guiaGuia Brasileiro de Produção Cultural 2001
Instituto Suba – Sesc São Paulo – The British Council 
Por Edson Natale

Reúne dicas e sugestões a respeito da produção cultural brasileira, com entrevistas de Dora Kaufman, Flávio Paiva, Helena Katz, Hermano Viana, Hugo Possolo, Maria Apparecida Bussolotti, Maurício Pereira, Paulo Freire, Rubens Matuck, Tárik de Souza e Washington Olivetto.

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Música Plural Brasileira 
Por Flávio Paiva

O principal resultado prático obtido pelo fórum foi a quebra das arestas entre pessoas ligadas a estilos diferentes

Edson Natale – Por que e como vocês concluíram que era necessária uma união das forças que produzem arte em Fortaleza?

Flávio Paiva – O Fórum da Música Plural Brasileira aconteceu como resultado de uma série de impulsos de mobilização da sociedade civil que vem ocorrendo no Ceará. Da mesma maneira que existe o Fórum da Música (lançado em março de 1999), há mais de uma dezena de instâncias de discussões temáticas, setoriais e regionais abrigadas numa movimentação de gestão compartilhada chamada Pacto de Cooperação. Esse pacto, instalado em 1991, tem como premissa essencial a ação de catálise para o desenvolvimento sustentado do Ceará. Paralelo a isso, lançamos em 1996, no Sindicato dos Jornalistas, o projeto cultural “Sexta com Arte”, em que pela primeira vez aplicamos o conceito de Música Plural Brasileira. A idéia era reunir uma seqüência de apresentações de artistas brasileiros de grande valor artístico, mas sem “valor” de mercado. Deu certo. As pessoas passaram a visualizar uma produção de qualidade e diversificada que jamais imaginavam existir. Isso, inclusive, em relação aos artistas locais. A onda pegou e ganhou os espaços culturais dos bares — muitos dos quais estão adotando a expressão Música Plural. O surgimento de um fórum para encontros, trocas de idéias e busca de saídas criativas, capazes de fazer pequenas diferenças, para o fortalecimento da diversidade musical brasileira aconteceu por decorrência natural dessas movimentações.

Esse movimento se chama Música Plural Brasileira?

A troca do “P” de Popular pelo “P” de Plural visa apenas chamar a atenção das pessoas para a diversidade da nossa música. Precisamos de música para divertimento e lazer, mas precisamos também daquela que nos faz pensar, refletir, sonhar, vaguear por dentro de nós mesmos. Não há qualquer pretensão de criação de rótulo. Além disso, a sigla MPB fica preservada.

Qual é a dinâmica que vocês encontraram para a condução das discussões?

As reuniões são itinerantes e acontecem em média duas vezes a cada mês. Raramente há pauta prévia. Quando chega a hora de começar, quem está presente contribui para a preparação da pauta. Daí, a coordenação conduz o processo e o responsável pela secretaria executiva faz um registro dos encaminhamentos. O principal resultado prático obtido pelo fórum, desde março de 1999, foi a quebra das arestas entre pessoas ligadas a estilos diferentes. Dentro da compreensão de que é preciso ter zelo coletivo pela música, independentemente de tema ou forma, as reuniões do fórum contam com a participação de roqueiros, MPB tradicional, música regional, hip hop , eruditos etc. O respeito ao outro, o respeito aos diferentes têm sido um grande avanço. Outra vitória muito interessante do fórum é o rompimento com a tentação de ficar amarrado, falando mal, para sair em busca de saídas inventivas, muitas vezes bastante simples de serem postas em prática. Para que isso fosse possível, acordamos o lema “Paciência, Paciência, Paciência”. É quase um mantra que nos anima a compreender que os problemas da música não nasceram ontem e que as soluções também não serão instantâneas. Esse “mantra” joga bons horizontes na frente das pessoas e começa-se a pensar no longo prazo, evidentemente, tratando de definir que passos e caminhos precisamos seguir para chegar a esses horizontes vislumbrados. Nessa tarefa de ir colocando sonhos em ação, alguns passos também já foram dados no sentido de conquistar o direito de oportunidade de quem faz música poder mostrar e das pessoas poderem ter acessos ao que se faz, para poder optar. Desse jeito, vamos fazendo coisas leves e avançando. Temos um site na internet, videoplipes de artistas locais no Festival de Cinema, na TV Ceará, algumas empresas com CDs de boa música na espera telefônica e, principalmente, um clima de valorização musical em Fortaleza. Há uma certa borbulha de aquecimento cultural na cidade em fase de sintonia.

Que tipo de engajamento vocês sentem da comunidade artística da região?

Existe a percepção dos muitos e diversificados talentos, existe a crença de que é possível alcançar mais e mais degraus na conquista do reconhecimento, mas ainda se reluta na hora de algumas ações renovadoras. Na verdade, passou-se muito tempo inventando coisas que não deram certo. No Fórum da Música, procuramos nos esforçar para mostrar que nada foi feito em vão. Mesmo os erros, os delírios criativos e as confusões foram importantes para a caminhada. Hoje, só podemos estar vivenciando essa experiência plural do fórum porque no passado muitas pessoas se mexeram para fazer acontecer coisas, quer tenham sido reconhecidas ou não como deviam. O Ceará tem bons compositores, arranjadores, intérpretes e instrumentistas. Tem bons estúdios e até uma fábrica de discos, que é a CD+. Muito tem sido construído com dedicação, trabalho e engajamento disperso. E é nesse ponto da dispersão que o fórum pode contribuir para fomentar a cultura da cooperação, da complementaridade, da pluralidade e da catálise.

Quais os objetivos já alcançados? Quais são os objetivos a curto, médio e longo prazos?

Um objetivo alcançado é o fato de o fórum acontecer voluntariamente desde março de 1999, sem estresse e sem sobrecarga para qualquer de seus participantes. Munidos da compreensão de que é o comportamento da sociedade que determina o desenvolvimento e que o interesse comum pode levar diferentes à convergência, os integrantes do Fórum da Música saem das reuniões prontos para aplicar o conhecimento gerado de maneira coletiva em sua vida particular ou reproduzir em outras experiências também coletivas. O principal produto do Fórum da Música Plural, como instância autônoma do Pacto de Cooperação do Ceará, é o próprio processo, é a movimentação, a mobilização, a catálise. O fórum não faz nada, não realiza, apenas catalisa forças de agentes sociais complementares, através da informalidade, da virtualidade, da valorização da intuição, da flexibilidade e da convergência.