Por Luciano Velleda, da RBA
Flávio Paiva é autor de “Código Aberto – Autobiografia Colaborativa”, obra elaborada a partir de perguntas enviadas por artistas, filósofos, sociólogos, jornalistas, cineastas, poetas e mais
São Paulo — Ao se aproximar do aniversário de 60 anos, o escritor cearense Flávio Paiva se sentia inquieto. As turbulências políticas, sociais e econômicas do Brasil e do mundo lhe tiravam a tranquilidade. Nascido na cidade de Independência, no sertão dos Inhamuns, interior do Ceará, ele já havia deixado para a sociedade a autoria de 25 livros nas áreas da infância e do que chama de “cidadania orgânica”. Queria de alguma forma marcar o aniversário de 60 anos com um novo livro, mas sentia que não poderia ser puramente teórico.
E então se lembrou das amizades acumuladas ao longo da vida, das pessoas interessantes com as quais se relacionou, pessoas com ideias e pensamentos próprios. E assim decidiu: entraria em contato com 60 amigos, e para cada um pediria um presente insólito: uma pergunta. Qualquer pergunta, sobre qualquer assunto, de modo que a elaboração da resposta lhe permitisse refletir sobre a vida, passado, presente e futuro.
Assim nasce o livro Código Aberto – Autobiografia Colaborativa (Cortez editora), que o escritor lança hoje (15), em São Paulo. Entre os “perguntadores”, figuras como a cantora Adriana Calcanhotto, a poetisa Alice Ruiz, o sociólogo Pedrinho Guareshi, os músicos Tom Zé e Chico César, a historiadora Isabel Lustosa, o cantor e humorista Falcão, o ativista ecológico Bené Fonteles, os jornalistas Maurício Kubrusly e Maria Cristina Fernandes, e outros 50 amigos.
“Fui para o meu mergulho individual”, diz Flávio Paiva, explicando que as perguntas lhe permitiram desenvolver textos mais ensaísticos. “As perguntas me ajudaram a fazer reflexões, relatos, mas tudo isso vai reposicionando o meu olhar. Acho que saio (do livro) com mais perguntas”, pondera o autor, colunista semanal do caderno Vida & Arte, do jornal O Povo, de Fortaleza.
“Hoje há resposta para tudo, e isso faz com que as pessoas não perguntem, não tenham mais dúvida de nada, e quando se perde a capacidade de ter dúvida, se fica vulnerável”, afirma Paiva. O caminho do valor da pergunta foi o escolhido, por exemplo, pelo sociólogo Pedrinho Guareschi, que durante 40 anos foi professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
“Paulo Freire diz que a pergunta é libertadora, pois faz pensar; e pensando, buscando respostas, o ser humano cresce em consciência — a consciência que liberta. Mas num mundo como hoje, onde todas as respostas já são dadas, qual a pedagogia para que as pessoas se perguntem e com isso pensem e consequentemente se libertem?”, questiona Guareschi.
Ao que o autor responde: “Pedrinho, encontrar motivações para perguntar quando todas as respostas parecem disponíveis, neste tempo de extremismos marcados por um tipo de compulsão heróica com a qual as pessoas circulam afirmações impensadas, é um desafio que passa por exercícios que recuperem a dúvida a partir do campo da experiência”. E a resposta segue por 14 páginas, nas quais Flávio Paiva discorre se apoiando em ideias do filósofo Albert Camus, do psicanalista pernambucano Jurandir Freire Costa, do ensaísta búlgaro Tzvetan Todorov e, claro, do educador Paulo Freire.
“O alcance de um humanismo crítico, combativo e colaborativo demanda que se tome como chave de entrada para o muro das respostas-delivery algumas ‘palavras geradoras’ paulofreireanas que propiciem ressignificações dos sentidos das circunstâncias. O termo ‘inclusão’, por exemplo, que deveria traduzir a necessidade de correções históricas das desigualdades, foi associado a desejos induzidos pelo marketing do consumismo e lido pela população como, entre outras percepções, um direito ao desperdício como estilo de vida. Se a decodificação do verbo ‘incluir’ tivesse sido mediada pelo si, a grande maioria da população brasileira não teria atribuído as conquistas sociais, econômicas e culturais promovidas nos governos Lula-Dilma (2003-2016) apenas aos esforços industriais e comerciais para oferecer produtos e serviços mais acessíveis, às correntes digitais de autoajuda e às orações dos pragmáticos mercadores da fé”, reflete o autor, em trecho da resposta ao sociólogo Pedrinho Guareschi.
Espelho da vida
Ao receber as 60 perguntas, Flávio Paiva se deu conta de que as diferenças de questionamentos também revelavam como cada uma das 60 pessoas o vê. Há perguntas filosóficas — “Quando você era garoto se imaginou um dia com 60 anos de idade? E como seria esse você, parecido ou não com o de hoje?”, como a feita pela cantora Adriana Calcanhoto; e outras que abordam temas da conjuntura do país — “Como você entra em sintonia com temas tão diversos, o de jornalista, o de artista, o de assessor de empresa, o de escritor infantojuvenil, o de produtor cultural, etc., quais as principais virtudes a serem mais exercitadas na atualidade como tentativa de entendimento e superação de um mundo com tanta violência e desigualdade social?”, enviada por Albanisa Dummar Pontes, jornalista e diretora da editora Armazém da Cultura.
“Pude responder com o exercício que fiz ao longo da minha vida, observando e participando da vida política e social”, analisa Paiva. A era das fake news, da comunicação on-line e das redes sociais tem sido um tema importante de reflexão para o autor de Código Aberto – Autobiografia Colaborativa. Para ele, se por um lado as novas tecnologias trazem possibilidades “fantásticas”, por outro, a falta de preparo dos indivíduos prejudica.
“A tecnologia traz um conjunto de valores, e as pessoas podem achar que ela representa a nova verdade do mundo”, diz. “Estamos confusos.”
Para o escritor de livros infantojuvenis, há um alinhamento entre as novas ferramentas de comunicação e a percepção do que define como “falsos desejos”. Uma época em que as pessoas desejam coisas que, na verdade, nem querem realmente. O resultado é um ciclo vicioso de tensão, revolta e violência. “Hoje não sabemos o que queremos”, afirma Flávio Paiva.
O auto-presente de aniversário, ao final, produziu um bom fruto. Com a ajuda de 60 amigos e suas 60 perguntas, o escritor cearense chega então aos 60 anos de idade mais aliviado. “Eu andava um pouco aflito. Limpei isso, consegui me desvencilhar dessas sujeiras, dessa comunicação fake news e então ver o que está por trás.”
Lançamento do livro Código Aberto – Autobiografia Colaborativa.
Sábado (15), Espaço Cortez, Rua Bartira, 317, Perdizes, SP.
10h30 – café da manhã e autógrafos
11h30 – apresentação da música tema do livro
12h – bate papo com o autor