceará, que é o ano de 1799.

 

A importância de discutir este ano como o marco das ações fundadoras do processo de cidadania em plagas alencarinas está essencialmente no fato de que a partir dele passamos a ter a nossa independência definitiva de Pernambuco. Mesmo com governadores nomeados pelo rei de Portugal, o Ceará passou a partir de 1799 a possuir vida política configurada em conformidade com as peculiaridades da sua evolução social e cultural. O desmembramento foi anotado pelo Dr. Théberge como de suma importância à medida que “seus portos e commercio entraram em comunicação direta com a metrópole. D´esta data por diante o Ceará principiou, é verdade, a ter uma história própria”[9]. Em 17 de janeiro de 1799 a Carta Régia destinada ao chefe da Esquadra da armada Real, Bernardo Manoel de Vasconcelos, emitida a partir do palácio de Queluz, oficializa a separação do Ceará do Governo Geral de Pernambuco.

 

“Eu a Rainha vos envio muito Saudar. Pela carta Régia de que achareis junto a cópia fui servida separar separar a Capitania do Siará da immediata subordinação em que se achava do Governo Geral de Pernambuco com as limitaçons ahi apontadas: o que me pareceo participar-vos para vossa intelligencia esperando que esta mais ampla jurisdicção, que vos convio, vos dará huma maior facilidade para promoverdes todos os objectos de utilidade pública e para vos empregardes com a maior eficiência e zelo em tudo o que puder concorrer para a felicidade destes povos”[10].

 

Assim, no dia 15 de fevereiro daquele ano, a Câmara de Fortaleza envia uma correspondência à Coroa Portuguesa agradecendo a Carta Régia e comunicando a posse do governador Bernardo Vasconcelos[11]. É bom lembrar que durante o primeiro semestre de 1799, D. João ainda governava Portugal em nome da sua mãe, a soberana D. Maria I que enlouquecera. Somente em junho ele assume oficialmente o título de Príncipe Regente, em plena crise do sistema colonial. O chamado Pacto Colonial entrava em declínio na sua forma de monopolizar o comércio das riquezas do Brasil exclusivamente através dos seus comerciantes e das suas companhias, gerando graves conflitos internos. Para completar a crise do Estado português, a Europa vivia a culminância da Revolução Francesa e o lema da “igualdade, liberdade e fraternidade” incitava muitos grupos regionalizados com os ideais libertários. Situação que, posteriormente somada às campanhas militares de Napoleão Bonaparte (1769-1821) contribuiu para D. João decidir mudar o governo e toda a corte para o Rio de Janeiro, com rápida passagem pela Bahia em 1808, ficando no Brasil até o ano da morte de Napoleão[12].

 

Foi nessa conjuntura sui generis que nasceu o Ceará de 1799. São pouco mais de duzentos anos e nesse pequeno espaço de contextualização existencial e histórica já produzimos uma contribuição espetacular para a formação do Brasil. Que o digam os beneficiários das obras de José de Alencar, Cego Aderaldo, Rachel de Queiroz, Moreira Campos, Patativa do Assaré e Ana Miranda (literatura e poesia), Clóvis Bevilacqua e Paulo Bonavides (direito); Padre Cícero, Antônio Conselheiro e Dom Helder Câmara (religiosidade), Raimundo Cela, Antônio Bandeira e Aldemir Martins (artes plásticas), Alberto Nepomuceno, Humberto Teixeira e Eleazar de Carvalho (música), Farias Brito (filosofia), Capistrano de Abreu, Geraldo Nobre e Isabel Lustosa (história), Leonardo Mota (folclorismo), Dragão do Mar e Tristão Gonçalves (cidadania), Delmiro Gouveia, Luís Severiano Ribeiro, Luís Carlos Barreto, José Macêdo e Edson Queiroz (empreendedorismo), Nadir Saboya, Aderbal Freire-Filho e Emiliano Queiroz (teatro), Luciano Carneiro e Chico Albuquerque (fotografia), Castelo Branco, Miguel Arraes e José Genoíno (política), Bonifácio Câmara (bibliofilia), Chico Anysio, Renato Aragão, Falcão e Tom Cavalcante (humor), Mino e Válber Benevides (Cartum e caricatura), Zelito Viana, Florinda Bolkan, José Wilker e Luísa Thomé (cinema e televisão), Jardel e Tita Tavares (esporte), Nirez, Christiano Câmara e João Padilha (memória fonográfica). E muitos, muitos outros, entre renomados e anônimos.

 

Sem esquecer o filho de Iracema e Martim, na condição de primeiro cearense mestiço, precisamos referendar o desligamento de Pernambuco como a base de um discurso articulado e contundente na demarcação das nossas vontades, a fim de que possamos inserir o sujeito cearense em nós mesmos e romper com a compulsória mentalidade de colonizado. Chega de nos olharmos de fora para dentro, de modo pitoresco como um navegante estrangeiro descobrindo curiosidades. Precisamos estabelecer um diálogo entre o hábito tradicional e uma nova maneira de nos vermos. Só assim tornaremos o passado uma plataforma de impulsão do presente e não um grilhão que nos mantém presos à submissão sequaz. A configuração da nossa emancipação social começou um dia desses. Se dermos vez ao estica e puxa hiperbólico da imaginação, conseguiremos fugir dessa linearidade histórica. O processo de evolução da cidadania necessita desse cruzamento de ondas, de ventos contrários e de um ponto de partida capaz de honrar o nosso sentido de destino.

 

Mesmo com apenas dois séculos de processo de coletivização já foram dadas algumas boas provas do forte componente de participação que anima o espírito da cearensidade. Essa vontade de influir espontaneamente para a posteridade ainda encontra, contudo, ampla distorção cognitiva e resistência nas práticas dos gestores públicos. Somente nos últimos 16 anos, caracterizados como o período de domínio autocrático de Tasso Jereissati no executivo estadual, várias movimentações surgiram da sociedade civil desenvolvendo ações de cidadania em busca de integração e gratificação social na construção com equilíbrio do futuro comum no Ceará.

 

O fato de essas manifestações terem sido refutadas sistematicamente por uma espécie de entidade xipófaga, com cabeça de governo e de mercado num só corpo mitológico, que dominou o Estado nesse período, não castrou o impulso antiautoritário da sociedade. Pelo contrário, fez com que o sentimento de aversão ao Palácio do Cambeba contagiasse mais e mais as pessoas, ainda que a condição de vulnerabilidade social e econômica cearense tenha, por todos esses anos, seguido paralelamente como fonte inspiradora da subcidadania.

 

O cenário político no Ceará começa animado e complexo nesse início de década. Não há como seguir deslocado no tempo e no espaço. A influência do compromisso social do Presidente Lula certamente alimentará mais e mais o sentimento de inclusão e de emancipação social por todo o país. O Governador Lúcio será pressionado a ir além da boa-vontade. Os recursos midiáticos utilizados exaustivamente pelo governo, para mostrar uma realidade fantasiosa de progresso, não se bastarão mais para a sedução das cidadãs e dos cidadãos cearenses. As pessoas parecem querer lideranças mais próximas do cotidiano, mais afeitas ao desenvolvimento integrado e mais voltadas para o bem-estar social do que aos ardis econômicos e aos duvidosos números das pesquisas e das estatísticas milagrosas encomendadas com dinheiro público.

 

NO VÓRTICE DA GESTÃO COMPARTILHADA

 

Temos parado pouco para refletir sobre o que anda acontecendo no mundo político real. Alguns fenômenos chegam a passar nus e crus à nossa porta, enquanto na sala deixamo-nos levar muitas vezes pelas versões da tevê. A transição da imagem do político para o plano midiático converteu em espetáculo a realidade do discurso. Perdemos a referência de até onde podemos realmente influir nos rumos da política. Votar em candidato pelas aparências e com mais chance de ganhar passou a ser corriqueiro no império indutor das pesquisas de opinião.

 

Por outro lado, os novos políticos assumem mais e mais a característica de produto, vinculando-se diretamente ao imaginário dos eleitores e, conseqüentemente, perdendo também o feeling do corpo a corpo. Mesmo as caminhadas pelas feiras mais populares, em tempos de campanha eleitoral, ocorrem no plano da encenação. Vencer o debate tornou-se mais importante do que a arte de bem governar. Preparar dossiês chegou a virar segmento da nossa economia informal. Os candidatos via de regra trabalham para serem venerados e não para atrair apoiadores e co-responsáveis para seus projetos de sociedade. Nesta circunstância, fundada nos sinais exteriores do simulacro, qualquer contrariedade que emerge na cena pública é desqualificada sob a acusação de conluio.

 

O psicanalista Valton Miranda Leitão assegura que a política faz progredir uma relação paranóica na vida daqueles que se narcisam. A relação permanente de perseguido e de perseguidor estaria no caráter onipotente dessa paranóia. Para ele, que também goza de uma discreta e respeitada atuação política no Ceará, o pressentimento de conspiração assume uma natureza psicopatológica capaz de despertar reações desintegradoras e destruidoras.

 

“Saber onde e quando o inimigo deixa a condição de antagonista e se torna um perseguidor interno e externo é puramente teórico (…) só podemos apreender esses processos quando se manifestam na suspeita, na desconfiança e na convicção irremovível da existência de uma articulação sob a forma de complô e conjura”[13].

 

Ao passo que o perfil do distanciamento avança para o cotidiano da operação política, seu isolamento entra em choque com a necessidade de participação dos grupos sociais despertos, causando conflitos de afirmações propensos a correntes de inflexibilidade mútua. Essa antinomia foi marcante nos 16 anos da chamada Era Jereissati, mas pode ter sido indispensável para a cearensidade descobrir a existência de um espaço de gestão do interesse comum entre os poderes públicos, o mercado e a sociedade civil e nele exercitar seu anseio de emancipação.

 

A mediação entre o Governo do Ceará e a população deixou praticamente de reconhecer, nesse período, as instituições e os movimentos populares para instituir uma relação mitificada pela força e poder da publicidade, da propaganda, do marketing e das tentativas de promoção da participação institucionalizada. O vínculo dos benefícios era feito com atribuição à figura pessoal do governante, numa espécie de democracia direta virtual, induzida e retroalimentada pelo registro de elevados índices de opinião pública.

 

Diante deste quadro, as manifestações da sociedade civil tiveram que ser mais criativas para poderem escapar da insolvência cidadã. Contribuir de modo incisivo para a evolução da situação de democracia representativa poder alcançar uma fase de democracia participativa, foi uma aventura quase romântica. Na segunda metade dos anos 80, o processo brasileiro de redemocratização era incipiente, depois de duas décadas de ditadura militar, e no Ceará, a sucessão dos coronéis reformados, que se revezavam no poder, apenas mudou o tipo de conduta autoritária do executivo estadual.

 

Neste ensaio, misto de cobertura testemunhal de fato histórico, com reportagem de comportamento, não entro nos inquestionáveis méritos da gestão Tasso/Ciro/Tasso/Tasso enquanto tocadora de obras necessárias de infra-estrutura, modernizadora da máquina pública e promotora da reinserção do Ceará no cenário político nacional. Da mesma forma, não me detenho a examinar os motivos da falência da economia rural, as contradições do milagre industrial e os efeitos do modelo de ocupação perversa da faixa litorânea, permitidos e muitas vezes incentivados pelo Governo cearense.

 

Ligar os acontecimentos desviantes das tentações de subserviência da sociedade aos déspotas neoliberais esclarecidos é uma tentativa de facilitar o olhar e a compreensão evolutiva dos esforços de emancipação da cidadania no Ceará da Era Jereissati. Somos normalmente acomodados ao presente imediato e essa falha cultural desencadeia e dispersa os elementos básicos para o alicerce das transformações. O recorte de um contexto político recente, mesmo com os riscos da proximidade, resulta no aspecto pedagógico de que a energia desprendida nas mobilizações não tem sido em vão, pois revela um fio evolutivo, facilitando o raciocínio de que a missão não é impossível.

 

Pretendo mostrar os passos e alguns rastros das movimentações que foram necessárias para a descoberta do novo ambiente de administração do interesse coletivo, composto pelo bloco de interseção dos conjuntos de forças e poderes da sociedade civil, da iniciativa privada e dos governos. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre a faixa de batalha conquistada pela cidadania no Ceará, cuja localização está escavada especificamente no território da gestão compartilhada e suas permeabilidades. Não é, ratifico, um olhar sobre todas as ações de cidadania ocorridas no Ceará no período em que a participação da sociedade se subleva em contraponto à autocracia governamental.

 

Fernand Braudel, na sua “Gramática das Civilizações”, lembra que não existem civilizações sem sociedades que as portem e as animem com suas tensões e progressos. Citando Lucien Goldmann, num trabalho sobre a França, Le Dieu caché (1955), valida o seu pensamento de que toda civilização deriva seus enfoques essenciais da visão do mundo que ela adota e, dia após dia, essa percepção não passa da transcrição do que resulta das tensões sociais dominantes.

 

“Em cada época, certa representação do mundo e das coisas, uma mentalidade coletiva dominante anima, penetra a massa inteira da sociedade. Essa mentalidade que dita as atitudes, orienta as opções, arraiga os preconceitos, inclina os movimentos de uma sociedade, é eminentemente um fato de civilização. Muito mais ainda que os acidentes ou as circunstâncias históricas e sociais de uma época, ela é fruto de heranças remotas, de crenças, medos, inquietações antigas, não raro quase inconscientes, na verdade o fruto de uma imensa contaminação cujos germes se perdem no passado e se transmitem através de gerações e gerações”[14].

 

O historiador francês fala das reações naturais que a sociedade tem diante dos fatos e seus efeitos, menos pela lógica do egoísmo do que por esses mandamentos que afloram do inconsciente coletivo e não se transformam senão depois de longas incubações. “Não há, com efeito, civilização atual que seja verdadeiramente compreensível sem um conhecimento de itinerários já percorridos, de valores antigos, de experiências vividas”[15]. Esse pensamento reforça o meu intuito de sistematizar a experiência das expressões de emancipação cidadã ocorridas, no período em foco, na esfera da operacionalização da extensão do núcleo comum por parte dos diferentes complementares.

 

Para um Estado com pouco mais de dois séculos de independência da Capitania de Pernambuco, 16 anos de intensa e exaltada relação de setores organizados da sociedade civil com um governo modernizador na forma de administrar e conservador na postura política evidencia um momento histórico. “Visto de perto, cada episódio se decompõe numa série de atos, gestos papéis. As civilizações, afinal, são homens, e sempre, portanto, as trajetórias, as ações, os entusiasmos, os engajamentos desses homens, e também suas reviravoltas”[16]. Nesta lógica está inserida a sucessão de episódios instituidores de uma fase que já possibilita enxergar o modelo cearense de gestão compartilhada num desenho de espaço-tempo circunscrito, mas que, certamente, terá sua continuidade conforme a capacidade de mobilização das pessoas nos anos que virão.

 

O aprofundamento e a amplitude alcançada pelo debate contaram com a contribuição permanente da imprensa do Ceará, numa atitude que fortaleceu decisivamente a força orgânica das mobilizações sociais. No início desse processo, na segunda metade dos anos 80, tanto o governo do Estado quanto o da Capital foram caracterizados como excessivamente fechados. Tasso Jereissati (PMDB) gerenciava o executivo estadual cercado por um diminuto clã oriundo do Centro Industrial do Ceará – CIC -, enquanto a prefeita Maria Luiza Fontenele (PT), comandava Fortaleza sob a batuta do pequeno grupo clandestino do PRO[17] – abrigado clandestinamente na sigla do Partido dos Trabalhadores. No artigo intitulado “Maria Crucificada”[18], o jornalista Ítalo Gurgel esboça a distinção entre os governos, estadual e da capital, no que se referia a relação de cada um com a imprensa. “Mesmo sob o fogo cerrado da crítica, Maria manteve elegante diálogo com jornais e jornalistas. No que estabeleceu vigoroso contraste com a prática arrogante do Governador do Estado”.

 

Numa das raras entrevistas exclusivas concedidas à imprensa local, o governador Tasso Jereissati refuta qualquer argumento de distanciamento do seu governo da sociedade. O enunciado do jornal levanta o fato de que na origem a candidatura Tasso estava intimamente ligada ao setor empresarial e sinalizava para um processo de audiência ampla no cruzamento de idéias, com promessas inovadoras de participação. Coloca que após a posse aconteceu o encerramento do diálogo e que a imprensa esperava do Governo continuidade no amplo debate social iniciado no CIC. Jereissati colocou essa preocupação no plano da visão de um ângulo estereotipado. Segundo ele, o Governo não encerrara o seu diálogo com setores da sociedade.

 

“É uma visão difícil de a gente mudar porque ela, culturalmente, é muito arraigada, é uma visão, ao meu ver, conservadora. O que nós fizemos foi mudar a maneira tradicional de se comunicar, de se fazer essa participação e esse amplo diálogo com os setores mais completos da sociedade (…) Nós estamos constantemente em contato direto com a sociedade e abrindo um leque de comunicações através de associações comunitárias (…) Havia sempre uma dificuldade muito grande entre o contato do Governo com a sociedade em função de que se estabelecia sempre uma série de intermediários entre esses níveis (…) Esse intermediário vem desde deputados, desde a política tradicional, às lideranças que permeavam entre os deputados e a população”[19].

 

O empresário Tasso Jereissati saiu candidato ao governo do Ceará, em 1986, na coligação PMDB/PDC/PCB/PCdoB, com respaldo do Centro Industrial e do governador Gonzaga Mota (PMDB) que havia rompido com os ex-governadores Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora. Políticos, provenientes da caserna, que naquela circunstância foram eleitos como inimigos comuns das “mudanças”. A sátira corrosiva destilada contra eles foi um dos artifícios de visibilidade da contaminação da população contra os chamados coronéis. Pelas ruas de Fortaleza e em de algumas cidades do interior, circulava um grupo de militantes vestido com uniforme de brim cáqui, puxando um burro – que representava o eleitor dos coronéis – e aplicando nas pessoas a “vacina anticoronel”.

 

Era o Movimento Sim Senhor Coronel, que surgiu com a edição do livro do mesmo nome, de Wilson Roriz. Uma publicação que teve várias tiragens esgotadas. “Se durante mais de 20 anos o Ceará esteve sob o comando feroz dos coronéis, quem vai votar neles só pode é ser um burro (…) A idéia do movimento é uma tentativa de liquidar com o coronelismo utilizando a própria expressão que durante tanto tempo significou para as pessoas a submissão a eles que sempre foram os donos do poder”, esclareceu o militante Sandro Moretti, numa reportagem que fiz à época com foco nos recursos criativos utilizados naquela campanha[20]. Resguardado no discurso mudancista o estreante Tasso Jereissati (PMDB/PDC/PCB/PCdoB) ganhou a eleição com mais de seiscentos mil votos de diferença do coronel Adauto Bezerra (PFL/PDS/PTB), num universo de 2.690.314 votantes[21].

 

PELA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

 

Durante a campanha eleitoral de 1986 a convivência diária levou as pessoas, comprometidas com o discurso de palanque do então candidato Tasso Jereissati, a despertarem para a possibilidade real de construção de um governo participativo. Profissionais liberais, líderes sindicais, líderes de movimentos de bairros, líderes estudantis, empresários e artistas se aproximaram e experimentaram o gosto da mobilização construtiva. Passada a eleição, com os coronéis já derrotados, formaram-se espontaneamente grupos de trabalhos por área de especialização e conhecimento, com a intenção de desenvolver propostas a serem examinadas pela equipe formal de montagem do Plano de Governo. “Através da participação da sociedade civil teremos o grande mecanismo que vai possibilitar o futuro governador enfrentar todas as dificuldades que serão inevitáveis no processo de negociação com as oligarquias”, sintetizou o empresário Amarílio Macedo coordenador do “braço civil” da campanha, na abertura do amplo seminário realizado, em 16 de janeiro de 1987, no auditório do Curso de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Ceará[22].

 

A discussão sobre como encontrar formas de manter a sociedade interessada e mobilizada na formação daquela área de interferência para a viabilização do interesse comum era uma preocupação que em nenhum momento tinha sido abandonada pela cidadania mudancista. O primeiro desenho desse processo colocava o que seria formalmente o Movimento Pró-Mudanças – MpM – na faixa de interseção dos campos formados pelos Partidos Políticos, pelo Estado e pela Sociedade Civil. Essa definição da natureza do movimento foi discutida no seminário da UFC. “A vitória de Tasso Jereissati nessas eleições significa um passo adiante no sentido das mudanças. É uma vitória eleitoral que se fazia necessária, mas é um passo apenas na caminhada que tem que ser muito longa e muito difícil”[23], previa o psicoterapeuta João de Paula Monteiro com base na constatação da existência de uma poderosa cultura oligárquica no Ceará.

 

A questão colocada naquele encontro tinha como ponto de partida a forma que deveria mover a participação da sociedade no funcionamento da máquina administrativa. E isso envolvia diretamente o papel dos políticos tradicionais, cujo mandato era comumente limitado a ações de assistência social. O deputado Ciro Gomes (PMDB), convidado como representante da classe política avalia a suposta possibilidade do Pró-Mudanças se tornar um empecilho à influência dos políticos no Ceará.

 

“Se não pensarmos com sinceridade em vencermos um certo preconceito e até a falta de uma autocrítica, que muitas vezes falta à vanguarda intelectual da sociedade, estaremos caminhando para uma confrontação. E isso eu acho que foi a razão de ser da minha presença aqui (…) Quando a sociedade não se organiza para autonomamente impor o seu querer, quando os instrumentos de poder são extremamente invulneráveis ao querer da sociedade que existe muito poucamente organizada, e que é difuso na grande maioria da sociedade, é campo fértil para o exercício de uma certa dominação que os políticos exercitam apenas pelo carisma pessoal ou pelo carisma de suas bolsas. São esses os grandes mecanismos de se fazer sucesso na política do Estado do Ceará e no Nordeste como um todo. O Grupo Pró-Mudanças pode dar uma contribuição importante, já que a sociedade civil, na minha opinião, não existe e precisa ser estimulada a se organizar”[24].

 

O sociólogo André Haguette, apresentando o relato de um grupo de trabalho, expõe que a grande tarefa do MpM estaria no exercício da cidadania e do direito de discordar. Para este esforço produzir o efeito desejado e ter permanência na sua ação, aquele grupo incluía entre as suas sugestões a necessidade de sensibilização do governo no aproveitamento das instituições e dos canais de expressão existentes. Haguette ressalta, contudo, que é importante o esforço para que não haja homogeneidade, pois, segundo sua fala, a própria existência do Pró-Mudanças deveria contribuir para que a cidadania realmente pudesse existir e não tivesse dono.

 

Surgia todo tipo de converseiro sobre a existência do MpM. A respeito de ser uma atividade política ou simplesmente civil, o professor José de Albuquerque Rocha, da Faculdade de Direito da UFC escreveu que “Há os que entendem ser a atividade política, entre nós, privativa dos partidos. Para estes, existe uma nítida separação entre os objetivos civis, próprios das associações civis, e os assuntos políticos, da alçada dos partidos”[25]. Seus argumentos levavam em conta que a tendência de considerar a área política como monopólio dos partidos não estava em harmonia com o espírito do pluralismo político nacional, nem com a liberdade de convicção política defendida na Constituição Brasileira. “Em verdade, no Brasil, qualquer indivíduo ou grupo social pode exercitar, livremente, a praxis política. A única restrição que se lhes pode fazer é quanto à apresentação de candidatos aos cargos eletivos (atividades eleitorais), esta sim uma prerrogativa dos partidos (…) O Pró-Mudanças insere-se, pois, nesse novo modo de conceber e exercitar a cidadania”[26].

 

Este tipo de reflexão ia corroborando para a configuração de uma ação política cujo embrião fora gestado na campanha eleitoral para governo do Ceará em 1986. A pré-história do Movimento Pró-Mudanças reside na articulação de um grupo que se chamava “Turma da mudança com Tasso”, do qual partiu o slogan “Eu estou com Tasso”, que a informalidade popular transformou em “Tô com Tasso”. Nos panfletos que convocavam os cearenses a “arregaçar as mangas”, a “desabafar” e votar “contra os coronéis”, o apelo girava em torno do anseio de “participar na resolução dos problemas da minha terra e da minha gente”, “porque é tempo de acabar com a miséria de tantos anos de ditadura no âmbito federal e de coronelismo na esfera estadual”; e, ainda, “porque a educação receberá prioridade, ao se elevar sua qualificação e com a dignificação da profissão do educador”[27]. Nas correspondências e no corpo a corpo feito por categorias profissionais, o discurso do “grande projeto” era “mudar com você o Ceará”.

 

Logo no início do primeiro Governo Tasso, em 1987, houve uma tentativa de arrefecimento dessa euforia, quando as pessoas que contribuíram na campanha, mobilizando a sociedade para o voto consciente e elaborando propostas para a Administração Estadual, receberam a orientação do Executivo eleito para se desmobilizarem que o Governo “precisava trabalhar”. No dia 25 de março daquele ano o MpM elegeu o seu primeiro Conselho de Coordenação, em Assembléia Geral realizada na sede do comitê da rua Padre Valdevino, 1688, onde, liderado por Amarílio Macedo, havia funcionado o QG do “braço civil” da campanha de Jereissati. A partir da semana seguinte, o movimento passa a se reunir sistematicamente no auditório José Albano, do Centro de Humanidades da UFC.

 

Em abril de 1987, o MpM iniciou o debate público “O Ceará na Constituinte”, com publicação, a cada segunda-feira, de idéias de personalidades convidadas em página inteira do jornal O Povo. Os textos, sempre na página 7, eram escritos por políticos e intelectuais locais e nacionais, cujas idéias tinham peso na fermentação do debate. No rol dos participantes locais estavam intelectuais do nível dos cientistas políticos José Filomeno de Moraes Filho e Francisco José Loyola Rodrigues, da socióloga Celeste Cordeiro, do produtor cultural Francis Vale, do advogado e poeta Dimas Macedo, dos economistas Alberto Teixeira, Marinaldo Clementino Braga e Ireleno Porto Benevides, do promotor Judicael Sudário de Pinho, do advogado Inocêncio Rodrigues Uchoa, dos deputados federais Lúcio Alcântara (PFL) e Paes de Andrade (PMDB), do fundador da Fundação de Bairros e Favelas de Fortaleza, Inácio Arruda e do jornalista Morais Né.

 

Dentre os convidados de outros Estados participaram do debate, nas páginas do jornal O Povo, os senadores Mário Covas (PMDB), Jarbas Passarinho (PDS), Fernando Henrique Cardoso (PMDB), João Calmon (PMDB), José Richa (PMDB), Michel Temer (PMDB), os cientistas políticos Bolívar Lamounier e Paulo Sérgio Pinheiro, o advogado tributarista Ives Gandra da Silva Martins, os deputados federais Florestan Fernandes (PT) e Plínio de Arruda Sampaio (PT), o Ministro da Educação Jorge Konder Bornhausen, os empresários Edson Vaz Musa, Norberto Odebrecht e Carlos Eduardo Moreira Ferreira, o arcebispo sergipano D. Luciano Cabral Duarte, o professor Alfredo Bosi, o reitor José Goldemberg (USP), a antropóloga Eunice Ribeiro Durham, os físicos Ennio Candotti e Luiz Pinguelli Rosa, e o sociólogo Cândido Mendes de Almeida. Eram movimentações que davam consistência e visibilidade ao Pró-Mudanças.

 

A movimentação tomava corpo com seus traços multi-associativos, reunindo pessoas de diferentes níveis sociais e culturais que atuavam no movimento como indivíduos e não como delegados das suas organizações. O Pró-Mudanças conseguia, enfim, a façanha de não ser visto como um partido, nem como um sindicato, nem como uma frente de partidos ou uma confederação de associações. Conseguira firmar-se como uma ação de cidadania que tinha a cautela de evitar os riscos de substituir essas instâncias em suas tarefas e atribuições. E foi chegando a essa definição que se tornou uma ação de cidadania devidamente formalizada.

 

“O Movimento Pró-Mudanças é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com sede e foro na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará. Tem como objetivo social a atuação política suprapartidária no sentido de estimular a adoção de medidas que levem ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, ao pleno exercício da cidadania e à garantia de respeito aos direitos dos cidadãos, assegurados na Constituição e nas leis do País”[28].

 

Semanalmente havia uma reunião plenária, no auditório José Albano, do Centro de Humanidades, da UFC; um Almoço Político, no Country Clube; e, de forma não sistemática, os Encontros Culturais, no auditório Castelo Branco, da reitoria da UFC, como portas de entrada permanente a quem quer que se dispusesse a participar. No dia 19 de fevereiro de 1988, o MpM lançou em plena Volta da Jurema, na av. Beira-Mar, o Painel da Constituinte, expondo à população os principais temas aprovados pela bancada cearense e a votação de cada parlamentar no Congresso Nacional Constituinte. “Para o povo saber quem está a favor ou contra ele”, segundo interpretação do jornalista Rogaciano Leite Filho[29]. O propósito dessa ação era democratizar a informação.

 

A contradição do discurso renovador do CIC entrou em choque direto com a prática almejada pelos participantes do Pró-Mudanças quando aquela entidade empresarial assinou a nota intitulada “Pela sensatez. Contra a demagogia”, numa clara posição conservadora diante do processo de funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte. “A nota das entidades empresariais empresta total apoio ao Centrão, no momento em que cerca de 60 constituintes, inclusive grande parte de parlamentares cearenses, dele se afastam sob a alegativa de que seus posicionamentos estão sendo empalmados pelos setores da direita empedernida”[30].

 

“O Movimento Pró-Mudanças eu não sei o que é. Tem gente que foi do Pró-Mudanças e está no Governo, trabalhando conosco. Tem gente do Movimento Pró-Mudanças que está na oposição, tem gente que faz parte do Movimento Pró-Mudanças e não está nem no governo nem na oposição”[31].

 

A indiferença, um certo desdém até, do governador em relação ao Pró-Mudanças não tirava dos participantes do movimento a vontade de lutar pelos valores da democracia participativa assumidos em campanha. Os pro-mudancistas não admitiam a marginalização das promessas de palanque por se sentirem co-responsáveis pelo governo eleito. “Mesmo que o poder constituído não nos considere, temos que apóia-lo. Não por conforto interior, mas pelo compromisso que temos com a implementação das idéias que nos uniram”[32], pregava Amarílio Macedo, em reunião do Conselho, diante do fechamento de Tasso. No mesmo encontro, o economista Assuero Ferreira ratificava o pensamento do coordenador geral lembrando que “quem deu legitimidade ao Tasso foi uma variedade enorme de facções (…) Não devemos nos iludir com palavras, a prática é o que define”. Diante da disposição de contribuir com o governo, mesmo sendo rejeitado por ele, a professora Tereza Rocha defendia, na ocasião, que era necessário “mostrar que a realidade é muito complexa e não é esgotada pelo CIC. Não se pode combater uma oligarquia criando outra”.

 

O consenso literal do pensamento único era evitado nas discussões do Pró-Mudanças. Divergir, diferente da gramática, era um verbo intransitivo. Todos podiam, por conseguinte, ter suas versões e publicá-las para a complementaridade do processo de compreensão da realidade, através da animação do debate. O filósofo Paulo Petrola, no artigo “Uma nova política para o Ceará” identificava um perfil mudancista na cearensidade, aduzindo que o eleitor nas duas últimas vezes que foi chamado às urnas sinalizou o que queria ao eleger Maria Luiza e Tasso Jereissati, respectivamente para a Prefeitura de Fortaleza e para o Governo do Estado.

 

“O povo escolheu o novo, a promessa de uma nova ética política, a esperança de que as condições insuportáveis a que ele é relegado sejam mudadas (…) O PMDB no governo, como o PT na prefeitura, estão se mostrando partidos menos eficientes que o PDS e a Arena. Estes, ao menos, conseguiram desempenhar seus papéis de despersonalizados lacaios da ditadura (…) Numa coisa, PMDB e PT estão se mostrando idênticos à Arena e ao PDS no poder: é um profundo desprezo pelo povo (…) Cabe a um governo renovador desobstruir os caminhos, afastar os impedimentos e apoiar e permitir as mudanças que a sociedade quer e pode realizar”[33].

 

Poucos dias depois, no mesmo jornal, o conselheiro João de Paula publicava a sua discordância em um artigo que dá prosseguimento a busca de visão sobre o presente político cearense. “É certo que as duas administrações em questão têm cometido erros que frustram parcialmente as enormes esperanças que despertaram à época de suas eleições, mas é injusto não assinalar seus acertos (…) São inegáveis os êxitos obtidos por Tasso Jereissati e Maria Luiza, no que diz respeito à moralização e modernização da máquina administrativa”[34].

 

O então assessor especial do governador Tasso Jereissati, jornalista Francisco Lima, publica um artigo mostrando o que chama de descaminhos do Pró-Mudanças, no qual argumenta que a pressão por participação feita pelo movimento é desarrazoada. Alega que essa cobrança vai de encontro ao ânimo do Governo do Estado de tenta motivar o engajamento popular, a ponto de ter editado e estar distribuindo a cartilha O Direito de Participar, com a qual conclama a organização das comunidades, com a finalidade de dar à sua integração no campo político um caráter de irreversibilidade. “O Governo tem evitado cooptar as farsas que existem por aí, onde associações são fundadas e funcionam à sombra de partidos políticos e lideranças comunitárias não resistem a uma eleição. Por isso, ouve o povo em seus núcleos próprios e o recebe, diretamente ou através de seus secretários”[35].

 

O artigo de Chico Lima foi republicado no Jornal do Pró-Mudanças, ao lado de um artigo do engenheiro Henrique Sérgio Abreu. “Difícil, Sr. Assessor, não é mudar. Difícil é democratizar. Todos nós admitimos a forma de governo que nos assegure sermos ouvidos, podermos falar, pedir, exigir, reclamar e criticar de forma organizada (…) É necessário admitir os contrários, respeitar a visão do outro, não se ofender com a discordância, admitir ser criticado”[36]. Este tipo de discussão faz ver a divisão lógica instalada no panorama das idéias e dos interesses naquele momento. Uma troca de ataques tão curiosa e instigadora que, guardadas as devidas proporções, lembra a “intensa participação da imprensa na busca de uma definição do formato político que a nação brasileira tomaria”[37] após o retorno do rei D. João a Portugal em 1821.

 

A cartilha “O Direito de Participar” tinha apresentação do próprio governador Tasso Jereissati, “no sentido de despertar o povo cearense para a sua vocação comunitária (…) O Governo do Estado, tentando ajudar, oferece esta cartilha, esperando que se reflita sobre o seu sentido e se consiga a melhor repercussão em favor das mudanças de que ora carecemos”[38]. Metade da mensagem era preventiva, focada nas ameaças de manipulação. “Fala-se muito em participação, Fala-se, fala-se tanto que a palavra está se esvaziando, está perdendo o sentido[39]”. O enredo tinha a figura de um tubarão que fazia de tudo para através de um conselho participativo encontrar “uma maneira de acabar com a independência do povo”. A cartilha defendia que a participação verdadeira era aquela cuja “organização nasce no seio do povo”. Defendia, enfim, que “para o exercício pleno do direito de participar é importante que o povo exercite a democracia dentro de suas próprias organizações”. E assinava: “Governo Tasso. Juntos mudando o Ceará”.

 

A cartilha do governo alertava a população sobre os perigos da participação articulada e ampla, como defendia a cartilha do “Projeto Caminhemos”, com a qual os pro-mudancistas organizavam a discussão em torno das principais carências e dificuldades das mais remotas comunidades cearenses onde mantinha e abria Núcleos do movimento. Essas viagens eram feitas regularmente pelo coordenador do interior, professor Manoel Messias, pelo coordenador geral Amarílio Macedo e outros membros da coordenação que se revezavam, tais como o médico José Maria Bulcão, a economista Sílvia Correia e o economista e estrategista político Reino Pécala Rae.

 

A cartilha do “Projeto Caminhemos”, toda ilustrada pelo cartunista Válber Benevides, possibilitava ainda um conhecimento mais aprofundado da realidade por servir de instrumento de debate cuidadosamente facilitado por líderes capazes de reforçar a confiança no propósito e adequar a discussão à visão local. Primeiro, desenvolvia-se a percepção do Núcleo que normalmente saía na opinião imediata, presente, sem maiores formulações teóricas. Em seguida tinha a parte de aprofundamento, quando organicamente eram constatados ou negados aspectos da realidade percebida. O processo interativo entre os dois momentos permitia uma visão mais nítida com relação à situação de cada comunidade e isso facilitava a descoberta de caminhos e a busca de soluções.

 

“Nós, no Nordeste, no Ceará, vivemos uma realidade difícil, sofrida. Cada município, cidade, distrito enfrenta o cerco da pobreza, da doença, da ignorância. Para melhorar, é necessário mudar. Mudar o quê? Precisamos conhecer nossa realidade. Precisamos discuti-la. Precisamos saber o que pode ser mudado. Precisamos promover mudanças”[40].

 

A cartilha continha os princípios do Pró-Mudanças – democracia, cidadania, ética e erradicação da miséria – e algumas induções de raciocínio curiosas tais como “De onde vem o dinheiro?”, “De onde deveria vir mais dinheiro?”, “O que o governo faz por nós?”, “O que o governo deveria fazer, mas não faz?”, além de pontos de reflexão sobre Capital, Trabalho, Recursos Naturais, Tecnologia, Produção, Qualificação e vocações comunitárias para a indústria, comércio e serviços. E desse modo o Movimento foi ganhando adeptos também pelo interior adentro.

 

A data de abril de 1988 tornou-se um marco importante para o Pró-Mudanças. No dia 16 daquele mês, na Casa de José de Alencar, em Messejana, foi realizado o seu I Encontro Estadual. A convocação foi inusitada, com apelo amplamente discutido nas plenárias do auditório José Albano e desenvolvido pelo publicitário Bosco Carbogim. “Seja dono do Ceará. Tome posse do que é seu”. A idéia, revestida de uma fina ironia ao grupo que estava no poder, era que as pessoas compreendessem que os problemas das diversas comunidades cearenses tinham muitos pontos em comum, por isso a troca de experiências e a conversa franca sobre o poder eram necessárias.

 

“O Ceará tem um dono. É você, pelo exercício da cidadania. Existem várias formas de descobrirmos isso na prática. O Movimento Pró-Mudanças é uma das mais importantes, porque já está organizado e em pleno funcionamento (…) O MpM é uma causa de todos e convive lado a lado com os partidos políticos, religiões, raças e ideologias. O que nos une é a vontade de ver todo mundo falando, se informando e formando, debatendo, compreendendo e reivindicando. Para que a política seja posta a serviço do cidadão. A seu serviço”[41].

 

Fizeram-se presentes 112 lideranças comunitárias de 32 municípios cearenses, sendo 68 participantes do interior e 44 da Capital. Todos bancando com esforço pessoal o custeio da própria locomoção, motivados pelo debate de reavaliação dos rumos e das diretrizes a serem tomadas pelo movimento. O encontro contou também com alguns convidados, como o médico Mário Mamede, então presidente do Instituto José Frota, IJF, da Administração Popular de Fortaleza; do representante da Sudene no Ceará, Zamenhoff de Oliveira; da presidenta do PCdoB, Gilse Avelar; do diretor da Universidade Estadual do Ceará em Crateús, Vagno Mota; e alguns vereadores da capital e do interior. O governador enviou um telegrama: “Agradeço convite participar I Encontro Estadual do Movimento Pró-Mudanças. Lamentando não poder comparecer envio votos de pleno êxito. Cordialmente. Tasso Jereissati. Governador do Estado”[42].

 

A animação e a integração dos participantes do I Encontro do MpM contou com a marca, o carisma e o discurso engajado da Dona Helena Santiago, vice-presidente da Associação Comunitária Artesanal e Agrícola, de Bela Cruz, que pegou o microfone e colocou todo mundo para dançar e cantar a música “Vamos pra luta”, difundida pela Comunidades Eclesiais de Base, CEBs. “Quando participo de uma mesma idéia de mudança, me sinto no mesmo nível de quem quer que seja. Acho que cada um dá sua contribuição dentro da possibilidade da sua posição econômica e social. Não aceito a idéia de que existem pessoas humanamente melhores do que outras”[43].

 

O coordenador geral do movimento, Amarílio Macedo abre os debates ressaltando que a responsabilidade dos participantes do Pró-Mudanças “é conseqüência da consciência que nós temos de que somente através do processo participativo o nosso Estado e os municípios que o compõem poderão começar verdadeiramente o processo de mudança que fará com que a nossa sociedade tome novos rumos e comece a trilhar um futuro aonde a oportunidade surja para todos e não para as minorias[44]”. Amarílio lembra o grande encontro que os participantes do “braço civil” da campanha de Tasso realizaram em 14 de fevereiro de 1987 na Faculdade de Direito da UFC, um mês antes da criação formal do Pró-Mudanças, quando mais de 400 pessoas, ao final de um exaustivo trabalho de participação entregaram ao então governador eleito, na presença do cardeal Dom Aloísio Lorscheider, um elenco de propostas organizado de maneira inédita na história do Ceará.

 

No dia do encontro na Faculdade de Direito, quando houve a entrega da documentação produzida pelos participantes do movimento que já ganhara o nome de Pró-Mudanças, o jornal O Povo publicou duas páginas com a discussão de uma mesa-redonda da qual participaram Amarílio Macedo, João de Paula Monteiro, René Barreira, José Albuquerque Rocha (integrantes do movimento); os deputados estaduais Aquiles Peres Mota (PDS) e Ciro Gomes (PMDB) e os jornalistas Pádua Campos, Morais Né e Francisco Lima. A jornalista Inês Aparecida, que coordenou o debate, fez o seguinte resumo:

 

“O assunto político deve ser tratado em primeiro lugar porque ele é que vai dar o norte, estabelecer qual o caminho a ser seguido. A mudança que todos nós esperamos e desejamos que aconteça em nosso Estado é essencialmente política e se não se processar na maior plenitude no campo político, nada terá mudado e nada acontecerá de novo. É assim que pensa o grupo do Movimento Pró-Mudanças, que de maneira sistemática, mas informal (pois não faz parte das comissões constituídas para elaborar o Plano de Governo de Tasso Jereissati) estuda uma maneira de viabilizar a participação da sociedade civil na futura administração[45]”.

 

Em mais de três meses de reuniões e seminários sucessivos, realizados em muitos municípios cearenses, produziu-se um trabalho que foi incorporado no planejamento da primeira administração Tasso Jereissati. “Um trabalho que necessitava de uma ação permanente, de uma ação organizada, de uma ação vigilante, porque depois de tantos anos de autoritarismo nós todos fomos desabituados da ação participativa, da consciência de cidadania, da grande responsabilidade que pesa sobre todos nós na cobrança daqueles que elegemos e colocamos no poder como nossos representantes”[46], explicitou o coordenador do movimento, na manhã daquele sábado de um feriado longo.

 

Uma das maiores frustrações reveladas pelos cidadãos que estiveram presentes ao I Encontro Estadual do Movimento Pró-Mudanças era o silêncio que sempre encontravam como resposta a seus anseios, quando recorriam aos órgãos públicos. O MpM foi citado como um meio de acesso às informações muitas vezes camufladas pelos administradores públicos e como agente denunciador dos descasos efetuados pelos que estão no poder. Discutiu-se bastante “se o MpM se afastou do Governo ou se o Governo se afastou das mudanças”. A decisão do Encontro foi que o movimento seguiria, dentro dos seus princípios, lutando pela evolução política da sociedade sem qualquer caráter prefixado de oposição. No entanto, a dúvida se a relação do governo com o MpM era de divergência ou incompreensão persistiu e um ano depois foi motivo de uma reportagem com o coordenador geral do movimento. Na entrevista, Amarílio prega “que um governo democrático, por definição, deve encarar a crítica como forma legítima de manifestação da cidadania e a satisfação de seus atos como um dever de respeito ao mandato[47]”.

 

Na coluna Política que assinava no jornal O Povo, em 1988, Erivelto Sousa diz que “as incompreensões das reais propostas do MpM têm sido lamentadas pelos seus integrantes”. Atribui o teor do seu comentário ao fato do movimento não possuir uma esfera definida para atuação, gerando destarte uma “inobjetiva definição”. O jornalista reconhece que, mesmo assim, “o MpM tem espaço para crescer, sobrepondo-se à fraqueza das instituições partidárias. Precisa porém de caminhos mais claros, límpidos, ao alcance do povo”[48].

 

Naquele momento, o anseio quase moral de fazer valer os princípios da Democracia Participativa preenchia na ação do Movimento Pró-Mudanças a zona de interseção entre o Estado, os Partidos Políticos e a Sociedade Civil. A mobilização da sociedade, em trânsito pelo campo político sem perder de vista a importância do mercado, era na verdade uma descoberta que somente anos depois, com o exercício do Pacto de Cooperação ganharia a sua objetiva definição. Ao incrementar no debate questões como o dinheiro, produção e poder econômico, como elementos de desenvolvimento e de sustentação política, o MpM tangenciava o conjunto do setor produtivo e experimentava intuitivamente a capacidade cidadã de operação cotidiana da instância da gestão compartilhada.

 

Os integrantes do MpM queriam influir para que a resposta política ao clientelismo fosse dada, com transparência e descentralização, pelo Governo que ajudaram a eleger, mas não conseguiam sequer o diálogo aberto com o poder público estadual. Queriam também o engajamento em favor do desenvolvimento econômico e social. O sociólogo Pedro Albuquerque, em fala inserida no ante-projeto do movimento, acrescenta que o Pró-Mudanças teria “espaço para a atuação no acompanhamento e avaliação das ações do governo (…), espaço de participação nas eleições municipais vindouras e a questão da busca de mecanismos de participação permanente da sociedade civil na própria ação governamental e no próprio governo”[49].

 

Pedro Albuquerque via como muito importante no papel do MpM a capacidade do movimento de promover um esforço de “participação mais institucional de setores da classe média que sempre são refratários a esse tipo de engajamento”, embora seja formadora de opinião por excelência. Para ele, o Pró-Mudanças não poderia deixar de ir além das suas teses essenciais, de se furtar a assumir a responsabilidade e a tarefa de operacionalizar a mudança política dentro da realidade do Ceará. “Ele tem que correr esse risco, o risco de se desgastar. Ele não pode ficar só no palanque assumindo o discurso da mudança, guardando essa imagem[50]”.

 

O sociólogo exercia o cargo de Subsecretário de Estado da Ação Social e recebeu o recado de que havia sido exonerado. Preparou uma correspondência pública na qual enumerou os cinco princípios que o levaram a assumir aquela pasta, ao mesmo tempo em que informava o novo assento como Coordenador Geral do Movimento Pró-Mudanças. Os pontos de divergência enumerados por Albuquerque tinham sido compromissos do Governador durante a campanha eleitoral:

 

“Respeito, por parte do Estado aos movimentos populares e às organizações comunitárias, sem qualquer interferência governamental no processo de sua organização e desenvolvimento (…) a ação de governo deveria se subordinar às reivindicações populares sem qualquer discriminação de natureza político-partidária (…) autonomia com relação a programas e projetos do governo federal, que chegam em forma de pacotes elaborados em Brasília (…) boa parte desses pacotes têm como conseqüência a desmobilização e divisão dos movimentos populares”[51].

 

A discussão em torno da participação nas eleições para a Prefeitura de Fortaleza, em 1988, gerou um documento no seio do Pró-Mudanças, reafirmando que o movimento surgiu para fazer política e que os seus participantes não aceitam ser meros propagadores de idéias. O texto avisa dessa participação no processo da campanha eleitoral, a partir da compreensão de que a política é uma das mais elevadas manifestações da cidadania. Avisa ainda que a mera discussão de nomes é insuficiente, pois “mais importante é a discussão pública de uma plataforma mínima de mudanças e do perfil do candidato identificado com o ideário mudancista (…) O Pró-Mudanças estará participando do processo eleitoral, não para substituir a ação dos partidos, mas como movimento facilitador do processo de construção da unidade das forças políticas progressistas”[52].

 

A imprensa recebeu o primeiro release com a questão da sucessão municipal em agosto de 1988. “A ausência de discussões de temas de interesse da população, assim como a falta de participação da sociedade civil organizada, no atual processo eleitoral, é o tema da plenária que o Movimento Pró-Mudanças realiza hoje (03.08.88), a partir das 20 horas, no auditório José Albano, da Universidade Federal do Ceará. O MpM discutirá, ainda, seu amplo apoio a candidatos e a sua forma de participação no período eleitoral”[53]. Com a denominação de “A Fortaleza que queremos”, o Pró-Mudanças realizou no auditório da Escola Técnica Federal do Ceará três debates, nos dias 1º, 14 e 21 de setembro de 1988, com os candidatos à Prefeitura de Fortaleza. Ciro Gomes (PMDB/PMB) não compareceu, alegando indefinição nas regras, e Gidel Dantas (PDC/PFL) também não se fez presente, alegando choque de horário com outros compromissos agendados por sua assessoria.

 

Por seu caráter suprapartidário, o Conselho do Pró-Mudanças decidiu apoiar a formação de uma Frente Ampla unindo a Frente Progressista (PCB/PSB/PT/PV), cujo candidato era o médico Mário Mamede, e a Frente Democrática (PCdoB/PDT), que tinha como candidato o radialista Edson Silva. “Se essa Frente Ampla está sendo articulada para combater o nosso candidato que é mudancista, então ela é reacionária”, declarou à imprensa o governador Tasso Jereissati[54]. Na mesma entrevista, Tasso desqualifica a movimentação dizendo que “essa Frente Ampla é uma mostra de que a mensagem do PMDB está atingindo ao eleitorado da Capital e que, na realidade, só vem demonstrar o desespero dos que não querem ver Fortaleza com nova filosofia administrativa”. No dia seguinte, o candidato da coligação PCdoB/PDT, Edson Silva, responde que a Frente Ampla “se constitui numa reação a uma nova oligarquia que está formada, a oligarquia urbana, com novos coronéis sem farda e sem estrelas, mas com os mesmos métodos do coronelismo que foi substituído, ou seja, autoritarismo, clientelismo e assistencialismo”[55].

 

AÇÃO DE CATÁLISE ELEITORAL

 

Os ânimos estavam bastante acirrados. Evitar o sucesso do candidato indicado pelo Governador Tasso Jereissati transformara-se em um desejo de toda aquela massa crítica que temia a consolidação de um poder absolutista no Ceará. Na qualidade de profissionais liberais, empresários, militantes políticos, líderes sindicais, estudantis, culturais e de movimentos de bairros, aquelas pessoas, mobilizadas pelo espírito de cidadania, não tinham necessariamente vinculações partidárias e as que eram filiadas a partidos certamente integravam siglas diferentes. A saída encontrada para tentar interferir no processo político era fazer uma intervenção catalisadora no processo eleitoral.

 

Por esse caminho, o Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não!, foi lançado oficialmente às 18 horas do dia 27 de outubro, na Assembléia Legislativa do Ceará, ainda sem defender apoio a qualquer dos candidatos, já que a intenção era conseguir uma só chapa unindo toda a oposição numa ação de catálise eleitoral chamada Frente Ampla contra a candidatura Ciro Gomes. A idéia era ocupar os espaços no horário gratuito dos partidos, trabalhar com adesivos e publicações, bem como lançar um manifesto com cem assinaturas, através da imprensa local.

 

Sobre o lançamento dessa nova articulação política o jornal Diário do Nordeste publica que a Frente Anticambeba nascera dividida. Informa que enquanto os organizadores do movimento, dentre os quais destaca o empresário Amarílio Macedo e o deputado Barros Pinho (PMDB), davam esclarecimentos a respeito da frente eleitoral pela unidade das forças progressistas, no Comitê de Imprensa “foram surpreendidos com a chegada da claque do candidato Dalton Rosado (PH), acompanhado da prefeita Maria Luiza. Espertos, os adeptos da candidatura de Rosado tomaram as galerias do plenário e as cadeiras dos deputados. Com charangas, batucadas e faixas eles tomaram conta da festa”[56].

 

A pressão comandada pela prefeita Maria Luiza Fontenele demonstrava no primeiro momento a intenção de destacar o candidato Dalton Rosado – que juntamente com ela tinha sido expulso do PT e estava abrigado no Partido Humanista – ao lado de Edson Silva (PDT/PCdoB), de Mário Mamede (PT/PCB/PSB/PV) e de Aguiar Júnior (PJ), que formavam o leque de candidatos, dentre os quais o que tivesse a melhor performance, dez dias antes da eleição, seria escolhido para receber o apoio formal e público do movimento. No dia seguinte, os jornais locais saíram com uma “Manifestação de Maria Luiza”, com o manifesto do Fortaleza Sim, Cambeba Não! e entrevistas com empresários ligados ao PFL, demonstando por uma lado uma divisão de caminhos mas, ao mesmo tempo, explicitando uma insatisfação comum com as práticas do Governo do Estado.

 

A nota de “apoio” ao movimento, assinada pela prefeita Maria Luiza, fazia um retrospecto dos posicionamentos políticos do seu grupo, no que chamava de luta pelo restabelecimento das franquias democráticas, e no combate à Nova República, criticada como antipovo e mantenedora dos interesses monopolistas nacionais e transnacionais.

 

“Graças a isso, combatemos em um momento difícil o projeto político monopolista representado pelo sr. Tasso Jereissati, identificado com a Nova República e Sarney em meio ao engodo do Plano Cruzado, às dificuldades administrativas e financeiras da Administração Popular que se iniciava, às frases de efeito que iludiam a população, do tipo O Brasil mudou, mude o Ceará etc. Pagamos um alto preço pela ousadia, fomos boicotados política e administrativamente, fomos alvo da tentativa de intervenção na Prefeitura, por vezes considerados sectários e isolacionistas. Hoje chegamos à conclusão de que estávamos certos e que combatemos o bom combate. A população repudia o modelo autoritário e prepotente que se instalou no Cambeba. Vemos com alegria a rebeldia daqueles que embora tendo apoiado ou participado desse governo das mudanças, se juntam para lhe manifestar sua oposição”[57].

 

Mais do que simplesmente apresentar ao eleitor fortalezense o seu candidato, como a oposição de maior conseqüência ao Cambeba, a manifestação de Maria Luiza procurava confundir a opinião pública em relação à ação de cidadania eleitoral, em busca da Frente Ampla, que acontecia na zona de interseção dos conjuntos da Frente Progressista, da Frente Democrática e da Sociedade Civil. Não era a primeira tentativa da Prefeita de Fortaleza nesse sentido. Em artigo publicado meses antes no jornal O Povo, ela iniciara a anti-propaganda da movimentação interpartidária ainda emergente. “Ali, Maria Luiza atribui ao Pró-Mudanças a influência sobre posicionamentos da Frente Progressistas. A impressão que o artigo deixa é de que o MpM pertenceria à Frente”[58].

 

O texto de Fontenele envolvia o que ela chamava de decisão antidemocrática, acusando o PT de tê-la expulsado do partido por conta do seu grupo político ser um empecilho para a formação da Frente Progressista. Alegava que não era contra a Frente, mas que os princípios daquela mobilização não haviam chegado às bases partidárias. “O referido protocolo procura agradar o Grupo Pró-Mudanças, busca possibilitar a entrada de setores ditos progressistas do PMDB, na figura egressa do PDS, deputado Ciro Gomes – homem do Governo Tasso”[59]. O artigo finalizava colocando que são muitas as interrogações e que o seu compromisso estava além do partido. “O nosso compromisso é com a cidade, com a luta dos trabalhadores, pela emancipação e por uma sociedade sem explorados e exploradores[60]”.

 

Os fatos revelavam o equívoco – que pode ter sido apenas uma jogada política – da prefeita, à medida que o deputado Ciro Gomes, então líder do Governo Tasso na Assembléia, fora escolhido por este como o candidato do Executivo Estadual para a Prefeitura de Fortaleza. Este tipo de ida e vinda de interpretações quanto a possível existência de razões obscuras e de interesses não declarados no processo de construção da Frente Ampla, era uma das dificuldades de comunicação do movimento. O então presidente do Sebrae, ex-deputado Paulo Lustosa (PFL), também cria uma contra-informação com o lançamento simultâneo da Frente pró-Fortaleza, sob a justificativa de que “se fazia urgente a montagem de um espaço político democrático, sem personalismos, suprapartidário, não discriminatório e ideologicamente plural para a discussão de Fortaleza”[61].

 

Por sua vez, o deputado federal Luiz Marques (PFL), tenta credenciar o seu candidato ao apoio da Frente, dizendo que Gidel Dantas (PFL/PDC) é tão oposição ao Cambeba quando qualquer outro, e procura dar provas disso reclamando que os empresários apoiadores do seu partido estão sendo pressionados pelo Governo a pagar a campanha do Ciro. “Os empreiteiros vivem das obras do Governo do Estado. Já se faz conta de quanto tem para receber e através do computador se sabe qual vai ser o potencial de faturamento até o final da atual administração para que, a partir daí se possa chegar ao número de quanto é a contribuição a ser destinada à candidatura do senhor Ciro Ferreira Gomes, contribuição forçada, diga-se de passagem. É uma contribuição compulsória, que se torna altamente lamentável. Eu acho que a Frente em benefício de Fortaleza se justifica, porque existe a idéia de ficar contra o Cambeba, para apoiar uma candidatura a negação de mudanças praticadas pelo governo Tasso Jereissati”[62].

 

O advogado Pedro Gurjão (PL) apresenta-se como candidato ao Paço Municipal, apelando aos “eleitores esclarecidos para não apoiarem candidato despreparado” e criticando o esforço de formação da Frente Ampla. Para ele os participantes do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! “queriam mesmo era o cargo de co-gestão no Cambeba. Como foram excluídos do banquete, estão agora querendo cuspir no prato em que já comeram. Estão todos com remorso ou arrependidos de terem apoiado o Tasso para governador”[63]. O artigo de Gurjão alfineta indistintamente os militantes defensores da coalizão interpartidária. “Essa tal Frente é Fria. É uma colcha de retalhos dos interesses pessoais contrariados. É um festival de vaidades e contradições. Um atestado de incoerência. Capitalista Sudene junto com Comunista frustrado, apoiando de última hora personagem de romance policial”[64].

 

Dificuldades de compreensão e de articulação à parte, o Fortaleza Sim, Cambeba Não! é lançado sob os auspícios do discurso em favor de uma gestão participativa, contido no documento “Uma Gestão Democrática para Fortaleza (1989-92)”, da Universidade Federal do Ceará, e no documento “Bases para a Unidade”, da Frente Progressista. O manifesto, de página inteira, saiu na imprensa no dia 30 de outubro.

 

“Muitos de nós demos o melhor do nosso esforço e da nossa inteligência para ajudar a construir o Ceará novo que o Governador Tasso Jereissati prometeu no palanque. Um Ceará democrático com uma administração participativa, transparente e comprometida com a luta pelo fim da miséria. Lastimavelmente constatamos porém, que nas questões fundamentais o Governo tem reproduzido os velhos métodos e os velhos discursos. É incapaz de estabelecer o mínimo de diálogo com sindicatos de trabalhadores, associações de servidores públicos e com o conjunto da classe empresarial, particularmente com os micro, pequenos e médios empresários. Tampouco ouve os artistas e os intelectuais”[65].

 

A declaração do Movimento critica o Governo por abandonar o propósito de definir com a sociedade as prioridades da administração pública e faz acusações de aliciamento de lideranças comunitárias por parte dos chamados “Agentes de Mudanças”, que estariam dividindo o movimento popular. Critica ainda o fato do Executivo Estadual se servir do que há de pior no meio político cearense “para fins exclusivamente eleitoreiros”. No discernimento feito em relação à falta de transparência, o Manifesto dá como exemplo o temor que os governantes cambebanos têm da fiscalização da imprensa, o que teria levado o Governo a fechar-se numa redoma de ferro, passando a perseguir veículos e jornalistas.

 

O isolamento e a prepotência do Governo Tasso é explicitado na parte do manifesto que denuncia a existência de um pequeno grupo clandestino de empresários decidindo sobre os destinos do Ceará, sem que a população saiba quem são exatamente essas pessoas e, principalmente, por não as ter elegido como representantes. Nessas decisões, dar a conhecer o documento, que nem mesmo os Secretários de Estado chegam a ser consultados. E vai mais longe, lembrando que Jereissati defendeu o mandato de cinco anos para José Sarney (PMDB) e desfila impunemente como um dos principais aliados do Presidente da República no suporte à política econômica “que joga milhões de brasileiros na miséria e desperdiça as energias da Nação”. O foco do manifesto na questão específica da eleição para a Prefeitura de Fortaleza é mais duro ainda.

 

“Impôs ao seu partido um candidato a prefeito que não tem a cara da cidade. Importado às pressas. Ciro chegou a Fortaleza, de onde não é nem nunca foi eleitor. O candidato que o Governador Tasso Jereissati quer impor a Fortaleza, pela via da mistificação eletrônica e da força domadora do dinheiro, sintetiza todos os vícios que nosso povo tem repudiado todas as vezes que é chamado a dar livre e democrático testemunho de civismo. No movimento estudantil Ciro foi reacionário. Foi cesista aguerrido quando o coronel César Cals estava de cima. Foi destacado homem do PDS quando este partido detinha o poder. Só entrou para o PMDB depois que o partido deixou a oposição e se fez Governo. Esta trajetória de serviçal fidelidade ao poder é a credencial que faz de Ciro o escolhido para submeter a capital cearense aos caprichos da oligarquia cambebana. Onde houver imposição pelo poder, a obediência não significa a resolução dos problemas (…) Fortaleza sim, Sarney não! Fortaleza sim, Ciro não! Fortaleza sim, Cambeba não!”[66].

 

O cenário político efervescia. No artigo “Preparando o DerroTasso”, o jornalista e professor de filosofia da Universidade Estadual do Ceará, Francisco Auto Filho comenta que existem três tendências políticas distintas postulando a necessidade de organizar um grande bloco eleitoral contra o candidato do governo. Fala da movimentação da prefeita Maria Luiza, que segundo ele era apoiada em um grupo “esquerdo-equizóide (…) que se autocompraz em buscar a clandetinidade, como se a auto-reclusão fosse um critério de radicalidade revolucionária”. Comenta o arroubo do então presidente do Sebrae, Paulo Lustosa, de “querer liderar o movimento anti-Cambeba pela mídia”, quando na verdade sequer assinou o manifesto “só porque continha críticas ao Sarney”. Diz que a mais expressiva das três tendências, tem feição liberal e forte matiz social-democrático. “Suas lideranças mais expressivas são os empresários Amarílio Macedo e Barros Pinho, que estão secundados por alguns dos mais conceituados intelectuais da classe média da cidade”[67].

 

O jornalista Jorge Henrique Cartaxo, no artigo “O novo espaço político”, defende que o Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! é uma articulação da inteligência e das lideranças políticas emergentes do Ceará, “no sentido imediato de darem uma resposta política à arrogância do Cambeba” nas eleições municipais de 15 de novembro, “derrotando o sobralense Ciro Ferreira Gomes” e, a médio prazo, uma instância que possa viabilizar “a discussão de um projeto político alternativo ao que o governador Tasso Jereissati está impondo, de maneira grosseira, ao Ceará”. Jorge Cartaxo reforça que a natureza catalisadora do movimento e o seu caráter democrático não só permite como estimula “o exercício político da diferença”[68].

 

A reação à Frente no âmbito da imprensa também se deu com nacos de hostilidade. O jornalista Luís-Sérgio Santos detona a movimentação dizendo que não havia diferença entre a Frente e o próprio Cambeba. “A diversidade de interesses, a correlação de forças intensas e o contínuo embate rumo ao poder tornam o cenário nebuloso, tremendamente confuso. Confusão, narcisismo, interesses contrariados e muito mais podem ser detectados com precisão na reorganização de forças políticas contra o Governo”[69]. A colunista Sônia Pinheiro escreveu um editorial no seu caderno DN Gente, dando os por quês da Frente “ser fria”, reforçando uma máxima da direita ressuscitada pelo jornalista Pedro Gomes de Mattos, segundo a qual “as esquerdas só se unem na cadeia e, mesmo assim, premidas pelo espaço físico”[70].

 

A colunista Regina Marshall, apelou para o estereótipo do “Bloco dos Frustrados”[71]. O jornalista Chico Lima, na época assessor do governador Tasso Jereissati, argumentou em artigo que a mobilização que denunciava o autoritarismo da Administração Estadual não passava de uma marmota. “O Governador tem trabalhado, virado o corpo e a alma daqui para o mundo inteiro, buscando mais para investir no Ceará. Queriam que ele estivesse nas praças dando adeusinho e esnobando demagogia barata? Surgiu então um movimento caviloso, diria que movimento imoral, visando a reverter o quadro político até se voltar ao tempo dos compadres e das comadres palacianas (…) Cambeba é sinônimo de ação, de trabalho, de seriedade, de austeridade”[72].

 

O líder do PT na Assembléia Legislativa do Ceará, deputado João Alfredo classificou o Movimento como “algo ideologicamente muito vago”, mas não descartou a possibilidade de somar forças na campanha, caso o candidato da Frente Progressista fosse o indicado para receber o apoio do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não!. Alfredo defendeu a manutenção da candidatura de Mário Mamede, alegando que a coligação PT/PV/PSB/PCB tem um programa claro. “Nós já somos uma frente, de certo modo, anti-Cambeba (…) Se vierem nos apoiar é porque aceitam o nosso programa (…) desse modo estaríamos abertos. Mas jamais abriríamos mão dos nossos princípios, nem entraríamos numa frente sem saber o que ela pretende combater e quais as alternativas que apresenta a esse poder”[73]. O professor Auto Filho volta a escrever sobre o assunto, retorquindo os comentários do deputado João Alfredo.

 

“O primeiro equívoco do presidente do PT é confundir movimento eleitoral com frente política. Frentes políticas, isto é, acordos interpartidários com programas comuns de Governo, existem pelo menos quatro em Fortaleza: Frente Progressista, Frente Democrática, Frente das Mudanças e Trabalhando por Fortaleza. O movimento Fortaleza sim, Cambeba Não! é uma conjunção de esforços visando derrotar o candidato de proveta do Cambeba à Prefeitura de Fortaleza. Nesse esforço estão juntas pessoas com diferentes ideologias e opções políticas. Todos concordam, porém, em um ponto: derrotar o tasso-machadismo na Capital é uma decisão tática fundamental para frustrar o projeto de cartelização do poder”[74].

 

A expressão “tasso-machadismo” utilizada por Auto Filho em seu artigo fazia referência a relação de extrema proximidade que os empresários Tasso Jereissati e Sérgio Machado mantinham desde a infância. Uma relação de intimidade que levou o casal Sérgio Machado a ser padrinho de casamento de Tasso e que deu ao casal Tasso Jereissati a honra de apadrinhar um filho de Sérgio Machado. Sem contar que ambos foram presidentes do Centro Industrial do Ceará e que Machado coordenara o “braço político” da campanha que elegeu Jereissati governador em 1986. Na verdade, até as eleições municipais de 1988, o deputado Ciro Gomes era noviço na vinculação a Tasso Jereissati. O símbolo de aliado forte do Governador pertencia a Sérgio Machado que, na condição de Secretário de Estado de Governo, tinha uma imensurável influência no Executivo Estadual.

 

A fonte mais comumente aceitável na tentativa do Fortaleza Sim, Cambeba Não! de promover a convergência do PCB, PCdoB, PDT, PSB, PT e do PV, que estava aberto a apoiar as candidaturas frentistas, era o documento “Bases para a Unidade”. O argumento para a união garimpava respaldo no fato da sociedade civil organizada já ter provas de êxito em memoráveis campanhas pela Anistia, pela Constituinte e pelas Diretas-já que, fazendo crescer a consciência crítica e participativa do coletivo, haviam desempenhado papel decisivo para pôr fim ao regime militar de duas décadas no Brasil. Uma necessidade histórica de politizar as respostas ao projeto conservador e autoritário instalado no Ceará, posta como um desafio pluripartidário.

 

O documento original tratava de uma potencial coligação desses cinco partidos e levava a assinatura de Frente Progressista. As reuniões da Frente aconteciam todas as quintas-feiras na sede do Pró-Mudanças, na av. Santos Dumont, 2088, e tinham como objetivo encontrar saídas para impedir que o governador Tasso consolidasse um monopólio político no Ceará. Como não foi possível essa aliança, um grupo de partidos ficou com a expressão Frente Progressista (PCB/PSB/PT/PV) e o outro passou a ser chamado de Frente Democrática (PDT/PCdoB). Com a criação do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não!, desenvolvido no espaço comum às duas frentes e à sociedade civil, essa mobilização de forças eleitorais recebeu o nome de Frente Ampla.

 

O certo é que o conjunto das “Bases para a Unidade” adiantava a sensibilidade que justificava o esforço do movimento anti-Cambeba. Referências como a prática excludente do Governo Tasso e sua relação estreita com os favorecimentos elitistas do Presidente Sarney, pontuavam as razões dispostas no documento como busca para a recuperação da confiança do povo de Fortaleza na prática política, de modo a estimular o resgate do controle dos aparelhos públicos pela sociedade. Parte das dificuldades vivenciadas pela administração da prefeita Maria Luiza eram apresentadas como exemplo do risco de um governo eleito por um só partido, diante da adversidade das administrações estadual e federal. A compreensão de que era preciso caminhar juntos permitia ao documento concluir que

 

“uma cidade do porte e da complexidade da nossa capital necessita de uma administração unitária de partidos progressistas como salto qualitativo, acumulando as experiência para o aprofundamento e avanço de conquistas sociais. Seria injustificável vender ao povo a idéia de que é possível implantar ilhas socialistas municipais num país capitalista (…) Para os partidos fisiológicos a união é fácil pois se faz pela divisão burocrática do poder e dos cargos. Para os progressistas, justamente por não abdicarem de suas diferentes análises e das proposições que têm para a sociedade, é necessário encontrar pontos comuns, unificar o discurso de campanha e saber extrair da confiança fraterna as regras da convivência”[75].

 

O Movimento seguia martelando o discurso do que queria, mas não mostrava ao eleitor com quem poderia realizar a empreitada. Enquanto isso, a campanha do candidato Ciro Gomes produzia os anticorpos a esperar a decisão anunciada do adversário que ganharia o apoio contundente daquela ação de cidadania. A precaução dos governistas foi bem estruturada. Personalidades com a visibilidade da deputada Constituinte, Moema São Thiago, eleita em 1986 pelo PDT com 83.341 votos, dos quais em torno de 70 mil foram conquistados em Fortaleza, entraram na linha de fogo. Moema havia sido eleita discursando contra o “Centrão”, o Governo Sarney e o Plano Cruzado – todos favoráveis a eleição de Tasso ao Governo do Ceará – mas, nas eleições de 1988, tinha migrado para o incipiente PSDB. A parlamentar do partido tucano assina uma nota, publicada na imprensa, na qual mostra as incoerências que identifica no Fortaleza Sim, Cambeba Não!, fazendo declaração de amor por Fortaleza e declaração de voto ao candidato do PMDB com direito a fotografia na qual ela aparece entregando a rosa vermelha símbolo do PDT ao deputado Ciro e à sua mulher Patrícia Gomes.

 

“As mais diferentes frentes, ditas populares, democráticas, progressistas, se juntam por interesses menores e pessoais às forças do passado. E temendo os avanços do futuro em termos de um novo Ceará, moderno, moralizado e democrático, se unem aos saudosistas dos tempos do clientelismo e do fisiologismo (…) Como deputada federal e cidadã devo votar. E já me decidi. Essa decisão é resultado de muita reflexão e da coerência da minha vida de lutas (…) Os que como eu amam Fortaleza estão com Tasso. Eu amo Fortaleza. Eu voto Ciro”[76].

 

O slogan da campanha do candidato do Governo clamava pela urgência de socorrer a cidade que estava um verdadeiro caos urbano: “É tempo de amar Fortaleza”. Agregado a este apelo sedutor, vendiam-se a idéia de que, para dar certo, o Município deveria estar associado politicamente ao Estado. Escrevi um artigo no qual foquei o artificialismo da proposta do candidato oficial, destacando o simulacro das belas imagens que apresentavam – no vídeo, em cartazes e showmícios – promessas de um éden improvável, exatamente no momento em que as pessoas começavam a reagir ao centralismo do Governo. “Muitos sentem mais medo de assumir uma posição contrária aos interesses da neo-oligarquia oficial do que o fariam nos tempos dos coronéis”[77].

 

Aquela predição, compartilhada por inúmeros outros cearenses, estava infelizmente bem intuída. Ao aplicar instantaneamente os recursos represados até então pelo Governo Federal – para não beneficiar a Administração Popular de Maria Luiza – no pouco mais de um ano que passou como Prefeito de Fortaleza, Ciro Gomes limpou a cidade e fez muitas obras fundamentais. Saiu para ser candidato ao governo em 1990 e entregou o Palácio do Bispo ao seu vice Juraci Magalhães que, numa suposta cumplicidade velada dividiu com o tassismo o poder no Ceará: “não mexa comigo que não mexerei com você”. Se essa imagem não condisser com a verdade, deve estar muito próxima dela. Não é à toa que a Era Jereissati tem a mesma configuração da Era Juraci: Tasso/Ciro/Tasso/Tasso e Juraci/Cambraia/Juraci/Juraci.

 

Dentre os candidatos que tinham o compromisso de apoio do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não!, conforme a melhor performance eleitoral, o radialista e deputado estadual Edson Silva aparecia na condição de melhor colocado nas pesquisas. Nos dias dois e três de novembro, o Ibope faz uma consulta de opinião na qual Ciro Gomes (PMDB/PMB) aparece com 29,0%, seis pontos à frente de Edson Silva (PDT/PCdoB), que continuava em segundo com 23,0%. Mário Mamede (PT/PCB/PSB/PV) estava na quinta colocação com 4,0%. “Aguiar Júnior (PJ) e Dalton Rosado (PH) não foram lembrados pelos entrevistados”[78].

 

No dia 4 de novembro de 1988, na sala do Comitê de Imprensa da Assembléia Legislativa, finalmente oficializou-se a participação do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! na campanha do candidato Edson Silva. Eram os prometidos “10 dias antes da eleição”. Na ocasião foi assinado um “Termo de Compromisso com a Cidade”, sustentado em 12 pontos inspirados nos conceitos de uma gestão democrática, participativa e transparente, todos publicados na imprensa em página inteira, na data de 6 de novembro[79]. A partir daquele instante o movimento tinha em Edson Silva o nome do candidato formalmente disposto a cumprir os ideais de emancipação de cidadania reivindicados na cidade. Nome que o movimento passava a oferecer à avaliação dos eleitores de Fortaleza. Mas tinha também, caso a pesquisa estivesse correta, seis pontos percentuais para correr atrás e superar o primeiro colocado nas consultas de opinião.

 

O Instituto DataFolha realiza nos dias 5 e 6 seguintes uma pesquisa que aponta Ciro Gomes (PMDB/PMB) com 27%, seguido por Edson Silva (PDT/PCdoB), com 20% das intenções de voto. Sete pontos de diferença. Numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo o governador cearense mostra-se apreensivo e cauteloso em relação ao desfecho da campanha. “Jereissati disse não acreditar que o quadro – até agora favorável ao candidato do PMDB, deputado estadual Ciro Gomes – sofra alterações, mas evitou se considerar vitorioso antecipadamente”[80]. Nos dias 8 e 9 de novembro, a Fundação de Pesquisa e Cultura da UFC aplica os seus questionários sobre como pensam em votar os eleitores fortalezenses no pleito e atesta a vantagem de Ciro Gomes (PMDB/PMB), com 28,5% das intenções, enquanto Edson Silva, fica com 19,3%[81]. A diferença chega próximo aos nove pontos.

 

No dia 12, praticamente à véspera da eleição, o Movimento publica outra página inteira nos jornais[82], fechada no discurso da polarização da eleição numa decisão “entre o autoritarismo e a democracia”. O item dois do Termo de Compromisso assumido pelo candidato do PDT/PCdoB, sinaliza o desejo de valorização de um espaço propício à gestão compartilhada. Nele está escrito que o candidato assumia o compromisso de se “relacionar com todas as entidades civis organizadas, independentemente de seu posicionamento político-partidário, respeitando a autonomia de sua representação e criando canais institucionais de participação”[83].

 

A escolha do radialista Edson Silva foi combatida pela situação com chacota. Por ter origem humilde e gostar de se alimentar em feiras populares, chamavam-no individualmente de “comedor de panelada” e os que o apoiavam de “cambada”. Na sua coluna, Preto no Branco, Julieta Bronteé comenta a reação dos aliados do governo:

 

“Não se pode olvidar, também, a passeata protagonizada pelos partidários da candidatura bilionária do deputado Ciro Gomes, montada sobre uma montanha de pródigos recursos a ver belos e reluzentes veículos que compunham a referida passeata, em flagrante contraste com a pobreza da maioria da população de nossa sofrida e combalida cidade de Fortaleza. Como toque de humor e ironia que amainava o constrangimento do contraste entre a riqueza da passeata do candidato oficial e a pobreza da galera eternamente à espera do cumprimento de promessas oficiais, havia uma faixa na qual se lia os seguintes dizeres: Cambeba Sim, Cambada Não!”[84].

 

O processo eleitoral chega ao dia 15 de novembro com empate técnico entre os deputados Ciro Gomes e Edson Silva, numa eleição de um turno só. Os fiscais da coligação PDT/PCdoB eram impedidos de acompanhar a transferência dos números para os mapas de apuração. A impugnação de urnas onde o candidato apoiado pelo Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! tinha diferença expressiva de votação acontecia de modo desavergonhado e no final, com tudo isso, a “vitória” de Ciro, ocorreu com uma diferença de menos de 1% (um por cento) do segundo colocado. Ciro Gomes obteve 179.274 votos contra 173.957 de Edson Silva.

 

A diferença em favor do candidato do Governo foi de 5.317 votos, num universo de 695.254 votantes[85]. Qualquer um dos demais candidatos, que hipoteticamente poderiam ter feito parte decisiva da Frente Ampla, teve votação capaz de derrotar o candidato do Governo. Mário Mamede (PT) ficou em quinto lugar, com 33.768 sufrágios; Dalton Rosado (PH), apareceu em sétimo, com 13.442; e Aguiar Júnior (PJ), acabou na nona e última colocação geral, com 5.994 votos[86]. Desconsiderando as suspeitas de derrota no “tapetão” e apenas recorrendo a um recurso puro da matemática, a fim de ilustração de raciocínio, basta ver que a votação do último colocado Aguiar Júnior, supera a diferença final entre os primeiros colocados na disputa.

 

É bem verdade que este tipo de dedução também poderia ser aplicado utilizando a votação dos candidatos conservadores e de direita, embora não houvesse nenhuma movimentação explícita nesse sentido. Gidel Dantas (PFL/PDC) ficou em terceiro lugar com 95.162 votos, seguido do Gen. Torres de Melo (PDS/PMN) com 62.425, Pedro Gurjão (PL), em sexto lugar, com 16.615 e o penúltimo da fila, Marcos Cals (PSD), com 6.171. A retirada da candidatura de Mário Mamede chegou a ser debatida em reunião da Executiva do Partido dos Trabalhadores, como estratégia para evitar a vitória de Ciro Gomes, mas não houve consenso na direção do partido. Numa entrevista ao JD (Jornal do Dórian), o deputado João Alfredo esclarece o procedimento do PT diante da situação.

 

“João Alfredo confirma que a retirada da candidatura de Mário foi admitida por ele em cima de três pressupostos: o primeiro, era a polarização entre Edson Silva e Ciro Gomes, entendendo o presidente do PT que o fundamental era derrotar o Cambeba. Para ele, essa era uma questão de ordem externa a qual deveria somar-se dois pressupostos internos: a aceitação unânime na executiva do partido e a aceitação do próprio candidato (…) Ele diz que, na qualidade de presidente do partido, não poderia insistir numa tese que pusesse em risco a unidade do partido (…) Numa análise da sucessão municipal, João Alfredo diz que a vitória de Ciro foi a vitória do poder econômico, da máquina do Governo Estadual favorecida pela dispersão das oposições”[87].

 

O PDT não reconheceu a vitória de Ciro. O primeiro secretário da Executiva Regional, professor Edson Pessoa, foi aos jornais denunciar a comprovação de duplos boletins na apuração. A cobertura de imprensa, no dia 30 de novembro de 1988, revelou as Zonas Eleitorais onde Edson Silva tinha esmagadora vantagem sobre Ciro Gomes, publicando inclusive fac-símile dos boletins duplicados[88]. Na 52ª seção da 94ª Zona, por exemplo, o PDT divulgou que havia um boletim com 73 votos de Edson Silva e outro boletim da mesma seção e Zona com apenas nove votos. O jornalista Jorge Henrique Cartaxo escreveu um artigo dizendo que

 

“O governador Tasso Jereissati teve, indiscutivelmente, uma vitória pessoal. Além de ter sido um dos dois únicos governadores a eleger o prefeito da sua capital, o fez por escolha e de maneira pessoal (…) Quanto ao jovem Ciro Ferreira Gomes, lhe foi dado a chance de se tornar de fato uma expressão política importante no Estado (…) Ciro consegue conjugar uma vaidade feminina com uma truculência medieval, aureolada por um ódio patológico. Devia iniciar por corrigir essas características pouco elogiáveis”[89].

 

A jornalista Adísia Sá” definiu o pleito como o “mais empolgante espetáculo dos últimos tempos”. Dentre as lições que ela pinçou do episódio está a de que a pressão econômica e a ação do poder dominante não definem resultado. Adísia lamentou contudo “a viseira de certas pessoas que, proclamado o resultado favorável a seu candidato, passaram a agredir todos aqueles que, democraticamente, estavam do outro lado”[90]. Dias depois ela responde as dúvidas de ouvintes do seu programa de rádio e de leitores do jornal com um artigo no qual expõe alguns motivos que a levaram a criticar Ciro Gomes.

 

“Sua candidatura sempre me pareceu engendrada, artificial, fabricada no Cambeba. Não tinha base política em Fortaleza, não tinha domicílio eleitoral na Capital e sim em Sobral (…) Seu discurso sempre me soou falso, porque amor de última hora, às vésperas de eleição, só tem em mira os votos dos eleitores (…) o patrocinador de sua candidatura, Tasso Jereissati, perdeu o controle de Chefe de Estado e desnudou-se por inteiro como cabo eleitoral, aplicando os golpes mais criticáveis, como o aliciamento de votos através da entrega de cheques em plena campanha”[91].

 

O Governador Tasso Jereissati processa a jornalista por injúria, com base no artigo 22 da Lei 5.250 – Lei de Imprensa – e entre as testemunhas a promotoria cita o próprio candidato Ciro Gomes que, por coincidência é advogado. A acusação toma como base o argumento de que o Governo Tasso “tem-se caracterizado por um projeto de mudanças que implica em critérios bem diferentes dos utilizados pelos seus antecessores”. Na contra argumentação dos fatos levantados por Adísia Sá, ela menciona “a representação do governador garante serem inverídicas as afirmações sobre a distribuição de cheques, que foi feita pela Secretaria da Ação Social para comunidades carentes”[92].

 

Na mesma reportagem a jornalista esclarece que “as eleições de novembro de 88, infelizmente, foram marcadas por procedimentos políticos condenáveis e assim os interpretei, tanto no jornal como na rádio onde trabalho”. O presidente da OAB, Ernando Uchoa Lima, escreve um artigo no mesmo espaço, defendendo a jornalista. “Valendo-se da força e do prestígio do cargo que hoje ocupa, o sr. Tasso Jereissati investe contra a brava jornalista, simplesmente porque não aceita nem perdoa a crítica construtiva, a que os homens públicos estão sujeitos, no regime democrático”[93].

 

DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO

 

Na proposta de diretrizes para a criação do Instituto Equatorial de Cultura contemporânea estava bastante clara a correlação entre pobreza econômica e pobreza política. Uma, como responsável pelos elevados índices de miséria social e, a outra, como reprodutora das condições estruturais determinantes da desigualdade. Por pobreza política, os mentores do Equatorial entendiam “o imobilismo, sociedade civil frágil, débil exercício da cidadania, instituições controladas por elites autoritárias, debate político marcado pela ausência de informações sobre a realidade, reduzida participação popular, espaço público capturado por interesses privados, políticas públicas ineficientes, interesses corporativos arraigados, Estado cooptador e aliciador de lideranças civis”[94].

 

A extrema concentração da informação e do conhecimento, como fontes e instrumentos de poder, era esboçada naquele documento como o grande entrave para a superação da pobreza política e, conseqüentemente, da pobreza econômica. Observava-se que o sentido ético da política não comporta a manipulação da ignorância crônica. Era preciso criar espaços inventivos de reflexão. Espaços fomentadores de ações de cidadania. Algo que pudesse reforçar o processo de mudança cultural em favor da mobilização substantiva, balizada e conseqüente, na busca por um desenvolvimento com novos métodos e maneiras de produção, de adequação do Estado às exigências da democracia participativa, no estímulo e na regulamentação de novas formas de avanços tecnológicos e científicos e na construção do bem-estar social, afirmador da felicidade e dos anseios de paz.

 

O objetivo disposto no parágrafo segundo do Estatuto daquela ONG, revelava a intenção de “atuar, na qualidade de mediadora, no seio da sociedade civil para elevar o nível de democratização da vida social e o nível de participação ativa dos cidadãos através da democratização da informação de natureza sócio-econômica, política e cultural”[95]. De forma específica, o documento fundador do Equatorial dispõe sobre o compromisso de organização de banco de dados para subsidiar projetos e ações de interesses coletivos; de apoio e realização de estudos e pesquisas com a finalidade de influir na opinião pública; e da promoção de debates, seminários, grupos de discussão e programas voltados para a democratização da informação e do conhecimento, como um instrumento de serventia para a vida das pessoas.

 

Na ocasião em que o Equatorial estava sendo apresentado publicamente com o lançamento da pesquisa “Ceará Ano 2000”, realizada em parceria com o Centro Josué de Castro e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais de Pernambuco – IPESP – ambos de Recife, fiz uma entrevista com o diretor-presidente do Instituto Equatorial, sociólogo Pedro Albuquerque na qual revela-se um novo desenho na evolução para o estágio de gestão compartilhada, tendo a formação da cultura política como campo de interseção nos conjuntos formados então pelos Poderes Públicos, pela Sociedade Civil e pelo Terceiro Setor.

 

“A partir deste diagnóstico, constatamos a necessidade de continuar pleiteando mudanças estruturais para a nossa realidade, na tentativa de vencermos essa situação de miséria econômica e política (…) Hoje, o meio mais eficaz que consideramos para isso é trabalhar a nível de cultura política da nossa população. Difundir, fazer com que a informação chegue ao cidadão, fazer com que os dados que estão guardados nas gavetas ou que giram por círculos restritos, possam extrapolar esses pequenos círculos e chegar a um número maior de pessoas”[96].

 

Albuquerque elucida que o lançamento público de uma ONG, juntamente com a divulgação da pesquisa futurista “Ceará Ano 2000”, mais do que chegar com um produto, é uma partida com base de discussão concreta na “busca de aferir a percepção do cearense sobre a sua situação atual e o que ele almeja para a próxima década”[97]. Esse raio-X do Ceará e a projeção de uma visão de futuro foram informações essenciais para o início de um debate com vistas a operacionalização das políticas públicas. A primeira sede do Instituto Equatorial foi na rua Assis Chateaubriand, 170, a poucos metros da Praça da Imprensa. Depois, a entidade passou a funcionar na Praça Argentina Castelo Branco, no bairro de Fátima.

 

A reação nos setores formadores de opinião foi imediata e empática. Em editorial, o jornal O Povo saúda os primeiros passos do Instituto: “O IECC vem se firmando como uma instituição de alta credibilidade pelo seu caráter apartidário e uma estrutura organizacional que lhe permite autonomia política, gerencial e financeira, voltando-se unicamente para objetivos educacionais e culturais”[98]. Comentando os dados lançados pelo Equatorial, num cenário marcado por textos oficiais recheados de expressões do tipo “participação” e “envolvimento da população no planejamento”, o sociólogo Benedito Carvalho, exalta que

 

“É a primeira vez que uma instituição não governamental no Estado se lança num tipo de empreendimento como este, sem visar ganhos políticos imediatos, o que é incomum numa região marcada por um tipo de cultura política clientelista, onde a manipulação da informação serve para a perpetuação do poder da elite dominante (…) O fato de existir uma instituição não governamental preocupada e com a disposição de ouvir a população, demonstra a necessidade de a sociedade civil cearense criar formas orgânicas de representação política não mais baseadas em critérios mandonistas, mas numa racionalidade científica, onde os diagnósticos sejam feitos com transparência e sem medo de afetar o poder (…) A disposição de ouvir a população passa a ser não mais um procedimento burocrático e desmobilizante, mas uma condição para a ampliação da democracia”[99].

 

O médico Régis Jucá reforça a escolha que considerou apropriada do nome Instituto Equatorial, “já que a nossa problemática difere dos países da Europa e da América do Norte. Precisamos implementar, registrar e oficializar nossa cultural equatorial, já que alguns pensam que em torno e abaixo do Equador não pode haver civilização eficiente”[100]. Referindo-se aos resultados da pesquisa, a socióloga Celeste Cordeiro aponta o crescimento da perplexidade dos entrevistados. “Será que a partir das reflexões trazidas por esta pesquisa e dos espaços de conversa que se formarão, poderemos ensaiar coletivamente um roteiro de pensamento diferente, novas falas, outras posturas de conhecimento, paradigmas mais atuais? Será? Não espero, mas também não desespero”[101].

 

O cientista político José Filomeno de Moraes Filho, pontua que os dados da pesquisa “parecem sugerir sobretudo que o cearense tem o governo como um ente possuidor de certo caráter hierárquico e certa virtude demiúrgica, possuidor de uma varinha de condão, tanto mais poderoso quanto mais afastado fisicamente dos cidadãos estiver”[102]. Cita os governos federal, estadual e municipal que, nessa ordem de importância, povoariam o imaginário político cearense, na condição de agentes fantásticos em cujos ombros recai a responsabilidade pelas transformações sociais. O professor Filomeno interpreta que os dados revelados pela pesquisa “Ceará Ano 2000” indicam um certo alheamento da política em uma gente que não despertara ainda para a possibilidade da democracia ser um instrumento capaz de atender os seus desejos e resolver as suas necessidades. E isso ele alerta que deve ser encarado com tristeza.

 

Em um suplemento sobre participação político-social da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – lançada meses depois, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE – ratifica esse distanciamento em todo o país, mostrando que o exercício da cidadania é ainda muito incipiente no Brasil. A pesquisa do IBGE mostra que pouco mais de dez por cento da população acima de 18 anos são filiados a sindicatos e que em 62 por cento dos casos, só buscam essas entidades para obter assistência médica ou jurídica. Revela ainda que na medida que sobe o grau de escolaridade, reduz-se o número de pessoas filiadas a sindicatos e sobe a dos integrantes de associações de funcionários, geralmente mais assistencialistas[103].

 

As questões investigadas pela pesquisa “Ceará Ano 2000”, junto a 1.100 pessoas, mostraram que a situação da população piorou em todo o Estado. Numa articulação com as cinco universidades cearenses – UFC, Unifor, Uece, Uva e Urca – o Instituto Equatorial realizou em novembro de 1990 o seminário “Ceará – Os Indicadores do Futuro – Pulsão de Vida ou Morte”, nas cidades de Fortaleza, Crato, Limoeiro do Norte, Sobral, Quixadá, Itapipoca e Crateús, cobrindo os principais centros regionais do Ceará. No folder de apresentação, uma clara demonstração da amplitude do olhar: “Pulsão de morte não é só pulsão de destruição específica do ser humano, contra a qual a civilização deve lutar; ele é inerente à própria civilização em seus aspectos repetitivos, homogeneizantes e cruéis, em suas modalidades de agressividade face à natureza, a outros grupos, aos exteriores-ao-grupo e em suas técnicas de exploração do homem”[104]. Para invocar a compreensão freudiana de pulsão levou-se em consideração o horizonte obscuro do aumento e das reduções das nossas complexidades vitais.

 

Os temas postos para discussão também fugiam do lugar-comum. Em “Elites, Agentes da Miséria ou da Dignificação Humana?” pôs-se em pauta o papel das elites dos poderes econômico, político, do saber e da informação no processo de manutenção da pobreza ou do desenvolvimento sócio-econômico. A pesquisa “Ceará Ano 2000” mostrava que a situação de pobreza se agravava, enquanto o relatório do Banco Mundial, publicado na mesma época, denunciava que o principal fator responsável pelo crescimento da pobreza no Brasil, além da má distribuição de renda, é o mau gerenciamento dos recursos públicos, aplicados em políticas sociais equivocadas.

 

Chamar a atenção para o envolvimento da sociedade civil no esforço de superação da situação de pobreza cearense tornava-se cada vez mais fundamental. No painel “Transformação, Participação e Imaginário Popular”, discutiu-se os obstáculos de natureza cultural inerentes à estrutura de valores predominante na cearensidade. A pesquisa apontava que havia o desejo de mudança, mas ao mesmo tempo denunciava o vulnerável grau de organização. “Crise na Democracia Representativa” foi o módulo que tratou da descrença ou indiferença dos cearenses com relação às instituições políticas. Lideranças, partidos políticos e eleições não apareciam na pesquisa como instrumentos importantes para a alteração do quadro de penúria, ainda que tenha aparecido nos poderes públicos a maior expectativa de melhoria da população cearense. Situação que, segundo o cientista político José Filomeno de Moraes Filho[105], é um traço preocupante da realidade sócio-política estadual.

 

Eram indicadores que paradoxalmente reforçavam a existência de alternativas estimuladoras da consciência crítica e da mobilização social. Afinal, 60% dos cearenses ouvidos na pesquisa “Ceará Ano 2000”, a despeito de reconhecerem que tudo piorou, tinham esperança de que na década seguinte haveria prosperidade. Com a indagação “Uma Lucidez Chamada Sobrevivência?” foi trabalhada a discussão sobre esse comportamento concomitantemente alienado e desejante. Buscava-se indícios do sentimento oscilante que a consulta científica localizou entre o desespero da falta de oportunidade para a operação da vida e a crença num futuro melhor, como uma provável sabedoria de defesa do suicídio civilizatório.

 

O circuito de discussões pelos municípios cearenses, que contavam com alguma estrutura básica das cinco universidades apoiadoras, agitou o cenário político mais uma vez. O ano de 1990 era eleitoral e mexer com consciência política, principalmente nesses períodos, é via de regra visto como gesto de perigo.

 

“Aos poderes, macros ou micros, instalados ou não, em geral só interessa a opinião pública quando dela podem servir para apadrinhar suas próprias opiniões (…) A assunção da autonomia e da liberdade pode conduzir os poderes, por conveniência ou por convicção, a assumirem os desafios de uma relação dialógica, ou pode remeter a rupturas gestadoras de novos diálogos. Esses são os riscos do exercício da liberdade”[106].

 

O diretor do Instituto Equatorial defendia o não-enquadramento da sociedade na ótica do Estado, sob o argumento de que permanecer como cria deste leva a sociedade a aceitar uma relação patológica indesejável. Apesar de dizer que a pesquisa não tem interesses eleitorais, e muito menos partidários, Pedro Albuquerque ressalta a importância da divulgação destes dados no atual momento de campanha política. Segundo ele, a expectativa do Instituto Equatorial é de que, a partir dessa publicação, os mais variados segmentos da população cearense se envolvam na discussão, avaliação e formulação de propostas para mudar todo o quadro que configura a pesquisa”[107].

 

Mesmo considerando a pesquisa como leitura imprescindível para os candidatos, o jornalista Ítalo Gurgel lembra que essa radiografia objetiva das condições psicossociais do cearense “não pode ser vista como um guia para candidatos em campanha. É algo muito mais sério e honesto. Entretanto, a discussão que ela suscita seria profundamente enriquecedora – e didática – se incorporada ao debate eleitoral”. Gurgel advoga que o desafio colocado aos setores da sociedade interessados na evolução do processo formador da participação cidadã no Ceará é o de “descobrir passagens na muralha de desconfianças”[108].

 

Ainda que se tratasse de um trabalho de investigação científica com o objetivo de aflorar o sentimento interpretativo da gente cearense, sobre a sua própria realidade nos últimos cinco anos e sua visão para a década seguinte, o clima de medo de participar era visível em todas as regiões. As pessoas tinham receio de contrariar os governantes. Ter acesso à informação era quase um pecado. Participar do debate, então, cheirava a heresia no vacilo de muita gente. O cientista político Domenico Barttocchio, comenta a importância dos espaços públicos intercomunicativos nos quais o Equatorial levava a pesquisa para depuração, revisão, acréscimos e vitalização pelo calor da discussão, reforçando que

 

“A prática permanente de concentração e da sonegação das informações, alma do poder despótico e burocrático que redunda na práxis manipulatória dos cidadãos, deve ser contestada, negada e superada com a instauração ou restauração da desconcentração das informações pela discussão ampla, aberta, pública, como caminho moderno para a construção da democracia”[109].

 

O incômodo do Governo do Estado com a discussão dos indicadores anunciados pela pesquisa “Ceará Ano 2000” aparecia através da desqualificação dos dados e enfoques, ao mesmo tempo em que, “casualmente” eram reforçados pela mídia os elevados índices de aceitação da administração pública estadual desvelados pelas estatísticas tradicionais. Ao comentar, por exemplo, o resultado da pesquisa do Ibope que brindava o seu governo com 85% de aprovação, Tasso Jereissati aproveitava para dar o seu recado, dizendo que todo aquele reconhecimento era muito gratificante porque o povo, acima de tudo, entendia a sua luta”[110].

 

Os posicionamentos contrários eram apontados pelo governo como parte das adversidades encontradas por um “projeto de mudanças que geralmente gera incompreensões da parte de quem não quer ver o Ceará se desenvolver”[111]. Diante do artifício utilizado pelo Governo para se ausentar das discussões e se comunicar com a população através dos canais unidirecionais dos meios de comunicação, o colunista político Fernando Maia escreveu que

 

“Está causando espécie junto à opinião pública cearense a reação do governador Tasso Jereissati em aparições diárias pela televisão, afirmando que tem sido difamado, agredido e injustiçado, procurando transformar-se numa vítima (…) Procura-se descobrir onde houve qualquer tipo de difamação ao sr. Tasso Jereissati em qualquer lugar. O que deve estar ocorrendo ao Governador e o que bate nele é o peso da sua própria consciência (…) uma consciência que está sendo reclamada, questionada por uma realidade extremamente agressiva. Uma realidade que o Instituto Equatorial apenas refletiu em números ao demonstrar que a qualidade de vida dos cearenses piorou sensivelmente”[112].

 

As ações promovidas pelo Instituto Equatorial eram pouco aproveitadas como subsídios para as políticas públicas. O processo mobilizador tornara-se o grande produto alcançado por aquela ONG. Estudos como o que revelou a disparidade entre o crescimento econômico e os indicadores sociais cearenses, na década de 80, patrocinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, [113] eram amplamente divulgados pela imprensa mas de pouco aproveitamento por parte dos poderes públicos.

 

O Instituto Equatorial contribuiu fortemente para o desenvolvimento da percepção de que no campo gerado pelo encontro das esferas dos poderes públicos, do terceiro setor e da sociedade civil, era possível o exercício da gestão compartilhada, com base na formação da cultura política. O ensejo para essa visão foi fomentado através da organização de cursos para o aperfeiçoamento de quadros técnicos na área social e o desenvolvimento de trabalhos relevantes na área de fortalecimento cultural e do meio ambiente.

 

No Equatorial tinha-se também o entendimento de que a partir da melhoria dos municípios seria mais viável contribuir para a sustentabilidade do desenvolvimento nacional. Nesse sentido, foi realizada outra ação de grande impacto no Ceará com a promoção da discussão sobre as dez administrações municipais, consideradas exemplares, por sua forma diferenciada de fazer política, pelo nível de participação popular e, principalmente, pelos efeitos da gestão dos recursos públicos em benefício da coletividade. Essas movimentações, denominadas “Oficinas da Ação e da Palavra”[114], resultaram ainda na publicação do livro “Governar para as peculiaridades”, que teve prefácio do municipalista Américo Barreira. Por ocasião do lançamento – realizado no auditório ao ar livre que ficava na parte de trás da sede do Equatorial, na rua Conselheiro Tristão, 1479, em frente a Praça Argentina Castelo Branco – Barreira estava com um problema de saúde que o impedia de ficar em pé, mas, teimoso e emocionado, falou sem se sentar o quanto agüentou, contando e recontando que o municipalismo nasceu no Brasil com a descoberta do próprio país, com a vastidão territorial e a insignificância da população colonizadora.

 

Américo Barreira defendia que o município tinha resistido no Brasil simplesmente porque a metrópole distante era muitas vezes menor que o país descoberto. Dizia que o governo português não tinha condições de governar um território continental tão exuberante, por isso o Brasil “governou-se por si mesmo, através do município ou da intendência da Câmara Municipal, que era o poder legislativo, executivo e fiscal, que era tudo no Brasil”. Para os céticos, repetia com ênfase: “E governou-se bem”.

 

“Com a colônia, com o primeiro e o segundo reinado, o municipalismo foi cultivado no país por grandes homens. Mas isto aconteceu sem um direcionamento mais concreto em busca de soluções. Mais tarde, um deputado estadual do Ceará, no fim do segundo reinado, chamado Domingos Jaguaribe (eu acho que não tem nenhuma rua em Fortaleza com o seu nome), proferiu uma série de discursos na Assembléia Legislativa do Ceará, pregando a solução brasileira pelo municipalismo e dizendo o que hoje continuamos a dizer. Tudo o que existe está no município, nada no Estado ou na Nação. Nada na União, só no Município”[115].

 

O que mais parecia indignar o espírito de sonhador pragmático que movia Américo Barreira era ver o Brasil ser “governado de cabeça para baixo”. Ele criticava o fato das políticas nacionais não partirem das realidades municipais, mas de determinações de gabinetes que se espargiam pelo território nacional. Planos e mais planos que sempre foram traçados no governo central e quase nunca encontravam ressonância no cotidiano da população. “Ninguém acreditava que um municipiozinho lá nos confins do Ceará pudesse ter uma opinião que valesse ser escutada, muito menos atendida”[116]. A inversão desse olhar tradicional e vesgo, defendida pelo saudoso municipalista cearense, ajustava-se perfeitamente ao desiderato do Equatorial de valorizar o que havia de bom nos municípios a fim de multiplicar olhares, desejos e maneiras de tratamento da gestão pública.

 

A valorização do desenvolvimento local permeava as discussões no Equatorial desde 1989, quando o diretor Pedro Albuquerque representou a instituição no seminário internacional “Poder Local e Reformas Sociais”, realizado na capital paulista, de 22 a 25 de maio daquele ano, numa promoção do Cedec, USP e Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O intercâmbio de experiências criativas desenvolvidas pelas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Kiev (Rússia), Bolognha (Itália), Barcelona (Espanha), além de São Paulo, inspiraram as “Oficinas da Ação e da Palavra”. Mais que isso, ensejaram o apuro da compreensão de que “a participação assume graus e formas diferenciadas de acordo com a história, cultura política e experiências institucionais de cada local”, que “a cidade deve ser dotada de um plano estratégico discutido e aprovado pelos cidadãos” e que “os novos canais de participação devem ser complemento e fortalecimento da representação e não sua elisão”[117].

 

A produção de documentos-síntese das notícias e análises veiculadas pelos meios de comunicação, com o objetivo de facilitar a leitura dos fatos e contribuir para a formação do olhar das pessoas, variava entre assuntos ligados à saúde pública, como a problemática do cólera[118] e a conflitos internacionais, a exemplo do opúsculo sobre a Guerra do Golfo Pérsico[119]. A produção de documentos, com temas políticos nacionais, também tinha grande força no Equatorial, com destaque para a síntese das palestras a respeito dos seis meses do Plano Collor[120]. A exposição pública de recortes de jornais com temas polêmicos, muitas vezes abafados por setores da imprensa, também fazia parte da estratégia de informação compartilhada do Equatorial. A mais impactante dessas mostras foi a colocação de amplos painéis na Praça do Ferreira, com matérias dos principais jornais brasileiros a respeito do massacre de 111 presos no Carandiru, em 1992[121]. As pessoas ficavam impressionadas e muitas perguntavam se os organizadores daquela manifestação não tinham medo de serem agredidos e expulsos da praça.

 

Inovar no processo mobilizador era a tônica do Equatorial. Ao promover o concurso “Juventude e Cultura Ecológica”, para jovens de 14 a 20 anos, incluiu ao lado da Música, o Humor (charge e cartum) e Discurso. Foi um sucesso e os primeiros colocados de cada categoria foram levados a San José, na Costa Rica, para participarem da Conferência Mundial da Juventude, preparatória para a Eco 92. Com organização do compositor Calé Alencar e do escritor Gilmar Chaves, o tema do concurso foi “Desenvolvimento, Conservação do Meio Ambiente e Erradicação da Miséria nas Regiões Semi-Áridas”[122]. Para fechar esse conjunto de ilustrações do tipo de ações praticadas pelo Instituto Equatorial, ressalto ainda o projeto “Indicadores de Desenvolvimento e Desigualdades”[123] sobressaiu-se pelo aprofundamento, a partir de dados secundários de fontes oficiais, entre crescimento econômico e seu impacto social na década de 80. Este tipo de publicação tinha como propósito chamar a atenção dos governos e da sociedade para que, diante da realidade nua, procurassem superar as tradicionais medidas paliativas e assumissem posturas voltadas para a implementação de políticas públicas mais eficazes.

 

O Instituto Equatorial clamava pelo engajamento de toda a sociedade no processo de superação das desigualdades. Alertava para uma catástrofe conhecida nos debates da instituição como “suicídia” – que seria um país com características de Suíça, mas cercado por bolsões de miséria. Invocava a elite a se engajar no combate à exclusão, até mesmo porque, como ilustrava o diretor Pedro Albuquerque, “a fome já está se tornando disfuncional para o sistema, porque deixou de criar consumidores para aquilo que é produzido e passou a gerar uma economia preventiva contra os conflitos sociais (…) É preciso desconcentrar a renda, até como forma de transformar o Brasil num país verdadeiramente capitalista (…) Não se concebe viver tranqüilo quando se gera um patrimônio ao lado de milhões de miseráveis”[124].

 

O Instituto Equatorial encerrou suas atividades em 1995, insistindo em manter-se fundamentalmente com recursos locais, partindo da compreensão de que a riqueza gerada no Brasil é grande e, por isso, organizações como o Equatorial têm condições de atrair recursos e apoio locais para a sua manutenção.

 

CULTURA DA COOPERAÇÃO

 

O primeiro governo Tasso Jereissati (1987-1990) – parte PMDB, parte PSDB – conseguiu ser aplaudido pelo equilíbrio das finanças e pela correção dos desmandos burocráticos que consumiam a administração pública no Ceará. Mas o vácuo da relação com a sociedade era um problema a ser enfrentado pelo seu sucessor, Ciro Gomes (PSDB). O novo governador, mesmo eleito como o apoio de Jereissati, não tinha a simpatia do empresariado e começava a sua gestão em clima de conflito. Foi então que o empresário Amarílio Macêdo e o economista Osmundo Rebouças propuseram ao governador fazer o Pacto de Cooperação, “adotando uma visão de sistema, com avanços na direção de iniciativas que pudessem associar empresários capazes de propor ao governo saídas para a crise, congregando a totalidade dos agentes sociais“[125].

 

A palavra “pacto” estava bastante desgastada nacionalmente pelo uso contraditório, entre a retórica e a ação, que o Governo José Sarney (1985-1990) havia feito dela nas suas tentativas, sem sucesso, de implementação do “Pacto Social” brasileiro. No primeiro momento, a mobilização cidadã que nascia no Ceará foi chamada de “Pacto de Cooperação com o Setor Produtivo”, por ter sido lançada oficialmente pelo governador Ciro Gomes, em solenidade realizada no dia 22 de outubro de 1991, no Palácio do Cambeba.

 

Por muito tempo o movimento ficou carimbado de “Pacto Governo-Iniciativa Privada” ou “Pacto Empresa-Governo”. Na matéria em que anuncia que os empresários cearenses seriam convidados a participar dessa ação conjunta, o jornalista Flamínio Araripe reporta que “após a reunião, com a adesão dos empresários presentes, será formado o Grupo Geral do Pacto de Cooperação (GGPC), que será composto pelos empresários e membros do Governo. Os membros do GGPC formarão, por sua vez, Grupos Setoriais do Pacto de Cooperação (GSPC), por segmento da economia, com empresários convidados e que tenham relevância para o setor”[126].

 

A intenção de abertura para a participação dos demais segmentos da sociedade foi reproduzida na logomarca desenvolvida pelo designer Geraldo Jesuíno da Costa. Duas elipses se entrecruzam, deixando várias frestas e arestas nos dois campos fundadores para acolher novas interligações. Em equilíbrio dinâmico, o desenho repousa sobre a expressão “Pacto de Cooperação”. Estava pronto o símbolo de mais uma movimentação incomum da cearensidade na busca de emancipação da cidadania.

 

Não demorou muito e a idéia de parceria com base na cooperação foi acolhida por diversos níveis dos poderes públicos, de centros de pesquisas, universidades, movimentos comunitários, organismos nacionais e internacionais. Não houve mágica, apenas disposição para o diálogo e o respeito ao outro, num processo cumulativo de movimentação própria. Algumas máximas foram sendo construídas como resultado da sinergia da aproximação desarmada: “Com confiança, o interesse comum une diferentes” e “Tudo acontece num sistema de inter-relações”. A discussão sistemática foi quebrando preconceitos, revolvendo paradigmas e definindo os valores que norteavam a eleição de prioridades: “visão de longo prazo, pluralidade, pragmatismo, visão sistêmica, coragem de inovar, exemplaridade, complementaridade, efeito multiplicador, sentido social e postura ética”[127].

 

A idéia de convidar coordenadores setoriais não vingou. Muita gente aceitava ou se oferecia com a intenção de tirar proveito individual. Naturalmente esse modelo acabou sendo alterado para outro que privilegiava quem assumisse os encargos e não o cargo de coordenar. As conseqüências foram além do esperado e o Pacto de Cooperação aflorou nos mais variados campos setoriais, temáticos e regionais. De mudanças concretas de flexibilização tributária a desenvolvimento de conceitos delineadores de cadeias sócio-econômicas, foi possível retirar crostas e gargalos que obstruíam a evolução do conjunto de gestão pública formado simultaneamente pelo encontro das partes do governo, do mercado e da sociedade civil.

 

Os coordenadores do Pacto de Cooperação faziam incontáveis reuniões de imersão, em finais de semana e feriados, quase sempre com convidados especiais, para lapidação das novidades que a participação proporcionava dia após dia. Eram realizados, regularmente, grandes encontros no Palácio do Cambeba, com a presença do governador Ciro Gomes. Conforme a pauta, ele convocava o secretariado e tomava decisões ao calor das discussões. “As soluções compartilhadas começaram a surgir, a exemplo da Proposta para o Sistema Universitário Estadual, apresentada em 1996 ao Governador do Estado, como um modelo integrado de gestão para o ensino superior, que resultou na formação de uma cultura de planejamento estratégico no meio universitário estadual”[128].

 

O grande mérito do Pacto nesses encontros era poder demonstrar publicamente que existem tantas coisas possíveis de serem realizadas desde que haja a disposição de cooperar. A esse caráter de grandeza do olhar, o fundador do movimento, empresário Amarílio Macedo, sustenta em artigo publicado na revista do Instituto do Homem, de São Luís, que a mais importante transformação do Pacto é o despertar nas pessoas de que o Ceará é um Estado cheio de riquezas, de excepcionalidades positivas que precisam ser melhor utilizadas para a elevação do padrão de vida da maioria da população.

 

“Nascemos sem expectativa de criar oportunidades porque a nossa consciência foi formada com base na idéia de que somos indivíduos de um lugar fadado à pobreza crônica. Diante deste quadro de aprisionamento da criatividade, de paradigma irreal, é fundamental que passemos por uma mudança cultural capaz de adotar concepções compatíveis com a nossa capacidade de construir um cotidiano digno”[129].

 

O Pacto de Cooperação passou a proporcionar uma força de catálise para a participação da sociedade, trabalhando sempre nas fronteiras da paz. Se um problema implicava em rupturas que poderiam desfazer o sentido de rede de cidadania, criado organicamente ao longo dos anos, os coordenadores recuavam e esperavam o momento mais adequado para avançar na questão. A paciência exercitada pelos integrantes do movimento recaia no entendimento de que existem incontáveis situações cotidianas que necessitam de soluções criativas e cooperadas para evoluírem em favor do interesse comum. Havia, portanto, o senso da hora do freio e da aceleração, conforme o momento e o tamanho da tarefa a ser desenroscada. Ir ao encontro e nunca de encontro era o aforismo que resumia a tática do movimento.

 

Foi o caso do problema do Projeto Sanear, iniciativa de saneamento realizada pelo Governo do Estado na cidade de Fortaleza. As administrações públicas da Capital e do Estado não chegavam aos entendimentos necessários e a população vinha sofrendo os efeitos dessa divergência. Várias tentativas foram provocadas pela coordenação do Pacto, mas nenhuma das partes responsáveis pelos impasses considerava a possibilidade de respeitar ou ser respeitada pela outra. “O prejuízo desse descompasso vinha recaindo no desconforto dos usuários do sistema de esgotos e das áreas de trânsito de Fortaleza. Os participantes do Pacto de Cooperação promoveram um café da manhã especial e convidaram o secretário de planejamento do município e a secretária de desenvolvimento urbano do estado para que fossem esclarecidos os motivos do impasse”[130]. A verdade é que o único problema grave identificado foi a falta de diálogo. Depois desse dia até o prefeito encontrou-se com o governador para tratar do assunto e a questão foi superada.

 

A precaução para evitar desgastes desnecessários ao funcionamento do Pacto de Cooperação era tomada com antecedência a cada momento eleitoral. O movimento não se envolvia com campanhas políticas. Entrava em recesso nos meses de eleição ou, nesses períodos, pautava para as suas reuniões temas mais abrangentes e de visualização de horizontes mais distantes, do tipo “O Ceará que queremos”.

 

Desses momentos de parada para pensar o longo prazo ganhou destaque a proposta do Projeto de Desenvolvimento Sustentável – Ceará 2020, que nasceu em uma reunião da coordenação, ocorrida em julho de 1993, no auditório da sede do Grupo J. Macedo, na rua Marcos Macedo, 222. Um encontro de visão do futuro que teve a participação de reitores, secretários de Estado, técnicos em planejamento e lideranças empresariais. O objetivo principal era aproveitar o ano de 1994, que seria eleitoral, para promover uma reflexão sobre as transformações estruturais e culturais na sociedade cearense que consistissem em crescimento econômico associado a uma distribuição justa de renda, participação de todos os segmentos sociais nas decisões coletivas e compromisso de manter essas conquistas para as gerações futuras. “Após esse exercício inicial, a propagação da crença na viabilidade do Ceará pela mudança de comportamento humano e pela disponibilidade de recursos naturais, despertou a necessidade da construção compartilhada do futuro”[131].

 

O primeiro exercício de construção da visão Ceará 2020 foi realizado dias depois numa ampla reunião no Hotel Colonial, na rua Barão de Aracati, 145, quando os participantes listaram sugestões de ações a serem realizadas de imediato para se começar a tornar realidade o futuro projetado. Dentre os pontos numerados, o primeiro deles era “obter do Governo o início do Planejamento Estratégico”, compromisso que foi assumido pelo governador Ciro Gomes na reunião de 27 de setembro de 1993, no Palácio do Cambeba. “Por outro lado, o Pacto de Cooperação iniciou, nos cafés da manhã de 10 e 17 de janeiro de 1994, o exercício de pensar as Idéias-Força e os Temas Estratégicos para a construção do Ceará 2020 (…) O Pacto de Cooperação deu continuidade ao Projeto Ceará 2020 desenvolvendo ensaio para produzir uma metodologia apropriada à captação da visão das diversas classes sociais e regiões do Estado (…) A metodologia desenvolvida passou a ser adotada pela Secretaria de Planejamento do Estado”[132].

 

O consultor Cláudio Frischtak, que havia trabalhado no planejamento de Barcelona e no Projeto Viva Rio, esteve em vários momentos dessa discussão, defendendo a parceria entre os agentes com capacidade de transformação da sociedade para a competitividade. Em depoimento reproduzido no nosso livro Gestão Compartilhada, ele lembra que

 

“O mecanismo básico e mais difícil de se obter é a formação de um bloco de interesses da cidadania, nada fácil por ser fruto de um processo histórico. As experiências de outros países mostram que essa conjunção, essa aglutinação cidadã em torno de projetos de natureza estratégica, não nasce da noite para o dia (…) É essencial que se formem pactos e minipactos, apoiados por blocos de interesses cidadãos, em vez dos calhamaços de projetos impostos de cima para baixo”[133].

 

O maior achado dessa ação de cidadania foi a idéia de que o produto de todo esse mutirão de planejamento e praticidade é o próprio processo. Ou seja: a mobilização das pessoas, o encontro de quem está sonhando com o bem-estar social, a troca de impressões e a cumplicidade sadia na organização dos desejos têm em si um caráter de forte renovação de padrões culturais. O exercício da configuração do futuro compartilhado não almeja um produto final acabado, mas uma série de valores participativos que são testados durante o curso da parceria solidária entre diferentes e autônomos.

 

Esse comportamento inspirado na crença do coletivo acrescenta à legitimidade da democracia representativa o instrumento indispensável da participação. “Quem quer discutir o ano de 2020 no meio de uma campanha eleitoral? Isso é o que vão descobrir em 1994 os líderes do Pacto de Cooperação, um grupo que se reúne a cada 45 dias com o governador do Ceará, influi na escolha do reitor da universidade estadual, propõe pautas para o governo, negocia reduções de impostos”[134], perguntava e ao mesmo tempo respondia a imprensa do Sudeste. A matéria do Estadão lembrava ainda que o Pacto de Cooperação participara da montagem da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará, com assessoria da Unicamp, estimulando as linhas de pesquisa selecionadas, voltadas principalmente ao estudo do semi-árido. Este tipo de resultado, derivado da mobilização pela convergência de interesses, chamou a atenção de lideranças da maioria dos estados brasileiros e de Portugal, Espanha, Canadá, Moçambique, Estados Unidos e Alemanha, que passaram a visitar o Ceará e a convidar coordenadores do Pacto para conferências.

 

MESA DO TRABALHADOR

 

A despeito da idéia do Pacto de Cooperação ter conseguido uma certa transfiguração na linguagem de parte expressiva dos setores do Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil, a associação do movimento ao Governo e aos empresários não deixou de ser um grande estorvo para a participação dos trabalhadores. Por mais abrangente que tenha se tornado a teia do Pacto a desconfiança das lideranças operárias permaneceu como fator limitante na catálise provocada pela complementaridade de autônomos. No livro “Os 5 Elementos”, ensaiamos uma razão para esse distanciamento: “O próprio Pacto de Cooperação ainda enfrenta resistências por ter nascido de uma necessidade de ajustes na relação entre governo e empresários. Essa gênese tem dificultado, por exemplo, uma participação mais ampla dos trabalhadores”[135]. No prefácio do mesmo livro a economista Tânia Bacelar reforça que das insuficiências dessa ação de cidadania “talvez a mais importante delas, pelos propósitos mesmo do Pacto, seja a modesta participação de trabalhadores. Sem eles, corre-se sempre o risco de construir um pacto de elites – muito usual no Brasil –, só que com outra forma de atuar”[136].

 

Não existe um conceito comum de desenvolvimento que atenda as aspirações do mercado e da sociedade. A tendência mais generalizada costuma confundir desenvolvimento com crescimento econômico, enquanto amplia-se a consciência por uma economia solidária inspirada na evolução do bem-estar coletivo. As controvérsias envolvem ainda o conceito de trabalho, o estágio de preparação técnica da população, a malha de organização social, os recursos naturais e culturais que dispõem e a forma como cada comunidade compreende a vida.

 

Independente do tipo de compartilhamento possível, escolhido pela sociedade, a opinião de Enrique Del Río, coordenador do Proempleo, em Madrid, considera necessário conhecer e dominar a situação relativa a emprego e desenvolvimento local. Seguindo a essa linha de raciocínio, a Mesa do Trabalhador precisaria mesmo iniciar sua ação pela definição e investigação dos objetivos e dos resultados dos planos de desenvolvimento existentes e comparar até onde eles se ajustariam também aos anseios dos trabalhadores. Para identificar se há ou não desenvolvimento, Enrique sugere que se tenha atenção a algumas características que servem de referência:

 

“Se responde as necessidades da população, se busca inter-relações e fomenta a solidariedade (…) Se aumenta progressivamente a consciência dos envolvidos, elevando o nível cultural, favorecendo à autonomia e o crescimento pessoal (…) Se oferece perspectivas de futuro, se dá sensação de solidez e transmite segurança às instituições (…) Se é constante, permanente e sustentável (…) Se gera riquezas para todos, através de atividades econômicas e do trabalho de todos, observando ainda as diferenças de capacidades, circunstâncias e esforços individuais (…) Se manifesta harmonia entre os diferentes setores e níveis socioeconômicos e políticos, eliminando contradições sociais e econômicas (…) Se educa e vive de forma saudável e promove o equilíbrio com a natureza (…) Se estimula todas as artes e se tem identidade cultural”[137].

 

O abismo de preconceitos identificados na relação capital e trabalho foi objeto de duas reuniões reservadas ocorridas entre os empresários Amarílio Macêdo, Lima Matos e Pio Rodrigues Neto e oito lideranças representativas de trabalhadores, cujos nomes não foram autorizados a serem divulgados. As reuniões, engendradas no interesse de identificação de uma consistente agenda comum, aconteceram sem êxito, em 1993, na sede do Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea, localizada na Praça Argentina Castelo Branco. O caráter cauteloso desses encontros atestava a dificuldade no estabelecimento do diálogo entre os coordenadores do Pacto de Cooperação e os trabalhadores. O máximo de avanço alcançado nessa tentativa foi o próprio consenso de que o propósito da aproximação teria como fim o esforço individual dos participantes para medir até que ponto haveria sentido bancar a idéia nas suas entidades de origem. O tom das conversas era professoral, com os empresários tentando sobressair sua lógica na condução do debate e isso acuou os trabalhadores que, apesar de serem presidentes de sindicatos, não estavam naquela ensaio de entendimento em nome dos seus representados.

 

A priori, o fato de cidadãos se reunirem para tratar de um tema tão importante para as suas categorias e para toda a sociedade, quanto à participação, não deveria apresentar qualquer risco de impertinência. No âmbito do empresariado, a notícia desse tipo de encontro, mesmo que supostamente viesse a causar qualquer desconforto entre os pares, o empresário tem sempre na empresa uma base sólida para retornar. Já no meio sindical, a liderança possui como capital apenas a confiança que os seus liderados depositam nas suas atitudes. Chamuscado por qualquer mal-entendido ele não tem para onde voltar, senão ao posto de trabalho que pertence ao patrão.

 

A sensação de que os trabalhadores, ficando fora do aprendizado resultante do exercício contínuo da catálise de agentes autônomos, experimentada no ambiente do Pacto de Cooperação seria um prejuízo para a mobilidade social no Ceará e, considerando ainda as visíveis dificuldades dessa aproximação, levou um grupo de pessoas[138] a esboçar uma possibilidade de articulação que permitisse aos trabalhadores ficarem à vontade para participar do processo de ampliação do diálogo social. As reuniões eram abertas e cada participante se fazia presente como cidadão. Era o ano de 1993 e os encontros aconteciam em cafés-da-manhã no Hotel Sol, da rua Barão do Rio Branco, nº 829, no centro histórico de Fortaleza, e em almoços no restaurante do Clube do Advogado, localizado no segundo andar do nº 175 da rua Guilherme Rocha, esquina com a Praça do Ferreira.

 

Da intenção de conceber esse espaço de bem-estar para a participação dos trabalhadores, nasceu o que se convencionou chamar de Mesa do Trabalhador. A Mesa seria um fórum espontâneo de discussões sobre o desenvolvimento do Ceará a partir da ótica do trabalhador. Um tipo de ponto de encontro de pessoas comprometidas com questões sociais, econômicas, políticas e culturais, sem vinculações partidárias nem corporativas. Algo que tivesse a competência de alcançar também os trabalhadores excluídos da esfera de vínculo formal das empresas, dos sindicatos e dos partidos políticos. Em referência ao movimento sindical parecia consensado que “os sindicatos precisam sair do corporativismo e discutir questões e problemas gerais da população e não apenas o que interessa a cada categoria”[139].

 

O ponto de partida dessa ação seria a busca da compreensão do papel do trabalhador na sociedade e na sua relação com organizações empresariais, governos, parlamentos, instâncias judiciárias, universidades, organizações não-governamentais, agências nacionais e internacionais de financiamento, instituições oficiais de fomento, associações, movimento sociais e sindicatos, bem como o papel dos seus representantes em cada uma dessas áreas, dentro de uma visão de longo prazo. A premissa maior para a mobilização das lideranças dos trabalhadores a fim de compor a Mesa remetia as seguintes razões:

 

“A situação do trabalhador ao longo de cinco séculos de colonização tem sido conflituosa e perversa forçando-o a direcionar suas energias mais para evitar o que não quer do que no sentido de encontrar saídas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Os esforços dispensados à luta cotidiana acabam não deixando espaços para pensar questões de longo prazo, criando assim uma espécie de cultura da resistência, predestinada a não exercer ações de desenvolvimento. Não obstante a essa ausência de um projeto social prático capaz de provocar conquistas reais de convivência é comum também a existência de descompassos entre os representantes eleitos pelos trabalhadores e a expectativa por eles gerada. Essa incompreensão precisa ser urgentemente clarificada para o melhor aproveitamento da ação dos que se dispõem a lutar por causas de interesse do trabalhador”[140].

 

Perpassando três reuniões ampliadas, que aconteceram por volta das 16 horas, nos dias 7 e 21 de outubro e 4 de novembro de 1993, no Clube do Advogado, foi aprovada a proposta síntese da Mesa do Trabalhador e pensados alguns temas que seriam levados a debate por ocasião do lançamento da Mesa prevista para janeiro do ano seguinte. Assuntos não faltaram: o trabalhador e a segurança pública; Contrato Coletivo de Trabalho; riscos do modelo da política industrial em fase de implantação no Ceará; efeitos da reestruturação produtiva; política sindical; transporte coletivo decente; privatizações; concentração de renda; atenção às realidades regionais e outros tantos referentes à questões de alimentação, água, energia, moradia, saúde, educação e cultura.

 

Depois de reunido um sem-número de temas percebeu-se que havia uma questão anterior. O mais essencial no primeiro momento talvez fosse a identificação das dúvidas que rondam a cabeça dos trabalhadores. Quais seriam as interrogações? Onde estariam as informações que as responderiam? Como se poderia contribuir para elevar o nível de conhecimento das lideranças sociais a fim de que pudessem estar sempre mais e melhor preparadas para argumentar e defender os interesses dos seus representados, em qualquer fórum de discussão ou no embate político cotidiano? De que forma se poderia promover uma ação convergente, inspirada no companheirismo e no espírito solidário cada vez mais distantes no dia-a-dia da luta pela sobrevivência?

 

Chegou-se a algumas pistas que não foram plenamente convincentes. A Mesa do Trabalhador poderia conclamar logo de saída a todas as pessoas dispostas a pensar e discutir perspectivas sociais com base em princípios éticos, de justiça e inspiradas no respeito às diferenças, sem qualquer vínculo com cargos, posições ou hierarquias. Essas pessoas poderiam se reunir freqüentemente para discutir assuntos de interesse comum, sempre partindo da realidade e do olhar do trabalhador. “A Mesa do Trabalhador é uma necessidade de encontros, portanto não cabe a essa ação mexer com divergências político-partidárias ou de tendências. O estímulo a desencontros não é uma função desse espaço democrático”[141]. Cogitava-se em fazer reuniões itinerantes no ano seguinte, mas 1994 foi um ano de eleições e o grupo nem sempre formado pelas mesmas pessoas não parecia convicto de que tinha descoberto um bom caminho para esse grande desafio.

 

DESENVOLVIMENTO INTEGRADO E INCLUDENTE

 

Passada a administração Ciro Gomes (1991-1994), retorna ao Palácio do Cambeba o governador Tasso Jereissati, eleito com o apoio de Ciro. No final do novo mandato (1995-1998) Jereissati se reelege como candidato de si mesmo (1999-2002). Obedecendo ao estilo de líder político pouco afeito a mobilização da sociedade que não seja oficialmente controlada, Tasso investiu na criação de Conselhos de Participação, premiando o propósito de integração defendido pelo Pacto de Cooperação, mas relegando o movimento a planos secundários na agenda de compromissos com a cidadania. Chegou a receber os integrantes do Pacto em seu gabinete, mas numa relação fria e sem grandes conseqüências. Por outro lado, vários de seus secretários, alguns deles inclusive oriundos dos núcleos de discussão do movimento, mantiveram sem proibições visíveis boa aproximação com a rede de cidadania do Pacto de Cooperação.

 

A ausência da figura do governador, na sistemática de sustentação da rede de mobilização do Pacto, converteu-se espontaneamente na abertura de espaços alternativos para novos atores e, principalmente, novos caminhos para a ação. A teia do movimento ganhou mais e mais nós, vínculos e interligações nas suas zonas temáticas e setoriais, ampliando a área de gestão compartilhada para o interior do Estado. A expressão “Gestão Compartilhada”, nutrida na ambiência do Pacto de Cooperação, como conexão de agentes autônomos complementares que cooperam para alcançar objetivos convergentes, passou todavia a ser incorporada aos discursos oficiais de participação social, como uma espécie de consentimento da democracia representativa para a democracia participativa.

 

O que fez o Pacto ganhar notoriedade nacional foi o fato dele ser um instrumento oriundo da sociedade civil articulado no âmbito comum das esferas dos poderes públicos, do mercado e da própria sociedade organizada. Essa característica passou a ser percebida e reconhecida publicamente. O senador Lúcio Alcântara, em um dos folhetos de debate editados por seu gabinete, atesta que “Temos hoje, em nosso estado, várias iniciativas de acompanhamento, debate e influência sobre políticas públicas, entre as quais algumas vêm da própria sociedade, embalada pela idéia de cooperação, com autonomia. Entre essas sobressai a experiência do Pacto de Cooperação”[142].

 

A criação de conselhos setoriais, compostos por diferentes segmentos da sociedade, foi apresentada pelo Governo do Ceará como cumprimento de promessa de campanha. Assim, foram montados os Conselhos de Participação da Sociedade, de cunho consultivo: para o desenvolvimento sustentável, assistência social, segurança comunitária, saúde, cultura, trabalho, família, merenda escolar criança e adolescente. Todos monitorados por uma assessoria ligada ao Cambeba. O jornalista Fábio Campos, anunciou a decisão oficial, dizendo que “o Governo incentivará a criação de conselhos municipais envolvendo vários setores que ficariam responsáveis pelo relacionamento do executivo estadual com as prefeituras”[143]. É evidente que resultou em uma falácia. Os participantes cansaram de tanto serem consultados, de darem sugestões e de não verem nada acontecer. Desmotivados, foram se ausentando das reuniões e a arregimentação esvaziou.

 

No caso dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentado – CMDS – o governo criou um artifício de convencimento chamado Projeto São José, com recursos destinados a formação de associações que, com a ajuda técnica oficial, conseguiam energia e outros benefícios para as suas localidades, sem a necessidade de intermediários, reforçando assim a estratégia de institucionalização da participação e atendendo as exigências burocráticas do Banco Mundial. “Há evidências de que se o Projeto São José facilitou a experiência dos CMDS, oferecendo algo concreto para mobilizar as pessoas, ao mesmo tempo atrapalhou: muitas vezes o CMDS perdeu de vista a dimensão maior do desenvolvimento do município e direcionou sua ação apenas para os projetos com retornos imediatos”[144]. As questões regionais eram tratadas nos Conselhos Regionais – CRDS – e os projetos chamados de estruturantes ficavam a cargos dos secretários de Estado nos Grupos de Trabalho Interinstitucional – GTI – num carnaval de siglas isotrópicas.

 

O esforço de estabelecimento de canais para a relação do governo com a sociedade recebeu muitas críticas, mas também elogios. O deputado estadual Artur Bruno (PT) publicou um livro em parceria com o historiador Aírton de Farias e o jornalista Demétrio Andrade, no qual destaca o pioneirismo do Ceará na criação dos conselhos, chegando a considerar “louvável” a iniciativa do Cambeba, com destaque para os Conselhos de Saúde, criados no âmbito do Movimento Pró-Mudanças, antes da posse de Tasso Jereissati no seu primeiro mandato (1987-1990). Os autores endurecem na crítica ao que chamam de “truculência do governo em relação aos movimentos sociais organizados” e citam, entre outros, os episódios da repressão às manifestações sindicais por ocasião da reunião de cúpula do Mercosul, em Fortaleza, no mês de dezembro de 1996, e o conflito com os trabalhadores sem-terra, ocorrido em novembro de 1997, em frente à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), como exemplos do uso da força policial em detrimento do diálogo. No que diz respeito aos conselhos a avaliação final de Bruno e de seus companheiros é de total desapontamento.

 

“Os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Sustentável (CMDS) foram abandonados e os conselhos de participação criados no governo passado não mais funcionam. Os mecanismos de participação, sem prezar pela autonomia dos seus componentes, acabam virando um balcão de negócios onde a fidelidade aos pressupostos governamentais são a principal moeda de troca (…) Não se sustentaram, nem os CRDS, nem os GTIs e muito menos os Conselhos de Participação (…) Os CRDS não funcionaram porque, na prática, os deputados governistas tomavam assentos nas reuniões, a estrutura do conselho foi determinada de cima para baixo e o governo não atendia às demandas levantadas”[145].

 

No ano de 1998, quando da campanha de reeleição do governador Tasso Jereissati, o governo contrata a socióloga Celeste Cordeiro para elaborar um documento aprofundando o olhar sobre o sistema de participação no Ceará favorecido pela orientação governamental. O estudo examina entre pontos negativos e positivos, os obstáculos estruturais para uma gestão participativa e observa que “os Conselhos hesitaram frente às suas funções mais nobres, acossados pelo imediatismo personalista dos governantes, pela crônica falta de recursos, pela pobreza extrema das comunidades (…) Se os examinarmos com o rigor de parâmetros mais ambiciosos, podemos ficar desanimados”[146].  Estava dada a sentença da inoperância desse tipo de fórum imolado pelo ordenamento da espontaneidade. Enquanto isso, o Pacto de Cooperação funcionava ininterruptamente, desde 1991, sem correr os riscos do curto prazo e sem ter a chancela de uma das suas partes integrantes. Tem sentido, por conseguinte, o argumento de Amarílio Macedo no que diz respeito à questão da confiança e do grau de satisfação pessoal provocado pela participação em ambientes sinérgicos.

 

“A diferença dos processos que se iniciam nas intenções e ações coletivas está necessariamente na condição vinculada a uma grande e sistemática mobilização de pessoas, O comprometimento com o pensar assuntos de interesse da sociedade, através da aproximação de contrários complementares, gera confiança de propósitos e realizações compartilhadas em favor do desenvolvimento social, econômico, político, cultural e ambiental. Mais do que isso, brota nas pessoas envolvidas a satisfação de fazer parte de soluções inovadoras e de construção do futuro comum”[147].

 

O médico e antropólogo Antônio Mourão Cavalcante, declarou em artigo no jornal O Povo que inicialmente tinha vontade de ir aos cafés da manhã do Pacto de Cooperação porque era convidado insistentemente pelo então secretário executivo do movimento, João de Paula Monteiro. Apesar do respeito ao ex-líder estudantil, nunca dera certo. “No fundo eu acreditava ser apenas uma animação de empresários empolgados. Depois vieram os fóruns e os pactos. A coisa se alastrando pelo interior. E uma série de conquistas que trouxeram para a comunidade a impressão: isso funciona”[148]. Mourão explica que resolveu então participar da reunião anual de balanço e planejamento de atividades do Pacto, realizada em janeiro de 1998, na cidade de Juazeiro do Norte. A Juazeiro do Padre Cícero, no Cariri. Confessa que viu os relatores dos mais diversos grupos apresentarem ações de gestão compartilhada e reconheceu nos presentes as feições de quem está tomado por uma mística muito especial. “Descobri que o Pacto não é uma instituição. Para funcionar não precisa de diretoria, sede, birôs e computadores. É a espontaneidade em marcha”[149].

 

O coordenador do Pacto de Cooperação no Cariri, Cícero Pereira de Souza, descobriu o Pacto em 1992 ao cumprir, na condição de secretário de Estado, uma missão do então governador Joaquim Francisco, de Pernambuco. A intenção era adaptar no Recife as inovações do modelo cearense de gestão compartilhada. Não funcionou. Mas Cícero não deu a viagem perdida porque se juntou a outros filhos do Cariri e, em 1995, criaram um pacto para a região, com a participação da mais variada gama de lideranças. O Pacto do Cariri conseguiu inclusive o feito de conseguir sentar na mesma sala líderes de municípios historicamente divergentes.

 

O sucesso do movimento no Cariri fez com que cidadãos de outras regiões solicitassem apoio a Cícero Pereira para o conhecimento dos princípios do Pacto e adaptação dessa ação de cidadania às peculiaridades do Interior. E nesse rumo aconteceram muitos encontros de sensibilização dos quais germinaram novas instâncias do movimento.

 

“Aos poucos, essa realidade inovadora vai desmentindo uma característica atribuída aos brasileiros, que tem raízes na colônia. Raymundo Faoro, em seu livro “Os Donos do Poder”, escreveu sobre a monarquia brasileira: “essa monarquia, acostumando o povo a servir, habituando-o à inércia de quem espera tudo de cima, obliterou o sentimento instintivo de liberdade, quebrou a energia das vontades, adormeceu a iniciativa”. As pessoas estavam acostumadas a não analisar, não avaliar e não decidir suas posições, mas a aderir aos pontos de vista dos outros, normalmente dos que estavam no poder. No Cariri, como de resto nos sertões do Ceará, o Pacto está ajudando a romper com essa triste realidade”[150].

 

No final de semana de 25 a 27 de abril de 1997 o Pacto de Cooperação retomou a discussão do Projeto Ceará 2020, fermentada em 1994, e promoveu em Beberibe, no litoral leste, a Conferência de Busca do Futuro – Construindo o Ceará 2020, na tentativa de definir novos rumos que pudessem permitir a consolidação do estado desejado. Reunidas em 13 grupos de trabalho, 80 participantes da administração pública, iniciativa privada, imprensa, poderes legislativo e judiciário, instituições culturais, financeiras, educacionais, científicas e tecnológicas, lideranças laborais, profissionais liberais, representantes de organismos de desenvolvimento, de organizações não governamentais e das diversas instâncias do Pacto de Cooperação, desenvolveram juntos compromissos para um futuro comum.

 

O governador Tasso Jereissati esteve presente no encerramento daquele encontro de três dias de exaustivo trabalho e em sua fala, após ser informado dos cenários idealizados por todas aquelas pessoas para o futuro, disse que o governo já estava fazendo tudo aquilo. Foi uma ducha de água fria. Em dezembro de 1997 circulou uma versão zero do relatório da Conferência, com as discussões feitas pelos grupos e o assunto arrefeceu. No texto de apresentação do relatório, o coordenador geral do Pacto escreve que “nossa esperança reside no exercício da cidadania, no pensar coletivo de forma estruturada, na ampliação de nossas alianças entre intelectuais, críticos e cidadãos irrequietos”[151]. Amarílio assegura que a intensificação dessa aliança produzirá o avanço da sociedade em busca de soluções capazes de propiciarem gradativos aumentos de oportunidades.

 

O jornal do “Sistema de Gestão Participativa do Governo”, sai com uma edição temática, na qual apresenta uma foto de Jeresissati, com a legenda: “Governador Tasso Jereissati falando para os participantes do Ceará 2020”. Na entrevista com o coordenador do Pacto, o informativo oficial pergunta se “essa ferramenta de estudo seria válida para qualquer Estado brasileiro ou se o Ceará apresenta condições especiais que a justifica?”. Amarílio Macedo responde que é válida para qualquer lugar, mas frisa que o que existe de peculiar no Ceará é que esse amadurecimento vem sendo construído e trabalhado em um período longo o suficiente para criar o clima que predispõe as pessoas de interesses tão diferentes a participarem de tarefas demasiadamente cansativas como foi para todos a Conferência de Busca do Futuro. “A representatividade das pessoas, cada qual nas suas áreas, foi um fator relevante e isto não se conseguiu com muita facilidade. O fato de ter sido uma iniciativa de cidadania e não de governo, aumenta o seu valor, na medida em que tira completamente o efeito coercitivo ou o aspecto de chamariz que um governante representa”[152].

 

Tempos depois, quando é publicado o Plano de Governo da terceira gestão de Tasso e a quarta da chamada Era Jereissati – incluindo aí um período administrado por Ciro Gomes – o texto de apresentação, assinado pelo governador, deixa claro que a estratégia do Executivo Estadual vai seguindo “a orientação pela visão de futuro de tornar o Ceará desenvolvido no prazo de uma geração” tem como primeiro foco a “visão prospectiva de longo prazo, horizonte 2020”[153]. Nada explícito, mas assim como o próprio conceito de gestão compartilhada a perspectiva do 2020 pode ter sido incorporada à retórica governamental por influência do Pacto de Cooperação. E, neste ponto, observa-se o quanto o esforço das pessoas pela formação de uma nova cultura política no Ceará é percebido, ainda que incomode.

 

Os valores da parceria, da complementaridade, da flexibilidade, da não-linearidade e seus tantos cruzamentos tornaram-se presentes em muitas atividades no Ceará. Dos frutos derivados da ação direta do movimento registram-se realizações multiplicadoras, a exemplo do evento Brasil Compartilhado, promovido em Fortaleza em 14, 15 e 16 de março de 2000, com a apresentação de experiências de mais de 20 estados brasileiros, do Distrito Federal e do município português de Palmela.

 

“O encontro de experiências de gestão compartilhada e de estratégia de país, realizado com ousadia pela empresa Personal e pela consultoria Amana-Key, em Fortaleza, revelou ações e intenções da arte de fazer acontecer por sinergia e consentimento mútuo, fazer o caminho ao andar, tomando emprestado a expressão do poeta espanhol Antônio Machado (…) O princípio da cooperação espontânea e includente entre as instâncias governamentais, de mercado e da sociedade, que caracteriza a gestão compartilhada, foi medido pela riqueza das inovações, da vontade de não parar e da humildade do aprendizado do que somos e de como queremos e merecemos ser”[154].

 

Do Pacto de Cooperação surgiu também uma organização de mobilização cidadã, que é o Planejamento Estratégico de Fortaleza e sua Região Metropolitana – Planefor – lançado em 3 de maio de 1993, no seminário Fortaleza 2020, realizado no auditório da Câmara de Dirigentes Logistas – CDL – na rua 25 de março, 882. Neste evento foi assinado o Acordo de Cooperação entre o Centro Industrial do Ceará – CIC, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará – FIEC, Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL e a Federação das Associações do Comércio, Indústria e Agricultura do Ceará – FACIC, com apoio do Governo do Estado, da Prefeitura de Fortaleza e das Prefeituras Municipais que compõem a Região Metropolitana de Fortaleza. O documento deflagrava o início dos “procedimentos necessários à constituição de um consórcio de empresas e entidades, objetivando custear e supervisionar a contratação de equipe técnica para a elaboração do Plano Estratégico”[155]. A primeira Ata de Assembléia Geral dos Consorciados tem data do dia 6 de junho de 1997.

 

Diante do descaso e da omissão administrativa instalada na capital cearense na Era Juraci, o Planefor era mais do que necessário para tentar melhorar a qualidade de vida numa região com aproximadamente três milhões de habitantes e que precisa urgentemente ser humanizada, competitiva e salva de uma catástrofe urbana. “O desafio é maior na medida em que se deseja atingir esse objetivo com atuação cidadã e sustentabilidade. O plano é montado no tripé da participação compartilhada, no fazer acontecer e na impulsão para a implementação daquilo que seja efetivamente viável e prioritário”[156].

 

No livro “Os 5 Elementos”, João de Paula Monteiro e eu, tomamos a liberdade de decantar a alquimia social do Pacto de Cooperação e, depois de muitas reflexões, encontramos na Informalidade, Cooperação, Virtualidade, Pluralidade e Catálise, as substâncias que consideramos essenciais no processo de expansão do movimento.

 

“O contato da combinação desses cinco elementos com o princípio ativo da cidadania, que é a participação, foi criando uma mobilização em rede de espontaneidades. Cada instância pode nascer e desaparecer sem cobranças de sucesso, conforme o grau de comprometimento dos que se dispõem a abrir essas frentes com os nomes de fóruns e pactos. A ausência de controle, de centralização e de ameaça de intervenção, garantida pela ética da autonomia, convencionada naturalmente ao longo dos anos no ambiente do Pacto, tornou consensual a idéia de que a longevidade de cada instância é diretamente proporcional ao esforço dos seus participantes”[157].

 

As experimentações do Pacto tinham encontrado, enfim, um desenho fruto da expressão da cidadania na instância da gestão compartilhada. Um espaço visto como especial para o trato de temas de interesses convergentes, marcado pela capacidade de preservar a identidade das partes e de ser nitidamente adequado a estratégias de desenvolvimento includente. A economista e socióloga Tânia Bacelar ressalta no prefácio do nosso livro a novidade do que “está sendo chamado de Gestão Compartilhada. Ao invés de gerenciar interesses projetos ou iniciativas específicas, o Pacto se propõe atuar na gestão do que é comum”[158].

 

Depois de fazer inúmeras palestras em vários estados da federação sobre essa ação de gestão compartilhada, João de Paula Monteiro escreveu um artigo ressaltando o que no Pacto de Cooperação do Ceará mais chama a atenção nas platéias de acadêmicos, políticos, educadores, empresários, gestores públicos e profissionais que constantemente o convidam Brasil afora. Diz que os valores encantam, mas a maior surpresa fica por conta do funcionamento.

 

“Em toda parte as pessoas maravilham-se com a virtualidade, com a estrutura em rede, com a ausência de hierarquia e com a eficácia dos métodos (…) Todos admiram-se com o fato do Pacto não possuir estatuto, sede, diretoria, receitas regulares, funcionários, de não dispor, enfim, de tudo aquilo que é considerado indispensável ao funcionamento de qualquer organização. Perguntam como isso é possível e empolgam-se quando vão descobrindo que as respostas são de grande simplicidade e que as soluções estão ao alcance de todos”[159].

 

Quando a linha evolutiva do Pacto de Cooperação mostrava-se madura em sua essência, expandida na sua dimensão multilocular, reconhecida em sua multiplicidade inovadora de soluções e pronta para ensejar novos produtos de emancipação cidadã em forma de processo, o movimento recua para aquém do seu marco zero, compreendendo-se como sua gênese a iniciativa de parceria entre os empresários e o governo. A sigla GGPC, que inicialmente significava Grupo Geral do Pacto de Cooperação, virou Grupo Gestor do Pacto de Cooperação. A baixa aspiração da elite social, política e cultural cearense encarregou-se de largar o movimento às traças. O nível de desigualdade que viceja no Ceará não suporta uma ação de cidadania sem amarras, sem o controle seguro dos que detém o poder econômico e político desse tiquinho de Brasil.

 

No final do governo Tasso Jereissati, o Pacto de Cooperação não passava de um promotor de eventos chapa-branca, montado em chassi da oficina clandestina do adesismo. Na festa dos seus dez anos, ensaiou uma campanha de mobilização inspirada na estética da miséria e da catástrofe, com o mesmo padrão de complexo de culpa até então propagado pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social. A campanha do Ethos mostrava naquele momento cenas sociais e ambientais dramáticas, seguidas pelo slogan: “Responsabilidade social. Sua pessoa física em paz com sua pessoa jurídica”[160]. A campanha publicitária do Pacto obedecia a esse mesmo parâmetro trágico-piedoso, na sua invocação à sociedade: “Faça um pacto pela cidadania”. Conforme a peça o apelo complementar variava entre “Lute contra a fome e a miséria”[161] ou “Coopere para um mundo mais justo”[162].

 

O controverso sentimento moral dessa retórica, devidamente alinhado ao pensamento único do neoliberalismo, não conseguiu esconder a contradição que aparecia no próprio convite da festa que exigia “traje esporte fino” para uma solenidade que se dizia da “inclusão”, ocorrida em outubro de 2001 no Theatro José de Alencar. O Pacto de Cooperação vivia momentos de impulsos regressivos, com liberação de energias edipianas para livrar-se de amarras paradigmáticas em busca de novos rearranjos. A respeito desse mecanismo de defesa, organizador da produção de sintomas, Valton Miranda escreve que “a pulsão é um conceito freudiano complexo e representa um limite entre as necessidades vitais do corpo humano na sua busca de atingir as coisas e objetos, sempre usando a mediação de emoções e desejos apreensíveis pela interação comunicacional”[163].

 

A grife do movimento continuou sendo utilizada como se manter a mesma roupa de alguém que teve o DNA alterado fosse uma garantia de que a pessoa seria a mesma. O Pacto de Cooperação perdeu a transmissão da ordem cromossômica do gene, a partir da percepção de que o seu arsenal simbólico foi visto como uma barreira e não como um alicerce às novas e necessárias posturas de sucessão. Essa desconstrução dos elementos de distinção do Pacto alcançou um espectro que varia do caráter visual da sua logomarca – a qual teve o equilíbrio dinâmico rudemente danificado – às terminologias que haviam virado ícone de encontro de parceria e de cooperação para inúmeras movimentações no Ceará, como o “Café da Manhã”, transmudado para “Encontros Matinais”.

 

Para acabar de vez com os resquícios do que constituía a natureza fundadora do Pacto, o modelo de mobilização, abrigado na chancela do movimento, tornou-se hierarquizado, com sede na sala 613, do Shopping Aldeota Expansão, na av. Dom Luís, 500. No relatório da reunião de coordenadores de fóruns e pactos, realizada em março de 2002, o caráter burocrático adotado pelo movimento transparecia literalmente as preocupações do novo formato: “o tempo de gestão em cada Fórum e Pacto será de, no mínimo, dois anos”; “Se, por seis meses, não houver reunião realizada por alguma das instâncias do Pacto, aquela instância será considerada extinta” etc[164]. As normas e procedimentos do movimento passavam a assumir o caráter de controle do que antes era uma manifestação da espontaneidade cidadã.

 

O Pacto de Cooperação não foi extinto e seguiu sua ação de reunir pessoas sistematicamente, o que já é um mérito louvável numa sociedade desestimulada à participação, como a brasileira, e uma gente marcada pelo medo dos donos do poder, como a cearense. O anseio do movimento de se mostrar e de tentar substituir a sólida imagem construída com pacientes articulações ao longo de dez anos, derivou para apelos de propaganda como os que caracterizam a cultura do SPAM[165], valendo-se da transmissão aleatória e insistentemente repetitiva de convites para reuniões, nos quais comumente aparecem extensas relações de convidados não confirmados, enchendo as caixas de correio de mensagens com vagas ofertas de participação. Independente do Pacto em si, do movimento como marca, os valores aprendidos e apreendidos na sua ambiência não perderam o sentido.

 

“Sendo um espírito, revelado pela alquimia da cooperação, catálise, informalidade, pluralidade e virtualidade, o Pacto pode baixar em qualquer corpo. Essa metáfora cabe a todos os tipos de corpos que compõem a sociedade organizada, o mercado e os órgãos governamentais. O espírito não se atrita, não colide com nada. É imaterial, mas não irreal”[166].

 

A nova mentalidade inspirada na cooperação e na própria descoberta empírica do valor da pluralidade, da informalidade, da virtualidade e da catálise, que o processo como produto ensejou aos participantes do Pacto de Cooperação, ganhou ares que, no tempo presente da cidadania, não há como dimensionar. O progresso da inteligência espiritual, produzida pela interface sinergética da autonomia coletiva desenvolvida na instância da gestão compartilhada, transita em um campo virtual de possibilidades, onde conceitos dialogam e se fundem contribuindo para a composição da tessitura de emancipação da cidadania no Ceará.

 

Um bom indício da pujança da sua essência é que além dos seus mentores originais, Amarílio Macêdo, Osmundo Rebouças e Ciro Gomes, o movimento sempre contou com a disposição de lideranças representativas, de personalidades expressivas e com o empenho de pessoas bem articuladas e interessadas de algum modo nos efeitos da ação do Pacto, tais como os líderes classistas Torres de Melo (agricultura), Jorge Parente (indústria), Iran Ribeiro (comércio); o presidente da Bolsa de Valores Regional, Raimundo Padilha; os consultores João de Paula Monteiro, André Alckmin e Francisco Navas; o economista Lima Matos; os empresários Carlos Prado e Pio Rodrigues Neto; o jornalista Demócrito Dummar; os secretários e ex-secretários de Estado, Cláudio Ferreira Lima, Antônio Balhman, Raimundo Viana, Jurandir Picanço, Enock Vasconcelos, Pedro Sisnando Leite e Carlos Matos; o sindicalista Alberto Amadei; os reitores e ex-reitores Roberto Cláudio (UFC), Paulo Petrola (Uece) e Antônio Colaço (Unifor); o coordenador do Pacto do Cariri, Cícero Pereira de Souza; os agrônomos Ésio de Souza e João Pratagil; a ex-coordenadora da Associação dos Jovens Empresários Kelly Whitehurst, a advogada Mônica Barroso e o consultor Roberto Matoso. Trata-se, portanto, de uma extensa lista de participantes formada por pessoas conhecidas e anônimas que animam semanalmente os fóruns e pactos temáticos e setoriais que desde 1991 têm surgido, permanecido ou desaparecido na ambiência do Pacto de Cooperação do Ceará.

 

A incorporação da cultura da participação ao modus vivendi da cearensidade ainda tem muitas limitações, não obstante o fato de servir permanentemente de referência para ações semelhantes que se multiplicam por todas as regiões do Brasil e, principalmente, de ter aparecido como ponto de convergência nos discursos de campanha ao Governo do Estado do Ceará, nas eleições de 2002, defendidos pelos senadores Sérgio Machado (PMDB/PFL), Lúcio Alcântara (PSDB/PPB/PSD/PV), pelo deputado estadual Wellington Ladim (PSB-PSDC-PSC-PSL-PTdoB-PHS-PAN-PGT-PRTB) – candidatos com participações relevantes no poder da Era Jereissati – e de José Airton Cirilo (PT/PcdoB/PL/PMN/PCB), todos potencialmente com chance[167] de assumirem o Governo Estadual nos primeiros anos pós a Era Jereissati.

 

DIÁLOGO PARA A EMANCIPAÇÃO

 

Nas bases do projeto “O Ceará que Queremos” liderado pelo senador Sérgio Machado (PMDB), um conjunto de intenções administrativas sinalizava para a abertura ao diálogo como condição para “a máquina do governo trabalhar com eficácia e eficiência”, dentro do que a proposta apresentava como “um novo jeito de governar”. O documento inédito, fornecido pela jornalista Isabela Martin, assessora do candidato, defende a ampliação da participação como um processo no qual o governo pode contribuir de várias maneiras:

 

“Os programas de governo terão marketing educativo, informativo ou de origem social – utilizar o marketing como uma das formas de promover a cidadania (…) Um governo forte estimula a organização de grupos de interesses – quanto mais ágil for o governo estadual para analisar reclamações de grupos de interesse e de propor soluções, maior será o incentivo para que tais grupos se organizem e continuem a pressionar o governo por melhores políticas públicas. Em outros termos, não adianta o governo incentivar uma maior participação política dos cidadãos, se estes acham que suas demandas não serão atendidas (…) Orçamento participativo – mais como instrumento para promover a cidadania do que para imprimir maior eficiência no planejamento orçamentário. Mas as duas coisas podem ser conseguidas a um só tempo. O Governo vai procurar, gradualmente, ouvir cada vez mais a população nessa questão, colocando claramente os dilemas de investimentos em cada ano. Dessa forma, a população será chamada a dar sugestões sobre a escolha de projetos alternativos”[168].

 

Um dos principais assessores de Machado é o economista Cláudio Ferreira Lima que, na condição de Secretário de Estado do Planejamento do Governo Ciro Gomes (1991-1994) foi um assíduo participante do Pacto de Cooperação, um dos autores do livro[169] que escrevemos sobre os três primeiros anos do movimento e, quando diretor superintendente da Prática Empresarial, coordenou a Conferência de Busca do Futuro – Construindo o Ceará 2020, em 1997. No segundo governo Tasso (1995-1998) coordenava o “Projeto São José”, quando foi exonerado da Secretaria de Planejamento.

 

O deputado Wellington Landim (PSB) entrou na campanha, para o governo do Estado, impulsionado pelo trabalho de estreitamento das relações entre o parlamento cearense e a sociedade desenvolvido durante o seu mandato como presidente da Assembléia Legislativa do Ceará (1999-2002). Em documento que recebi, por telecópia, do jornalista Luciano Luque, assessor de Landim, a preocupação do deputado recaía no fato de que “a grande maioria das pessoas não tinha idéia de como funciona o legislativo estadual, nem os seus poderes constitucionais”, gerando uma confusão entre as funções do Legislativo, Executivo e do Judiciário. Os programas de abertura das portas da Assembléia foram aplicados a partir do estabelecimento de vínculos com escolas, universidades e representações comunitárias.

 

Por todo o tempo da sua gestão, Landim teve o cuidado de receber lideranças dos sem-terra, dos servidores públicos, das diversas categorias de profissionais liberais e todo um leque de movimentos sociais e organizações não-governamentais com as quais conversou e encaminhou resoluções de problemas. “Não fizemos mais do que a nossa obrigação. Vivemos um momento ímpar na democracia brasileira. Fizemos a nossa parte”[170]. O argumento do candidato do PSB sugeria uma evolução natural do uso do diálogo caso fosse eleito governador do Ceará. Ele atribui inclusive o seu rompimento com o Cambeba ao fechamento do governo. Uma ampla reportagem na revista Fale! resumia a questão considerando que “Wellington já estava incomodado dentro do PSDB devido à falta de diálogo com deputados, prefeitos, vereadores, lideranças empresariais e comunitárias”[171]. A mesma matéria mostrava que Ladim tinha o apoio da oposição em sua decisão de enfrentar o poder de Tasso, quando expõe uma fala do deputado Artur Bruno (PT) aduzindo que “o Governo acostumou-se com uma maioria dócil, domesticada, que sempre se ajoelhou aos interesses do Cambeba. Nunca criticou a Assembléia quando a oposição era formada por seis ou sete deputados”[172].

 

A troca de acusações entre o governador e o presidente da Assembléia teve como instrumento de ataque a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banco do Estado do Ceará (BEC) e a folha de pagamento dos prestadores de serviço do Legislativo estadual, denominada de Folha 8. Os problemas com o BEC envolviam uma ação judicial movida pelo Ministério Público, com acusações de irregularidades financeiras da ordem de 1 bilhão de reais. Já a “folha clandestina” era apontada como margem de manobra para remunerações não-públicas de valores exorbitantes.

 

Tasso desmontou a CPI do BEC encontrando, com a ajuda do PPS de Ciro Gomes, uma maneira de fazer cinco dos nove parlamentares responsáveis pelas investigações, conseguindo, inclusive, a presidência, que ficou com Mauro Filho (PPS) e a relatoria da comissão, que foi feita pelo deputado Manuel Veras (PSDB). Quanto a Folha 8, ao ser divulgada para a imprensa, tinha como maior salário algo acima de três mil reais. E o discurso de Landim seguiu batendo na tecla da falta de participação e na concentração de poder e de renda resultante da Era Jereissati. “Por mais de uma vez, nos últimos dois anos, eu mostrei aos vários segmentos do governo que o modelo estava exaurido, que o interior estava abandonado e que há uma exclusão muito grave”, revelou Landim na entrevista à revista Fale![173]. Mas a tentativa de polarização entre Wellington Landim e Tasso Jereissati não surtiu efeito capaz de apontar o presidente da Assembléia como o candidato com mais chance de derrotar o Cambeba como o deputado pretendia ser visto, unindo assim a oposição em torno do seu nome.

 

No dia 3 de junho de 2002, o senador Lúcio Alcântara (PSDB) reunia na sede da Fundação Waldemar de Alcântara, na rua Júlia Vasconcelos, 100, em Fortaleza, um pequeno grupo de convidados para, juntos[174], desenvolverem a concepção de instâncias para a interação da sociedade civil com o poder público estadual no caso de ele ser eleito o novo governador do Ceará (2003-2006). Quase todos os que estavam sentados àquela mesa haviam participado de esforços para a emancipação da cidadania cearense. Na casa onde morou seu pai, o ex-governador Waldemar Alcântara (1912-1990), conhecido pela habilidade “de harmonizar os contrários, sem renúncia aos princípios fundamentais da ética”[175], Lúcio expôs, com simplicidade, leveza e espírito de decisão, o seu compromisso, como eventual governante cearense, no processo de responsabilidades compartilhadas, estabelecendo canais de diálogo e interação com a sociedade, como condição para a boa governabilidade. Lembrei-me naquela ocasião de um artigo que ele publicara anos atrás no Diário do Nordeste, no qual evocava a figura do pai como força basilar da sua ação política: “Faz anos que já não posso mais ouvir seus conselhos, sua palavra amiga e reconfortante, mas quantas dessas palavras e conselhos permanecem vivos em minha lembrança! (…) Eu luto para ser a continuação do que você foi, seguir a caminhada que você iniciou. Este caminho é difícil mas é bonito”[176].

 

Faltavam poucos dias para a convenção que o indicaria como candidato ao Executivo Estadual. O trabalho, operacionalizado sob a coordenação da socióloga Celeste Cordeiro, recebeu conseqüentemente o nome de Movimento Ceará Cidadania e foi lançado publicamente, no dia 21 de junho de 2002, em reunião no Seara Hotel, na av. Beira Mar, 3080, com a presença de jornalistas e formadores de opinião. Tendo como princípio, a transparência; como meio, a participação; como fim, a democracia social; e como principal produto, o processo. Seu objetivo basilar estava claro: “contribuir para a eleição de Lúcio Alcântara para o Governo do Ceará e subsidiar o seu futuro mandato através de instrumentos de interação do setor público com a sociedade e o mercado”[177]. Ao invés de promessas, o que se explicitava naquele documento era a disposição para o diálogo e o compromisso com a atenção às expectativas sociais em um sentido de permanência.

 

O aprendizado da longa jornada de conquistas da cidadania no Ceará aventava novo alento, já que o produto desse novo movimento continuava sendo o próprio processo, lastreado pelo signo da gestão compartilhada. Para isso, foram pensados cinco eixos de interações: “Participação e Gestão Compartilhada” (co-responsabilidade da sociedade e do mercado na gestão pública); “Valorização Regional” (realização das vocações do interior, com cooperação inter-regional solidária), “Desenvolvimento Local” (definição de políticas que partam da ausculta às realidades comunitárias); “Qualidade de Vida Urbana” (superação da crise estrutural que sufoca os núcleos urbanos); e “Cearensidade” (consciência do si coletivo em meio às tendências homogeneizadoras mundiais).

 

“Esta articulação tem como principais objetivos formular propostas para um futuro governo, apontar alternativas para uma possível gestão e, mais importante ainda, produzir um modelo consistente de interação entre a sociedade e o governo na condução das iniciativas públicas (…) A iniciativa de mobilização do movimento Ceará Cidadania é colocada não apenas como uma questão de crença pessoal do candidato, menos ainda como mero factóide eleitoreiro, mas como um imperativo da boa governança. Isto porque as demandas sociais, até bem pouco tempo concentradas em cobrar do Estado o bom desempenho em suas tarefas clássicas, ampliaram-se, incorporando desafios que transcendem aos efeitos do gesto administrativo e alcançam uma dimensão que só pode ser tratada com o efetivo envolvimento da sociedade, incluindo aí também o comprometimento da iniciativa privada”[178].

 

Apoiar, incentivar e desenvolver uma profunda parceria entre o poder público e a sociedade civil é ponte de partida na proposta do engenheiro e advogado José Airton Cirilo (PT). Para ele, sem o engajamento da sociedade, sem a participação popular, na definição das políticas públicas não é possível promover uma transformação capaz de melhorar com decência a qualidade de vida. Argumenta que na polis grega toda a superação do estado de miséria foi possível a partir da ruptura de um universo de dominação e autocracia. “Essa ruptura cria uma nova espiritualidade com base na produção social do saber e no envolvimento da sociedade nos seus problemas e soluções[179].

 

A recorrência a este aspecto da cultura grega é utilizada por José Airton para outorgar autoridade histórica ao trabalho de mudança de mentalidade política – que se tornou referência no Ceará – promovido pela gestão do Partido dos Trabalhadores no município de Icapuí, em um processo liderado com alternância de poder entre ele e o prefeito Dedé Teixeira. Por ocasião da entrevista que me concedeu com exclusividade, em sua residência, na rua Riachuelo, 760, recebi o exemplar do livro que publicara com a sua experiência de luta por autonomia municipal, no qual revela alguns pontos que inspiraram a administração do PT em Icapuí:

 

“Algumas características da Grécia antiga: prestígio da palavra, desenvolvimento das práticas públicas, orgulho da vida comunitária, orgulho de cidadão, experiência democrática, espírito de semelhança e igualdade dos cidadãos, constituem, dentre outras, as múltiplas contribuições da Polis grega para a humanidade”[180].

 

Os instrumentos pensados por José Airton para um eventual governo conduzido pelo PT no Ceará têm como carro-chefe o Orçamento Participativo, experiência testada desde 1985, quando assumiu a Prefeitura de Icapuí no primeiro governo após o desmembramento do município de Aracati. José Airton defende que “o Orçamento Participativo constrói a perspectiva das grandes decisões serem civilizadas”, acrescentando que, caso eleito governador cearense, valorizará os conselhos setoriais de educação, saúde, moradia, saneamento, cultura e demais mobilizações existentes ou que vierem a existir. Lembra que em algumas áreas temáticas seria preciso criar redes de debates para o aprofundamento do próprio papel do Estado. Este trabalho de educação social melhoraria a compreensão do funcionamento do poder público e, conseqüentemente, qualificaria mais a participação da sociedade. “Na realidade, a cidadania é escassa e a participação rarefeita (…) O Estado precisa assumir o papel de elemento sinergético para oferecer condições as pessoas de se capacitarem politicamente (…) Ao invés do Governo ter o domínio da sociedade, a sociedade terá o controle social do Estado”[181].

 

A relação democrática dos poderes públicos com a sociedade civil e o mercado é fundamental, na opinião de José Airton, por passar a ser um elemento de nova espiritualidade. A questão de fundo defendida pelo líder petista está na formação do cidadão realizador. “As pessoas vivem submetidas à lógica da tutela e da impotência. Por isso precisamos romper com essa lógica, a fim de, enquanto sociedade, alcançarmos a liberdade de pensar, agir e de usufruir dos direitos sociais e políticos”[182]. Como executivo público ele vê o diálogo com a iniciativa privada como um exercício necessário em favor de benefícios coletivos. “A relação do meu governo com os agentes do mercado seria de respeito, mas com clareza do papel do Estado como regulador e indutor do equilíbrio social, através da distribuição de poder, renda e justiça social, permitindo um maior equilíbrio entre as forças sociais”[183].

 

A partir de exemplos como esses, pode-se imaginar que os caminhos para a emancipação da cidadania no Ceará já não parecem tão obscuros. Muitos avanços foram visivelmente conquistados. A incógnita quanto à maneira que a participação se dará, nos anos que seguem, fica por conta do imponderável das situações de mudanças necessárias. Por todos os 16 anos da Era Jereissati, representativos segmentos da sociedade civil estiveram persistentemente ativos na formação do campo hachurado da gestão compartilhada, em diferentes táticas de participação. A holografia política resultante da superposição dos elementos comuns, contidos nos diferentes conjuntos dessa experiência da cearensidade, tem relevo não desprezível. O aprendizado não saiu barato. A configuração do meio-tom da faixa raiada alcançou, em cada momento, elevados índices de impulsos e saturação.

 

Com o Movimento Pró-Mudanças, o esforço de avançar do estágio de democracia representativa para um patamar de democracia participativa, mobilizou forças do Estado, dos partidos políticos e da sociedade civil. O movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! pôs a prova as possibilidades de uma catálise eleitoral ao arregimentar frentes partidárias e cidadãos com a finalidade de cumprirem uma interferência nos rumos indesejados do poder. O caminho, pelo viés do chamado terceiro setor, levou o Instituto Equatorial a dinamizar processos de convergência entre os meios de comunicação, os poderes públicos e a sociedade civil, com o objetivo de formar uma nova cultura política derivada do exercício da informação compartilhada. A tentativa de concepção da Mesa do Trabalhador segue em interrogações sobre a forma ideal para a animação dos movimentos sociais, sindicais e do terceiro setor na promoção da inclusão social. Por fim, o Pacto de Cooperação encontrou na zona constituída pelos elementos simultaneamente pertencentes aos conjuntos do mercado, dos poderes públicos e da sociedade civil, o espaço propício à busca do desenvolvimento integrado e includente.

 

Ao encadear essas expressões da cidadania, ocorridas em instâncias de gestão compartilhada, percebe-se o quanto o processo, como produto, leva muitos anos para poder influenciar nos mecanismos de alteração dos modelos vigentes. A habilidade das elites é surpreendentemente eficaz na desconstrução de qualquer ação que possa ameaçar a estrutura do sistema que as mantém privilegiadas. Chegar à compreensão de que existe um campo propício à administração dos interesses comuns da coletividade foi um feito grandioso da sociedade cearense nesses 16 anos. A confiança do propósito de luta pelo bem-estar social e ambiental possibilitou o desenho desse espaço onde a autonomia preserva identidades, a flexibilidade enseja o consentimento mútuo e a cooperação assume lugar de destaque na conquista gradual da emancipação da cidadania.

 

O medo impingido pela imagem mitificada dos governantes e pela fantasmagoria de repulsivas perseguições, ainda gera a sensação de impotência no Ceará. Por sua vez, o anseio de atingir a satisfação através de metas nunca plenamente conquistadas pode ter transformado a vontade de muitas pessoas em categoria política. Neste aspecto, Valton Miranda esclarece que

 

“a vontade de um grupo político sempre se choca com a vontade de um outro grupo, antagônico, um corpo de idéias enfeixadas numa doutrina confronta-se com outro sistema conceitual, num embate perpétuo onde medram emoções contraditórias, neuroses e loucuras. A política é, portanto, o lugar no qual os valores e desejos têm um acoplamento privilegiado para, então, partirem rumo ao encontro do antagonista, cuja derrota e superação é um equivalente do gozo. É exatamente neste ponto, no qual julgo estar a fronteira entre subjetivo e objetivo na vida política, ou seja, aquela linha divisória imaginária que, como membrana osmótica, é atravessada permanentemente em dois sentidos: da consciência e da inconsciência, da paixão e da razão, da lógica e da loucura política”[184].

 

Assim, o “soberano” de Valton incorpora o discurso da sociedade, mas nega-o instantaneamente promovendo o contra-fogo da mobilização institucionalizada, como a lógica das metástases lançadas para a coluna e depois sucessivamente para outros órgãos até atingir a destruição total do organismo. Do outro lado, a sociedade, inconformada com o seu próprio esgotamento enquanto sujeito, se vale da força mobilizadora insopitável que acumulou no exercício da busca pela construção de alternativas de includência e a história cearense ganha um fenômeno de comportamento cheio de transmutações.

 

Ao comentarem exemplos de processos de emancipação social pela inclusão e pelo reconhecimento da diferença no mundo globalizado, Boaventura Santos e Leonardo Avritzer chamam a atenção para o fato de que os perigos de perversão e de descaracterização dos movimentos de cidadania não estão imunes nem mesmo as práticas da democracia participativa. Afirmam que a perversão pode ocorrer “pela burocratização da participação, pela reintrodução de clientelismo sob novas formas, pela instrumentalização partidária, pela exclusão de interesses subordinados através do silenciamento ou da manipulação das instituições participativas”[185].

 

De certo modo as circunstâncias de risco, identificadas por Santos e Avritzer, se encaixam perfeitamente na realidade das manifestações da cidadania vivenciadas nos movimentos Pró-Mudanças e Fortaleza Sim, Cambeba Não!, no Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea e no Pacto de Cooperação. “No domínio da democracia participativa, mais do que em qualquer outro, a democracia é um princípio sem fim e as tarefas da democratização só se sustentam quando elas próprias são definidas por processos democráticos cada vez mais exigentes”[186]. A tese de Boaventura e Avritzer para o fortalecimento da democracia participativa passa pelo reconhecimento de que não há motivo para limitação da democracia a uma só forma; pela necessidade de expansão e de articulação das experiências localizadas; e pela persistência do experimentalismo no processo democrático. “As novas experiências bem-sucedidas se originaram de novas gramáticas sociais nas quais o formato da participação foi sendo adquirido experimentalmente”[187].

 

O know-how cearense de gestão compartilhada tem na atuação das pessoas como indivíduos – e não como delegadas ou representantes das suas organizações – um ponto de extrema importância para a permanência da sua evolução. Sejam quais forem os formatos dessa continuidade é importante que haja o engajamento de blocos de cidadãos substituindo os inconvenientes “iluminados” defensores do “tudo para o povo, mas sem o povo”[188]. O caráter multi-associativo e a capacidade de reunir cidadãs e cidadãos de diferentes níveis sociais, econômicos e culturais, dos mais diversos setores e segmentos dos poderes públicos, do mercado e da sociedade civil, também compõem os sinais comuns dessa experiência, para cuja atuação sempre houve o cuidado de não competir com as entidades civis organizadas e, sim, de contar com elas em suas ações de catálise.

 

A complexidade do processo de mobilização cidadã não é um problema restrito ao Ceará. A sociedade brasileira, como cria do Estado colonial, vive as insuficiências da ausência de plenitude na sua formação sócio-política e cultural. E por não ter um completo poder de expressão, enfrenta necessariamente toda a sorte de dificuldades quando ousa andar ereta. Os conflitos foram, portanto, naturais e fundamentais para o amadurecimento dos esforços de emancipação da cidadania no Ceará. As instâncias da gestão compartilhada, amargamente experimentadas nos anos da Era Jereissati, só se tornaram possíveis e doces, como “categoria políticas”, pela vontade da conciliação entre sonho e realidade num processo de caminhada civilizatória e, como tal, sempre imperfeito para poder encorpar e ser duradouro.

 

A VITÓRIA POLÍTICA DO ZERO A ZERO

 

Nunca uma eleição pareceu tão previamente definida quanto o pleito de 2002 que levou Lúcio Alcântara ao governo do Estado do Ceará, Tasso Jereissati e Patrícia Gomes ao Senado Federal. As pesquisas produziam tanta evidência dessa probabilidade que os próprios partidos de oposição redimensionaram a estratégia dos seus nomes mais expressivos. Os deputados Inácio Arruda (PCdoB) e Marcelo Teixeira (PMDB) desistiram de concorrer ao senado e partiram para a reeleição. O primeiro, depositário do maior capital político da esquerda no Ceará (deputado federal mais votado com 302.627) e o segundo, conhecido pelas práticas pouco ortodoxas no fazer político. Para o governo do Estado, então, parecia um passeio, uma eleição fácil e limitada à sensação de onipotência do Cambeba somada a algumas articulações complementares.

 

A insistente repetição da propaganda das ações consideradas exemplares do governo chegou ao ponto de criar um ilusionismo perturbador da razão. Na dinâmica de identificação das idéias-força para a elaboração do Projeto Ceará 2020, os participantes do Pacto de Cooperação listaram, nos cafés da manhã dos dias 10 e 17 de janeiro de 1994, no Hotel Colonial, os atributos mais peculiares ao povo cearense e um dos mais mencionados foi o que classificava o espírito dessa gente como “orgulhosa de ser cearense”[189]. Pois esse próprio sentimento de brio coletivo foi seqüestrado pela comunicação oficial no momento em que o ano eleitoral começou a chegar, inclusive com especulações favoráveis à candidatura de Tasso à Presidência da República.

 

As peças publicitárias, que variavam de camisetas a inserções televisivas, foram difundidas nacionalmente, envolvendo artistas e personalidades na trama para a associação compulsória desse orgulho aos feitos do governo. Com o slogan “Ceará – Trago comigo essa força”, a máquina midiática estatal tentou apoderar-se descaradamente desse intransferível elemento da mais íntima subjetividade humana. Sem qualquer chance de resgate para as cidadãs e para os cidadãos realmente orgulhosos de serem cearenses, mas sem muitos motivos concretos para atrelarem a sua dignidade pessoal às ações forjadas no “princípio amoralista de que os fins justificam os meios”[190]. Para a cientista política Linda Gondim, “um aspecto que deve ser ressaltado é que o marketing dos governos mudancistas é dirigido à produção de uma imagem positiva do Estado do Ceará, e não apenas da atuação de seus líderes”[191]. A onda não pegou porque os meios de comunicação divulgaram concomitantemente alguns dados inquestionáveis da realidade cearense:

 

“O Ceará de Tasso e Ciro cresceu 62,5% de 1985 a 1999, mas tem a terceira maior concentração de renda do país (…) A média de crescimento [do PIB] brasileiro no período foi bem mais modesta: 37,5% (…) Passadas quase duas décadas, houve, de fato, muitas mudanças nos planos administrativos e econômico, mas persistem no Ceará indicadores sociais e práticas políticas que teimam em embaçar a imagem modernizante cultivada pela dupla (…) Os dados sociais mostram que o crescimento econômico experimentado nos governos das mudanças não se traduziu em melhor distribuição de renda”[192].

 

A apropriação indébita e atrevida dos símbolos, identificados como relevantes na composição da auto-estima coletiva, tornou-se um questionável instrumento da comunicação oficial cearense. A realização no estádio Castelão, em Fortaleza, do jogo comemorativo do Pentacampeonato Mundial conquistado pela Seleção Brasileira de Futebol na Coréia/Japão virou um qüiproquó sem par. “A exploração política do amistoso do Brasil (…) por causa da presença dos candidatos a diversos cargos públicos a convite da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), foi rejeitada pelos jogadores da seleção. A maioria não admite o eventual uso de suas imagens para outros fins”[193]. A cobertura da imprensa registrou toda a mise-em-scène com entrega, por parte dos jogadores, de camisas autografadas aos candidatos a presidente da República, Ciro Gomes (PPS); ao governo do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB) e ao senado, Tasso (PSDB) e Patrícia Gomes (PPS). “A equipe de TV da campanha de Ciro Gomes teve amplo acesso ao evento, inclusive aos contatos reservados que o candidato teve com integrantes da seleção”[194].

 

A solenidade envolvendo os jogadores e o técnico da seleção pentacampeã antes do jogo-festa de comemoração do título, ocorreu no Marina Park, na av. Presidente Castelo Branco (Leste-Oeste), nº 400, na Praia Formosa. “Tasso negou que o gesto fosse um ato de engajamento à campanha de Ciro e que o jogo Brasil e Paraguai tivesse alguma conotação política”[195]. Na mesma reportagem do Estadão, Luiz Felipe Scolari, em sua última entrevista como técnico da seleção, revelou que participou do palanque armado por Tasso Jereissati e pelo presidente da CBF Ricardo Teixeira, “cumprindo ordens”[196]. O resultado é que ficou a sensação de que o Brasil perdeu de 1 X 0 para o Paraguai como um repúdio dos craques brasileiros aos métodos desrespeitosos conferidos à seleção. “Os jogadores saíram de campo com pressa, sem disposição para saudar a torcida e econômicos ao comentar a derrota na primeira apresentação logo após a conquista do título mundial”[197].

 

No início de agosto, a imprensa mostrava os números avantajados das preferências eleitorais: Lúcio Alcântara aparecia com 44%, para o governo; Tasso Jereissati com 73% para a primeira vaga no senado; e Patrícia Gomes com 48%, com posição garantida na segunda vaga[198]. Os outros eram os outros. Na semana seguinte, Lúcio já crescia para 45%; Tasso subia para 75% e Patrícia ampliava para 52%[199]. Wellington Landim (PSB) e José Airton (PT) apareciam com 7% e 6% respectivamente. Para o senado, Paulo Lustosa (PMDB) e Mário Mamede (PT), tinham 9% e 6%. Em 26 de agosto, Lúcio chegou a 49%; Tasso equilibrava em 73% e Patrícia subia mais uma vez para 58%. Um mês depois, no dia 23 de setembro, passadas todas as definições das candidaturas dos adversários, Lúcio recuava para 44% e aparecia pela primeira vez a surpresa da eleição, com José Airton (PT) ultrapassando Sérgio Machado. Um com 13% e o outro com 11%. As intenções para o senado mantinha Tasso na frente com 64% e Patrícia com 59%. Paulo Lustosa e Mário Mamede tinham meros 12% e 11%[200].

 

O Jornal Nacional, da TV Globo, divulgou pesquisa do Ibope na noite do dia 4 de outubro de 2002, colocando Lúcio Alcântara (PSDB) com 50% das intenções de voto, José Airton (PT) com 23% e Sérgio Machado (PMDB) na faixa de 14%. O comportamento do Ibope não foi muito diferente dos demais institutos de pesquisa. O resumo do espetáculo é que as urnas empurraram a disputa para o segundo turno. Lúcio Alcântara tirou 49,8% dos votos válidos, contra 28,3% sufrágios para José Airton e 12,1% de Sérgio Machado. No senado a discrepância foi injustificável: Tasso Jereissati só obteve, na verdade, 31,5% e Patrícia Gomes, 30,7%. Um detalhe interessante é que em Fortaleza, o tassocirismo perdeu todas: José Airton obteve 48,9% dos votos válidos e Lúcio Alcântara 34,3%. Para o senado, Mário Mamede ficou com 25,5%, Tasso com 22,7% e Patrícia 21,4%. Para completar, Luiz Inácio Lula da Silva venceu Ciro Gomes mais uma vez, ficando com 54,5% dos votos válidos, contra 32,8% de Ciro em Fortaleza. No plano nacional, Lula (PT) obteve 46,4% dos votos válidos no primeiro turno e Ciro Gomes (PPS) ficou em quarto lugar com 12%, atrás de José Serra (PSDB), 23,2% e Garotinho (PSB), 17,9%[201].

 

A confiança do esquema de marketing do Cambeba na capacidade de administrar a difusão de números ideais, nunca pareceu levar em conta os desejos reais da população. Quando o senador Lúcio Alcântara instituiu o Movimento Ceará Cidadania como referência clara do seu interesse em promover a participação da sociedade, o folder do Movimento priorizava a marca de “Tasso Senador – O Ceará cada vez melhor” em detrimento da marca de “Lúcio – Governador 45”, sob o seguinte chamamento: “A grande força de um povo é a sua força de expressão”[202]. Foi a gota d´água. Uma movimentação que deveria estar associada à história de diálogo e conciliação estampada na vida política de Lúcio, acabou arranhada pela presença carregada do tacão daquele que mais recusou conversar com a sociedade em 16 anos de comando político no Estado. A presunção era tão descabida que até as primeiras camisetas da campanha foram produzidas com a marca de Tasso Senador na parte da frente e Lúcio Governador nas costas.

 

O certo é que teve segundo turno. Tasso simulou um apoio ao candidato do seu partido, José Serra, (PSDB) e Ciro esboçou apoio a Lula (PT). Com essa estratégia os dois colocaram pernas nas duas canoas que singravam o rio para a Presidência da República. O grupo de Ciro Gomes partiu para uma desesperada apropriação indébita do candidato do Partido dos Trabalhadores, com a nítida intenção de esvaziar a campanha do PT local, cujo slogan era “Lula lá e José Airton cá”. Neste aspecto encontro algumas semelhanças nos escritos de Rodolpho Theóphilo sobre a queda da oligarquia de 16 anos comandada por Nogueira Acioly (1896-1912). Ele assegura que “o constante pesadêlo do Sr. Acioly era o governo do Estado passar a um estranho”[203]. A resposta das urnas ao poder pretensamente ubíquo de Tasso Jereissati (1986-2002) tem o seu paralelo no relato de Theóphilo: “O que faltava na actualidade era o momento psychologico, era a faísca, que determinaria a explosão, faísca gerada das perseguições do governo e suas violências”[204].

 

Durante o período do aviso prévio de 20 dias que o eleitor cearense deu aos candidatos ao governo do Ceará, empurrando a decisão para o segundo turno, houve de tudo que uma campanha desesperada pode experimentar. Desde a apreensão de material e fechamento parcial de comitê “Lula-Lúcio” a troca de agressões mútuas. “O próprio ex-governador Tasso Jereissati procurou impedir o deputado José Pimentel de entrar na sala”, na busca por material irregular, enquanto José Airton disparava que os tucanos estavam fazendo “farta distribuição de dinheiro e de cestas básicas no interior do Estado”[205]. A coligação Ceará Diferente, liderada pelo PT, fez uma série de denúncias de votos de eleitores ausentes e desencontros de votação entre boletins de urnas com a intenção de impugnar o mandato do governador eleito. Uma das supostas irregularidades, mencionadas na representação feita ao Tribunal Regional Eleitoral questionando o resultado das apurações em 32 seções, foi o caso de Barroquinha, município localizado a 410 quilômetros de Fortaleza. “Lá, algumas pessoas votaram no lugar de vários eleitores que não compareceram às seções”, contestava o advogado Deodato Ramalho, alegando ter uma relação de nomes de eleitores que chegaram inclusive a justificar a ausência de voto em Fortaleza mas que apareciam como se tivessem votado em Barroquinha[206]. A Secretaria de Informática do TRE preparou um relatório justificando os equívocos que pareciam favorecer ao candidato do governo (PSDB) e, com isso, engavetou o pedido de anulação das seções feito pela coligação Ceará Diferente (PT/PCdoB/PL/PMN/PCB)[207].

 

Ciro Gomes repetiu localmente a atitude destemperada que o derrubou na corrida presidencial e concedeu uma longa entrevista ao jornal O Povo, acusando o PT de irresponsabilidade ao indicar José Airton para ser o candidato ao governo do Ceará. “O pensamento progressista de Fortaleza está intoxicado. Às vezes – e estou sendo sincero com vocês – se não fosse o povo, por quem eu tenho grande e definitiva gratidão e responsabilidade, minha vontade era de ver José Airton governador (…) Porque em três meses ele iria destruir o Estado do Ceará”[208]. Por conta desse desagravo, o presidente estadual do PT, José Nobre Guimarães, deputado estadual reeleito e coordenador da campanha de Lula no Ceará, além de responder aos insultos de Ciro alegando que “essa declaração vem de alguém que tem se caracterizado na vida pública cearense e brasileira como arrogante, prepotente e autoritário” [209], provocou uma visita de Lula a Fortaleza.

 

A leitura da imprensa nacional, quanto ao que estava acontecendo no pleito cearense, começou a focar no ponto crítico da situação: “está em jogo nas eleições estaduais no Ceará o tamanho da força política que o ex-governador tucano e senador eleito Tasso Jereissati vai ter no Congresso e em seu partido”[210]. A boca-de-urna indicava José Airton com vantagem e a repercussão aumentava.

 

“A era Tasso foi colocada à prova pela primeira vez em 16 anos de poder no governo do Ceará, numa eleição acirrada e disputada voto a voto (…) Na pesquisa de boca-de-urna divulgada pelo Ibope, o petista José Airton Cirilo aparecia com 52%, contra 48% do tucano Lúcio Alcântara, candidato do grupo do senador eleito Tasso Jereissati (PSDB), com margem de erro de dois pontos percentuais”[211].

 

O candidato Lúcio Alcântara parecia tentar de tudo para se descolar da maldição do Cambeba, mas a dissonância cognitiva dos beneficiários do cambebismo abafavam suas possíveis ilações. “Vou imprimir a minha própria marca de trabalho”, insistia aos jornalistas. Mas as perguntas iam direto na ferida: “Uma das críticas ao governo Tasso é sobre a dificuldade de diálogo. Isso atrapalha a sua candidatura?”. E a resposta soprava na mesma direção: “Às pessoas que pensam assim, a minha proposta é a minha própria história de vida, a minha conduta de tolerância. Esse déficit, se existe, é superado pela minha história”[212].

 

O reconhecimento de que os 16 anos de mando de Tasso Jereissati no Ceará têm uma larga folha de serviços prestados, também não ficou de lado no discurso de Lúcio Alcântara. Mesmo que ele não falasse, o próprio Tasso ocupava espaço privilegiado no horário eleitoral gratuito de rádio e televisão para deixar bem clara a sua mensagem pessoal. Lúcio ia e voltava, mas procurava sempre enfocar o que para o eleitor poderia ser o diferencial na sua administração.

 

“O esforço em atrair pessoas e grupos para a definição de prioridades e formas de intervenção social foi iniciado em nossa campanha, no decorrer da qual, através do Movimento Ceará Cidadania (…) esperamos ter demonstrado, na prática, nosso compromisso com uma governabilidade democrática, assentada nos princípios da gestão compartilhada, na construção de um sistema de parcerias que potencialize nossas decisões de governo”[213].

 

Não restava ao candidato tucano fazer outra coisa. A sabedoria popular ensina que a pior recusa é quando o pedido não é pelo menos reconhecido. Assim se passaram 16 anos da relação de uma sociedade que só queria ter a oportunidade de dialogar com um governo de procedimentos adaptados ao arcaico modelo empresarial do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

 

Sem qualquer cerimônia em relação ao que tinha acontecido no primeiro turno, o Ibope continuava a sua pregação estatística, com “margem de erro de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos”. A quatro dias da votação o candidato tucano aparecia com 54% dos votos válidos contra 46% do petista José Airton.

 

Abertas as urnas do segundo turno, na madrugada do dia 27 para o dia 28 de outubro de 2002, estava lá no painel do TRE: 50% a 50%. De um comparecimento de 3.699.233 eleitores, a diferença em favor de Lúcio Alcântara foi de apenas 3.047 votos. Nos bastidores, os adversários dos tucanos ainda comentavam da estranha abstenção de 23%, o que significa que 1.106.026 eleitores recusaram-se voluntariamente de exercer o direito de votar.

 

No primeiro turno, a abstenção fora de 19,7%, o equivalente a 945.124 eleitores. Em Fortaleza, mais uma vez o Cambeba perdeu: José Airton ficou com 63,8% dos votos e Lúcio Alcântara com 36,2%. A expressiva votação do candidato do PT deve-se a um combinado de votos naturais da esquerda, do sentimento anti-Cambeba e do efeito Lula. Luiz Inácio Lula da Silva teve 71,8% dos votos válidos no Ceará e 88,3% em Fortaleza.

 

Na compreensão de Tasso o resultado das urnas não pode ser analisado como uma questão plebiscitária de avaliação do período em que deus as cartas no Ceará. “Se eu errei? Não sei, mas é o único Estado do Brasil que vai completar 20 anos com o mesmo projeto político”[214]. O deputado federal Roberto Pessoa (PFL), reeleito, rebateu em artigo no jornal O Povo, o discurso cambebista que, segundo ele, procurava simplificar o vexatório quadro eleitoral cearense, associando o resultado das urnas à “onda vermelha ou onda Lula”, numa eleição com diferença de pouco mais de três mil votos num universo de quase quatro milhões de comparecimentos. Pessoa acusa a situação da vã tentativa de obscurecimento da realidade de frustração que, na sua opinião, tomou conta da alma dos cearenses na relação de desgaste com os “coronéis eletrônicos”.

 

“A eleição provou que os tucanos não têm a hegemonia que irradiavam e nem a modernidade que apregoavam. O pleito foi marcado pelas velhas práticas oligárquicas. Assistimos a todo tipo de abuso, pressão sobre os servidores públicos, coação sobre os beneficiários de programas sociais, mesmo os executados com os recursos do Governo Federal, uso desbragado da máquina administrativa, abuso do poder econômico, calúnias de baixo nível e manipulação das pesquisas de opinião pública”[215].

 

A apuração dos votos foi acompanhada por Tasso Jereissati e Ciro Gomes no comitê da av. Rui Barbosa, nº 1550. Lúcio Alcântara não apareceu por lá. Anunciado o resultado, Tasso teve uma reação de histérico desabafo, surpreendendo os militantes que não conheciam esse seu evidente traço de desequilíbrio emocional. Classificou a vitória como uma das mais espetaculares já vistas no Ceará. E o senador eleito não poupou os adversários que se uniram ao candidato do Partido dos Trabalhadores no segundo turno, destrinçando publicamente o que em linhas gerais costumava chamar de “Forças do Atraso”:

 

“Derrotamos o radicalismo xiita do PT. Derrotamos o fisiologismo atrasado e imoral de Sérgio Machado (senador do PMDB). Derrotamos o poder econômico corruptor de Eunício Oliveira (deputado federal reeleito). Derrotamos o projeto de fascismo do embuste do Moroni Torgan (deputado federal reeleito pelo PFL). A coligação mais fajuta que eu já vi na minha vida”[216].

 

O zero a zero com gol de pênalti duvidoso e na prorrogação causou uma reação totalmente diferente no governador eleito Lúcio Alcântara. Recatado e sensato como tem sido em sua vida pública, ele preferiu marcar uma coletiva no hotel Holliday Inn, na av. Raimundo Girão (antiga Aquidabã) e dizer que o sentido das provocações havia acabado. Reconheceu a necessidade de reflexão sobre os resultados da campanha e demonstrou sua disposição em não tentar moldar as aspirações sociais de alteração no modelo atual de sociedade, reveladas nitidamente nas urnas do Ceará e na fantástica vitória de Lula para a Presidência da República.

 

“Agora nós vamos mudar. Aquilo que não estiver funcionando ou que precise de ajuste, nós vamos mudar. São novas idéias, principalmente participação, principalmente interação com a sociedade. Vamos ampliar nossos interlocutores, vamos conviver com a divergência, com a crítica construtiva e não movida por ordem pessoal, por intolerância e idiossincrasias e que nos ajude a governar melhor. A participação vai ser a marca do meu governo”[217]

 

O clima de embaraço tomou conta de cena política cearense. A chamada Era Jereissati chegava ao fim com uma escatológica lavagem de roupa suja. Enquanto Tasso execrava alguns dos seus ex-companheiros que passaram para a oposição, tinha que dividir os louros da não-derrota com a adesão do prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães (PMDB). A “inteligência” eleitoral do primeiro comandante da Capital teve o seu toque de influência na garantia do empate e, possivelmente, para forçar a pequena diferença de 0,08%, que decidiu a eleição.

 

Tasso Jereissati e Juraci Magalhães podem ter, neste episódio, se despedido do longo e confortável convívio de divisão de poder no Ceará. Um com as rédeas do Estado e o outro com o controle da Prefeitura da Capital. Muitos analistas políticos entendem que a combinação de poder no Ceará nos últimos anos ocorreu entre Tasso e Ciro, mas olhando de perto, é possível observar que foi entre Tasso Jereissati e Juraci Magalhães. A distribuição seqüencial das duas administrações facilita essa compreensão: no governo, Tasso/Ciro/Tasso/Tasso; na prefeitura, Juraci/Cambraia/Juraci/Juraci. Este é o mapa da hegemonia que cede o lugar à nova perspectiva política aberta com o sinal das urnas no Ceará e no Brasil. Seja qual for o modelo político, a ser desenhado no Ceará, a participação co-responsável da sociedade terá certamente assento reservado.

 

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SOBRE O AUTOR E O ILUSTRADOR

Flávio Paiva é jornalista e especialista em Gestão da Comunicação nas Organizações, pela Universidade Federal do Ceará, UFC. Foi conselheiro e editor do jornal do Movimento Pró-Mudanças; um dos 100 signatários do manifesto do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não!; coordenador do jornal Equatorial Informações, membro-fundador e consultor de Comunicação e Cultura do Instituto Equatorial de Cultura Contemporânea; gestor de mobilização e coordenador da comunicação no Pacto de Cooperação do Ceará, do qual é coordenador do Fórum pelo Fortalecimento da Música Plural Brasileira; idealizador da Mesa do Trabalhador e integrante do grupo de concepção dos cinco eixos de integração do Movimento Ceará Cidadania. É conselheiro do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador – Cetra.

Nasceu em 1959, na cidade de Independência, sertão do Ceará. A partir de 1979 passou a atuar ativamente em movimentações de produção independente ligadas ao jornalismo, literatura, música e histórias em quadrinhos, em Fortaleza. No final dos anos 80 amplia a essa participação o trabalho em ONGs e ações de cidadania. Foi repórter, redator, editor-adjunto no jornal O Povo onde trabalha como articulista do caderno Vida & Arte. Como jornalista profissional, tem reportagens premiadas pela Associação Cearense de Imprensa – ACI; pela Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores de Turismo – Abrajet; pelo Clube dos Diretores Lojistas de Fortaleza – CDL; e pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e Anistia Internacional.

Em 2001 recebeu a comenda do Dia da Cultura e da Ciência, conferida pela Fundação Cultural de Fortaleza, Funcet. Tem dois livros publicados sobre mobilização social: Gestão Compartilhada – O Pacto do Ceará (co-autoria com Osmundo Rebouças, Cláudio Ferreira Lima e João de Paula Monteiro) e Os 5 Elementos – a Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará (co-autoria com João de Paula Monteiro). É autor de quatro discos de mpb, pop e música infantil, e de vários livros, dentre os quais destacam-se o livro-reportagem Retirantes na Apartação (Qualitymark), o livro dos artigos Como Braços de Equilibristas (Edições UFC) e o livro infantil de músicas, jogos e brincadeiras, Flor de Maravilha (Plural de Cultura), selecionado pela Câmara Brasileira do Livro como um dos dez finalistas do Prêmio Jabuti 2002, na categoria de Melhor Livro Didático Brasileiro.

Aderson Medeiros é artista plástico, nasceu em Fortaleza no ano de 1948 e desde a década de 60 trabalha na busca dos referenciais de brasilidade, tendo como foco o imaginário popular e como principal elemento de pesquisa o ex-voto. Com atuação marcante nos movimentos pela redemocratização brasileira, merecendo destaque a sua participação na campanha das Diretas Já, Aderson estendeu sua ação na formação da consciência cultural e cidadã em diversas comunidades. É arte-educador e tem textos e ilustrações publicados em livros no Brasil e no Exterior.

Respeitado e reconhecido pela qualidade e profundidade da sua arte, recebeu a Medalha de Ouro na Pré-Bienal de São Paulo; o 1º Prêmio Nacional Brasil Plástica; o Prêmio de Isenção de Júri do XXIII Salão Nacional de São Paulo; Prêmio de Aquisição do IV Salão de Arte de Belo Horizonte; 1º Prêmio Pintura, 1º Prêmio Desenho e 1º Prêmio Escultura na V, VI, VII e IX Unifor Plástica; e, dentre outros, o Prêmio Capa das Listas Telefônicas Ceará Norte/Sul/Centro.

Da sua lista de exposições internacionais constam a Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA); Consejo Municipal del Distrito Federal (Caracas, Venezuela); Mail Art 83 Aux Prémontrés (Pont-a-Mousson, França); Reencontre D´Árt´s Internacional Inter Plastique – Intercaraibe (Caiena, Guiana Francesa); Instituto Ítalo Latinoamericano e Galeria de Arte da Casa do Brasil (Roma, Itália); Haway States Foudation e Contemporary Art Museum (Havaí, EUA); Saints and Binneres Folk Tree (Passadena, EUA); Art of Brasil (Los Angeles, EUA); e Heroes and artists popular Art and the Brazilian Imagination, no The Fitz William Museum (Cambrige, Inglaterra


 

[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Ed. Martin Claret. São Paulo, p. 23, 2002.

 

 

[2] A primeira entrevista coletiva de Lúcio Alcântara como governador eleito foi concedida no dia 28 de outubro, no Hotel Holiday Inn, na Praia de Iracema, em Fortaleza.

 

 

[3] Cambeba é o nome do bairro de Fortaleza onde passou a funcionar o Centro Administrativo do Governo do Ceará a partir do primeiro mandato de Tasso Jereissati em 1987.

 

 

[4] PONTE, Sebastião Rogério. Páginas de fogo e flores. Texto introdutório da edição fac-similar, feita em 2001 pela Fundação Waldemar Alcântara, do livro Libertação do Ceará, de Rodolpho Theóphilo, publicada originalmente em Lisboa no ano de 1914.

 

 

[5] STORNIOLO, Ivo. Como ler o Livro dos Números – a Pedagogia do Deserto. Ed. Paulus, São Paulo, p. 8, 1996.

 

 

[6] Maria Cristina Fernandes é editora de Política e colunista do jornal Valor Econômico.

 

 

[7] ALENCAR, José de. Iracema. Edições UFC, coleção Alagadiço Novo. Edição fac-similar do livro comemorativa do centenário da primeira edição de Iracema, feita pela Imprensa Universitária em 1965. Fortaleza, p. 59, 1985.

 

 

[8] Idem, p. 61-62.

 

 

[9] THÉBERGE, Dr. P. Esboço histórico sobre a província do Ceará. Tomo I. Fac-símile da edição de 1895. Fundação Waldemar Alcântara, coleção Biblioteca Básica Cearense, p. 203, Fortaleza, 2001.

 

 

[10] STUDART, Barão de. Datas e factos para a História do Ceará. Tomo I. Fac-símile da edição de 1896. Fundação Waldemar Alcântara, coleção Biblioteca Básica Cearense, p. 426, Fortaleza, 2001.

 

 

[11] Idem, p. 435.

 

 

[12] Almanaque Abril Multimídia, 4ª edição, São Paulo, 1997.

 

 

[13] LEITÃO, Valton de Miranda. A paranóia do soberano. Editora Vozes. Petrópolis, p. 43, 2000.

 

 

[14] BRAUDEL, Fernand. Gramática das Civilizações. Martins Fontes, São Paulo, p. 42, 1989.

 

 

[15] Idem, p. 45.

 

 

[16] Ibidem, p. 47.

 

 

[17] Eleita prefeita de Fortaleza em 1985, Maria Luiza foi expulsa do PT no final do mandato em 1988 e filiou-se ao PSB, no qual elegeu-se deputada federal em 1990. Mudou para o PSTU e não conseguiu se reeleger. Alterou o nome do PRO (Partido Revolucionário Operário) para PART (Partido da Revolução dos Trabalhadores pela Emancipação Humana), não conseguiu obter registro no Tribunal Superior Eleitoral e passou a fazer campanha pelo voto nulo.

 

 

[18] GURGEL, Ítalo. Maria crucificada, O Povo, de 3.12.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[19] Tasso Exclusivo. Entrevista aborda questões polêmicas. O Povo, 2.4.1990, p. 8-A e 9-A, Política.

 

 

[20] Propaganda alternativa em reboliço eleitoral, O Povo, 14.11.1986, Capa, Segundo Caderno.

 

 

[21] FREIRE, Aldenor Nunes. Eleições Estaduais 86: Governador, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais. [S.n] p. XI, 1986.

 

 

[22] Súmula do seminário do Movimento Pró-Mudanças, xerografado, UFC, 16.1.1987.

 

 

[23] Idem.

 

 

[24] Súmula do seminário do Movimento Pró-Mudanças, xerografado, UFC, 16.1.1987.

 

 

[25] Jornal do Pró-Mudanças, nº 4, 22.9.1987.

 

 

[26] Idem.

 

 

[27] Panfleto xerografado, 1986.

 

 

[28] Diário Oficial do Ceará, edição nº 14.650, p. 25, 4.9.1987.

 

 

[29] LEITE Filho, Rogaciano. Coluna Em Off, 12.2.1988, Segundo Caderno, O Povo.

 

 

[30] CIC dá marcha à ré, Editorial do Jornal do Pró-Mudanças, de 23.2.1988.

 

 

[31] Tasso Exclusivo. Entrevista aborda questões polêmicas. O Povo, 2.4.1990, p. 8-A e 9-A, Política.

 

 

[32] Ata da Reunião do Conselho Deliberativo do MpM, manuscrito, 10.8.1987.

 

 

[33] PETROLA, Paulo. Uma nova política para o Ceará. Jornal do Pró-Mudanças, nº 1, 1.9.1987.

 

 

[34] MONTEIRO, João de Paula. A propósito de uma nova política para o Ceará. Jornal do Pró-Mudanças, nº 3, 15.9.1987.

 

 

[35] LIMA, Francisco. Como se acaba um Movimento. O Povo, de 5.2.1988, p. 6, Opinião

 

 

[36] ABREU, Henrique Sérgio. O Pró-Mudanças é isso aí! Jornal do Pró-Mudanças, nº 25, 29.3.1988.

 

 

[37] LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos – a Guerra dos Jornalistas na Independência (1821-1823). Companhia das Letras, p. 16, São Paulo, 2000.

 

 

[38] JEREISSATI, Tasso. Apresentação da cartilha O Direito de Participar. Governo do Estado, 1988

 

 

[39] Idem.

 

 

[40] Cartilha do Projeto Caminhemos, Assessoria de Comunicação do MpM, 1988.

 

 

[41] Jornal do Pró-Mudanças, nº 27, 12.4.1988.

 

 

[42] Jornal do Pró-Mudanças, nº 28, 19.4.1988.

 

 

[43] Idem.

 

 

[44] Registro manuscrito, 16.4.1988.

 

 

[45] APARECIDA, Inês. Mudança do Estado é essencialmente política / Oligarquias podem deixar de ter espaço. O Povo, 14.2.1987, p. 4 e 5.

 

 

[46] Idem.

 

 

[47] Amarílio afirma que trajetória do Pró-Mudanças é pouco compreendida. O Povo, 5.2.1988, p. 3, Política.

 

 

[48] SOUZA, Erivelto. Os caminhos do Pró-Mudanças. O Povo, 5.2.1988, p. 4.

 

 

[49] Ante-projeto do MpM, xerografado, 1987.

 

 

[50] Idem.

 

 

[51] ALBUQUERQUE, Pedro. Carta xerografada, 27.7.1988.

 

 

[52] O Movimento Pró-Mudanças e as Eleições. Xerografado, sem data.

 

 

[53] O MpM e a sucessão municipal. Nota para a Imprensa. Assessoria de Comunicação do Pró-Mudanças, 3.8.1988.

 

 

[54] Tasso considera reacionária frente para combater candidatura do PMDB. O Povo, 18.10.1988, p. 3, Política.

 

 

[55] Para Édson, Frente se opõe à nova oligarquia. O Povo, 19.10.1988, p. 4. Política.

 

 

[56] Frente contra o Cambeba nasceu dividida e bastante tumultuada. Diário do Nordeste, de 28.10.1988, p. 3, Política.

 

 

[57] Manifestação de Maria Luiza. Nota publicitária. O Estado, 28.10.1988, p. 10.

 

 

[58] Apenas para esclarecer. Editorial. Jornal do Pró-Mudanças, nº 30, 3.5.1988.

 

 

[59] FONTENELE, Maria Luiza. A Administração Popular e o PT. O Povo, 29.4.1988.

 

 

[60] Idem.

 

 

[61] Lustosa diz que Frente não tem postura limitada. O Povo, 18.10.1988, p. 5. Política.

 

 

[62] Empreiteiros são forçados a dar dinheiro para a campanha de Ciro. O Estado, 28.10.1988, pá. 10.

 

 

[63] GURJÃO, Pedro. Essa frente é fria. Diário do Nordeste, 9.11.1988, p. 2, Opinião.

 

 

[64] Idem.

 

 

[65] Manifesto do Movimento Fortaleza Sim, Cambeba Não! O POVO, p. 12, 30.10.1988.

 

 

[66] Idem.

 

 

[67] AUTO Filho, Francisco. Preparando o DerroTasso. O Povo, 29.10.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[68] CARTAXO, Jorge Henrique. O novo espaço político. O Povo, 30.10.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[69] SANTOS, Luís-Sérgio. Sai da Frente. O Povo, 30.10.1988, p. 3, Política.

 

 

[70] PINHEIRO, Sônia. Diário do Nordeste, 30.10.1988, p. 2, DN Gente.

 

 

[71] MARSHALL, Regina. Diário do Nordeste, 14.11.1988, p. 7 Caderno 3.

 

 

[72] LIMA, Francisco. A catarse do vômito. O Povo, 31.10.1988, p. 8, Opinião.

 

 

[73] João Alfredo considera o movimento anti-Cambeba “ideologicamente vago” O Povo, 31,10,1988, p. 2, Política.

 

 

[74] AUTO Filho, Francisco. Crítica dos Nossos Críticos. O Povo, 3.11.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[75] Bases para a Unidade, Caderno I, 1988, xerografado.

 

 

[76] SÃO THIAGO, Moema. Eu amo Fortaleza. Tribuna do Ceará, 2.11.1988, p. 2, Política.

 

 

[77] PAIVA, Flávio. É tempo de dizer não. O Povo, 2..11.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[78] Ciro lidera com 6% sobre Edson Silva. Manchete do Diário do Nordeste, 5.11.1988.

 

 

[79] Fortaleza Sim, o Compromisso com a Cidade. Ineditorial. O Povo, 6.11.1988, p. 16.

 

 

[80] Jereissati prevê disputa “dura” para seu partido na eleição em Fortaleza. Folha de São Paulo, 12.11.1988, p. A-6, Política.

 

 

[81] Candidato do PMDB na frente; os indefinidos ainda são 1/3. O Povo, 11.11.1988, p. 8. Política.

 

 

[82] Diga Sim, Fortaleza, Vote Edson Silva. Ineditorial. O Povo, 12.11.1988, p. 9.

 

 

[83] Termo de Compromisso com a Cidade. Tribuna do Ceará, 5.11.1988, p. 2, Política.

 

 

[84] BRONTÉE, Julieta. O Estado, 8.11.1988, p. 9, Política.

 

 

[85] FREIRE, Aldenor Nunes. Eleições Municipais 88: Prefeitos e Vereadores. [S.m] p. 01. 1988.

 

 

[86] Sai resultado final da eleição. Diário do Nordeste, 15.12.1988, p. 4. Política.

 

 

[87] PT justifica: “Foi melhor perder a eleição que provocar um racha”. JD, 22.11.1988, p. 3. Política.

 

 

[88] PDT comprova duplos boletins na apuração. O Estado, 30.11.88, p. 2. Política.

 

 

[89] CARTAXO, Jorge Henrique. Os atos e atores da eleição. O Povo, de 29.11.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[90] SÁ, Adísia. Vitória do Sistema Democrático. O Povo, 21.11.1988, p. 6, Opinião.

 

 

[91] SÁ, Adísia. Fim de papo. O Povo, 30.11.1988, p. 4, Política.

 

 

[92] Lei de Imprensa utilizada por Tasso para processar jornalista Adísia Sá. O Povo, 30.11.1988, p. 4, Política.

 

 

[93] LIMA, Ernando Uchoa. Página triste da história judiciária. O Povo, 30.11.1988, p. 4, Política.

 

 

[94] Proposta de Diretrizes. Instituto Equatorial, xerografado, sem data.

 

 

[95] Estatuto Social, Capítulo I, Instituto Equatorial, xerografado, 1989.

 

 

[96] PAIVA, Flávio. A ignorância tem pernas curtas. Diário do Nordeste, 17.6.1990, capa do Caderno 3.

 

 

[97] Idem.

 

 

[98] Sem fantasias. Editorial. O Povo, 25.6.1990, p. 6-A, Opinião.

 

 

[99] CARVALHO, Benedito. Cultura democrática no Ceará. O Povo, 4.8.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[100] JUCÁ, Régis. A pesquisa Equatorial. O Povo, 16.8.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[101] CORDEIRO, Celeste. De lesmas e macacos. O Povo, 22.6.1990, p. 6-A, Opinião.

 

 

[102] MORAES Filho, José Filomeno de. A cultura política cearense. O Povo, 28.6.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[103] Brasileiro exercita pouco o seu direito de cidadão, revela IBGE. O Povo, 2.10.1990, p. 5, Economia.

 

 

[104] ENRIQUEZ, Eugène. Folder, Instituto Equatorial, 1990.

 

 

[105] MORAES Filho, José Filomeno de. A cultura política cearense. O Povo, 28.6.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[106] ALBUQUERQUE, Pedro. Ceará 2000, Agora. O Povo, 8.7.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[107] Cearenses acham que vida piorou nos últimos 5 anos. Diário do Nordeste, 17.6.1990, p. 21, Cidade.

 

 

[108] GURGEL, Ítalo. Quem conhece o eleitor. O Povo, 7.8.1990, p. 7-A, Opinião.

 

 

[109] BARTTOCCHIO, Domenico. Ceará 2000: as expectativas do cearense. O Povo, 21.6.1990, p. 6-A, Opinião.

 

 

[110] Pesquisa mostra que o povo entendeu minha luta. Tribuna do Ceará, 20.6.1990, p. 2. Política.

 

 

[111] Idem.

 

 

[112] MAIA, Fernando. Autofagia de um sonho. O Povo, 12.7.1990, Política.

 

 

[113] Anais do II Seminário O Homem e a Seca no Nordeste, CNBB, 1992.

 

 

[114] Oficinas da Ação e da Palavra – Administrações Municipais do Interior – Trilhando o Êxito. Folder. 1993.

 

 

[115] BARREIRA, Américo. Prefácio do livro Governar para as peculiaridades, p. 8, Instituto Equatorial, 1993.

 

 

[116] Idem, p. 9.

 

 

[117] ALBUQUERQUE, Pedro. Administração e democratização. O Povo, 7.7.1989, p. 6-A, Opinião.

 

 

[118] Cólera – no labirinto da informação. Documento com apresentação do médico sanitarista Dower Moraes Cavalcante. Instituto Equatorial, julho de 1992.

 

 

[119] Golfo – Documento de Guerra. Instituto Equatorial, 1991.

 

 

[120] Plano Collor – A Quem Interessa a Recessão. Síntese das palestras dos economistas Francisco José Soares Teixeira, Osmundo Rebouças, Jair do Amaral Filho e do cientista político Jawdat Abu-El-Haj, realizadas na sede do Instituto Equatorial (rua Assis Chateaubriand, 170) em setembro de 1990, tendo como moderadores os sociólogos André Haguette e Daniel Pinheiro.

 

 

[121] Os 111 presos foram executados pela Polícia Militar de São Paulo, na noite de 2.10.1992, durante uma rebelião na maior cada de detenção da América do Sul. A chacina virou o livro “Estação Carandiru”, do medido Drauzio Varella que, dez anos depois, foi adaptado para o cinema por Hector Babenco.

 

 

[122] Equatorial Informações, nº 2, p. 3, 20.12.1991.

 

 

[123] Indicadores de Desenvolvimento e Desigualdade. Relatório síntese. Instituto Equatorial, 1991.

 

 

[124] Sociedade tem de assumir papel. Diário do Nordeste, 9.5.1993, p. 15, Economia.

 

 

[125] REBOUÇAS, Osmundo, PAIVA, Flávio, LIMA, Cláudio Ferreira e MONTEIRO, João de Paula. Gestão Compartilhada – O Pacto do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 2, 1994.

 

 

[126] ARARIPE, Flamínio, Ciro lança o Pacto de Cooperação. O Povo, 19.10.1991, p. 1-E.

 

 

[127] REBOUÇAS, Osmundo, PAIVA, Flávio, LIMA, Cláudio Ferreira e MONTEIRO, João de Paula. Gestão Compartilhada – O Pacto do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 15, 1994.

 

 

[128] PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula, Os 5 Elementos – A Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 75, 2001.

 

 

[129] MACÊDO, Amarílio. O Ceará constrói a sua maturidade social. Revista Desenvolvimento e Cidadania. Instituto do Homem, São Luís, mar/abr/mai, de 1993.

 

 

[130] PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula, Os 5 Elementos – A Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 76, 2001.

 

 

[131] REBOUÇAS, Osmundo, PAIVA, Flávio, LIMA, Cláudio Ferreira e MONTEIRO, João de Paula. Gestão Compartilhada – o Pacto do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 95, 1994.

 

 

[132] Idem, p. 99-101.

 

 

[133] Ibidem. Depoimento de Cláudio Frischtak, p. 155, 1994.

 

 

[134] Cearenses planejam discutir 2020 em 94. O Estado de São Paulo, 1.12.1993, p. 6, Economia.

 

 

[135] PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula. Os 5 Elementos – A Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 68, 2001.

 

 

[136] BACELAR, Tânia. Prefácio. Idem, p. 16.

 

 

[137] RÍO, Enrique Del. El papel del movimiento social de base en el desarrollo local. Síntese de palestra proferida em Tenerife no dia 13.3.1998.

 

 

[138] Antônio Carlos (Dataprev), Antônio Pinheiro de Freitas (Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador – CETRA), Bosco Cardoso (Associação dos Funcionários da Caixa Econômica Federal – APCEF), Epifânio Carvalho (Cetra), Flávio Paiva (Coordenador da Comunicação no Pacto de Cooperação), Joaquim Cartaxo (Cetra), José Nunes Passos (Sindicato dos Comerciários), Lúcia Paixão (Cetra), Marlene Cazela (Dieese) e Nívia Rolim (Sindieletro).

 

 

[139] Registro de reunião, xerografado, outubro 1993.

 

 

[140] Mesa do Trabalhador – Bases para um Fórum Livre construído a partir da ótica do trabalhador, xerografado, 1994.

 

 

[141] Idem.

 

 

[142] ALCÂNTARA, Lúcio, Processos de Gestão Compartilhada de Políticas Públicas no Ceará Hoje: a Questão dos Conselhos, Caderno de Debates, Coleção Idéias, Senado Federal, Brasília, 2000.

 

 

[143] CAMPOS, Fábio. Governo Tasso deve criar conselhos e repartir o Estado em 20 regiões. O Povo, 2.12.1994, P. 3-A, Política.

 

 

[144] Idem.

 

 

[145] BRUNO, Artur, FARIAS, Aírton de, ANDRADE, Demétrio. Os pecados capitais do Cambeba. Ed. Expressão, Fortaleza, p. 75-76, 2002.

 

 

[146] CORDEIRO, Celeste. Conselhos de Desenvolvimento Sustentável no Ceará: os Desafios da Gestão Compartilhada. Xerografado, Fortaleza, junho de 1998.

 

 

[147] MACÊDO, Amarílio. Mobilização com confiança. O Povo, 31.1.1998, p. 7-A, Opinião.

 

 

[148] CAVALCANTE, Antônio Mourão. Pacto de Cooperação, uma pedagogia do social. O Povo, 31.1.1998, P. 7-A, Opinião.

 

 

[149] Idem.

 

 

[150] SOUZA, Cícero Pereira. Pactos pelos sertões. O Povo, 31.1.1998, p. 7A, Opinião.

 

 

[151] MACÊDO, Amarílio. Apresentação do Relatório da Conferência Construindo o Ceará 2020. Versão 0, p. 3, Prática, 1997.

 

 

[152] MACÊDO, Amarílio. Entrevista no Jornal Parceria. Governo do Estado do Ceará, julho de 1997.

 

 

[153] JERESISSATI, Tasso. Apresentação do documento Consolidando o Novo Ceará – Plano de Desenvolvimento Sustentável 1999-2002, Governo do Ceará, 2000.

 

 

[154] PAIVA, Flávio. Como Braços de Equilibristas. Edições UFC, p. 268, 2001.

 

 

[155] Acordo de Cooperação, assinado por Jorge Parente (CIC), Fernando Cirino (Fiec), Valman Miranda (CDL), Cléber Cunha (Facic) e Juraci Magalhães (Prefeitura Municipal de Fortaleza).

 

 

[156] PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula. Os 5 Elementos – a essência da gestão compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 115, 2001.

 

 

[157] Idem, p. 72.

 

 

[158] BACELAR, Tânia. Prefácio. Ibidem, p. 16.

 

 

[159] MONTEIRO, João de Paula. Originalidade no ser e no fazer. O Povo, 31.1.1998, p. 7A, Opinião.

 

 

[160] Filho, um dia isso tudo será seu. Anúncio na revista Marketing Cultural, nº 48, São Paulo, contracapa, junho, 2001.

 

 

[161] Se a guerra do outro lado do mundo mexe com você, imagine a fome e a miséria que estão bem do seu lado. Anúncio. Diário do Nordeste, 16.11.2002, p. 10.

 

 

[162] O seu filho usa este jornal para ficar mais informado. Centenas de crianças usam para ficarem mais aquecidas. Anúncio. O Povo, 15.11.2001, p. 12.

 

 

[163] LEITÃO, Valton de Miranda. A paranóia do soberano – uma incursão na alma da política. Editora Vozes. Petrópolis, 2000, p. 27.

 

 

[164] Relatório da 1º reunião mensal de coordenadores dos Pactos e Fóruns de 2002. Grupo Gestor do Pacto de Cooperação, 4.3.2002.

 

 

[165] SPAM é o nome dado ao envio de e-mails não solicitados (ENS), www.secrel.com.br/homepage/informe. SecrelNet 2000.

 

 

[166] PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula. Os 5 Elementos – A Essência da Gestão Compartilhada no Pacto de Cooperação do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, p. 62-63, 2001.

 

 

[167] Nas eleições de 6 de outubro de 2002 foram registradas oito candidaturas ao Governo do Ceará: 12 Pedro Albuquerque, 58 anos, sociólogo (PDT), 13 José Airton Cirilo, 46 anos, advogado (PT-PCdoB-PL-PMN-PCB), 14 Cláudia Brilhante, 32 anos, fisioterapeuta (PTB), 15 Sérgio Machado, 56 anos, empresário (PMDB-PFL), 16 Raimundão, 53 anos, trabalhador da construção civil (PSTU), 18 Levy Lafetá, 58 anos, advogado (PST), 40 Wellington Landim, 47 anos, médico (PSB-PSDC-PSC-PSL-PTdoB-PHS-PAN-PGT-PRTB) e 45 Lúcio Alcântara, 59 anos, médico (PSDB-PPB-PSD-PV), numa campanha com funcionamento à base de “coligações brancas”, um tipo de contrafação eleitoral através da qual os interesses dos chefes políticos se sobrepõem aos dos partidos e às leis eleitorais.

 

 

[168] Fundamentos para a elaboração do projeto Ceará que Queremos. Assessoria Política do Senador Sérgio Machado. 2002.

 

 

[169] REBOUÇAS, Osmundo, PAIVA, Flávio, LIMA, Cláudio Ferreira e MONTEIRO, João de Paula. Gestão Compartilhada – O Pacto do Ceará. Qualitymark, Rio de Janeiro, 1994.

 

 

[170] LADIM, Wellington. Telecópia, novembro, 2002.

 

 

[171] Wellington Landim – Ele peitou Tasso. Revista Fale! nº 3, p. 14, Fortaleza, novembro de 2001.

 

 

[172] Idem, p. 15.

 

 

[173] Ibidem, p. 18.

 

 

[174] Lúcio Alcântara, Celeste Cordeiro, Carlily Lavor (presidente do PSDB), João de Paula Monteiro, João Parente (Planefor), Flávio Paiva, Alex Araújo (presidente do Iplance) e Alfredo Lopes (assessor do governador Beni Veras e ex-Diretor de Gestão Participativa, no tempo dos Conselhos de Desenvolvimento do governo Tasso Jereissati), além de Paulo Brasil (facilitador da Personal Consultoria) e Afonso Celso (assessor parlamentar).

 

 

[175] GIRÃO, Blanchard. Doutor Waldemar – o Médico, o Político. Ed. Anuário do Ceará, 1992.

 

 

[176] ALCÂNTARA, Lúcio. Pequenos escritos. Ed. Seep, Senado Federal, Brasília, 2001.

 

 

[177] Movimento Ceará Cidadania. Documento base, folha 6, 2002.

 

 

[178] ALCANTARA, Lúcio. Apresentação do documento do Movimento Ceará Cidadania, 2002.

 

 

[179] CIRILO, José Airton. Entrevista exclusiva a Flávio Paiva, em 9.9.2002.

 

 

[180] CIRILO, José Airton. Autonomia Municipal – Icapuí, uma experiência inspirada na Polis”. Ed. Expressão, p. 24, 2002.

 

 

[181] CIRILO, José Airton. Entrevista exclusiva a Flávio Paiva, em 9.9.2002.

 

 

[182] Idem.

 

 

[183] Ibidem.

 

 

[184] LEITÃO, Valton Miranda. A Paranóia do Soberano – uma incursão na alma da política. Petrópolis, Editora Vozes, p. 27-28, 2000.

 

 

[185] SANTOS, Boaventura de Sousa (org.) e AVRITZER, Leonardo. Democratizar a Democracia – os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, p. 75, 2002.

 

 

[186] Idem.

 

 

[187] Ibidem.

 

 

[188] Frase atribuída a Frederico II (1712-1786), da Prússia. Telecurso 2000, TVC, 12.8.2002.

 

 

[189] REBOUÇAS, Osmundo, LIMA, Cláudio Ferreira, PAIVA, Flávio e MONTEIRO, João de Paula. Gestão Compartilhada – o Pacto do Ceará. Ed. Qualitymark, p. 99, Rio de Janeiro, 1994.

 

 

[190] Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI. Ed. Abril Multimidia. Verbete “Maquiavelismo”, também apontado como procedimento astucioso, abordado na obra O Príncipe, do escritor e estadista florentino Niccolò Machiavelli (1469-1527), São Paulo, novembro de 1999.

 

 

[191] GONDIM, Linda. Clientelismo e Modernidade nas Políticas Públicas – os “Governos das Mudanças” no Ceará (1987-1994). Ed. Unijuí, p. 41, Ijuí-RS, 1998.

 

 

[192] MAGALHÃES, Vera. Coronéis de roupa nova. Revista Primeira Leitura, 7ª edição, p. 96-99, São Paulo, setembro de 2002.

 

 

[193] Seleção rejeita manipulação política. Diário do Nordeste, Esportes, Fortaleza, 21.8.2002.

 

 

[194] RODRIGUES, Fernando e FERNANDES, Kamila. Ciro vê a derrota do Brasil com camisa 23. Folha de São Paulo, Eleições, 22.8.2002.

 

 

[195] ARRUDA, Roldão. Felipão admite que CBF ordenou homenagem. O Estado de São Paulo, Eleições 2002, p. A8, 22.8.2002.

 

 

[196] Idem.

 

 

[197] Cafu repete gesto ao erguer taça do pentacampeonato. Diário do Nordeste, Esportes, Fortaleza, 22.8.2002.

 

 

[198] Ibope. Lúcio Aumenta diferença. Diário do Nordeste, 1ª página, Fortaleza, 4.8.2002.

 

 

[199] Ibope: Lúcio lidera com 45%; Sérgio tem 11%. O Povo, p. 23, Política. Fortaleza, 9.8.2002.

 

 

[200] Evolução da intenção de voto. Diário do Nordeste, Caderno Eleições, p. 2, Fortaleza, 23.9.2002.

 

 

[201] No segundo turno da eleição presidencial 2002, Lula foi votado por 52.793.364 brasileiros, vencendo o pleito com 61,3% dos votos.

 

 

[202] Folder com temas de articulação social do Movimento Ceará Cidadania.

 

 

[203] THEÓPHILO, Rodolfo. Libertação do Ceará. Fac-símile da edição de 1914, publicada em Lisboa. Fundação Waldemar Alcântara, coleção Biblioteca Básica Cearense, p. 37, Fortaleza, 2001.

 

 

[204] Idem, p. 17.

 

 

[205] LOPES, Eugênia. Tumulto marca fim de campanha no Ceará. O Estado de São Paulo, Eleições, p. H20, São Paulo, 27.10.2002.

 

 

[206] Coligação pede que TER apure denúncias de fraude. O Povo, Política, p. 19, Fortaleza, 5.11.2002.

 

 

[207] Pedido de anulação de votos é negado pelo TRE. O Povo, Política, p. 22, Fortaleza, 7.11.2002.

 

 

[208] ALMEIDA, Rodrigo e CAMPOS, Fábio. O PT não respeitou o Ceará. O Povo, Política, p. 24-5, Fortaleza, 20.10.2002.

 

 

[209] ALMEIDA, Rodrigo. Quem é Ciro para falar do PT?”. O Povo, Política, p. 14, Fortaleza, 21.10.2002.

 

 

[210] ______. Votação dará medida da força de Tasso no Ceará. Idem, p. H15, São Paulo, 28.10.2002.

 

 

[211] FERNANDES, Kamila. Disputa acirrada põe à prova ´era Tasso´ pela primeira vez. Folha de São Paulo, Eleições, p. 22, São Paulo, 28.10.2002.

 

 

[212] No Ceará, tucano tenta manter PSDB no poder. Folha de São Paulo, Eleições, p. 8, 21.10.2002.

 

 

[213] ALCÂNTARA, Lúcio. Essa nossa nova sociedade. Folha de São Paulo. Tendências/Debates, 24.10.2002.

 

 

[214] JEREISSATI, Tasso. Entrevista a Érick Guimarães. Tasso: não houve rejeição ao Cambeba. O Povo, Política, p. 19, Fortaleza, 29.10.2002.

 

 

[215] PESSOA, Roberto. Democracia e legitimidade. O Povo, Opinião, p. 6, Fortaleza, 4.11.2002.

 

 

[216] Tasso: “Essa é uma das vitórias mais espetaculares”. O Povo, Política, p. 3, Fortaleza, 28.10.2002.

 

[217] SALES, Christianne. Lúcio: “O acirramento acabou”. O Povo, p. 18, Política, Fortaleza, 29.10.2002.