Jornal do Brasil, 24/07/2009

Em livro de artigos, Flávio Paiva aposta na preparação do adulto 
por RODRIGO DE ALMEIDA

RIO DE JANEIRO – A vida tem pressa. Encurta a infância, esmaece o lúdico, inibe a criatividade, antecipa a maturidade, uniformiza gostos e saberes. É contra esse roteiro de perversidades que se volta o jornalista, escritor e educador Flávio Paiva no livro recém-lançado Eu era assim: infância, cultura e consumismo – soma de artigos e ensaios, publicados por mais 10 anos em jornais, revistas e portais, nos quais tenta sublinhar a crise da infância e do que chama de entendimento humano sobre a noção dos anos. Condena, entre outras coisas, o consumismo, a ‘invisibilidade das culturas marginalizadas’ e os excessos cometidos contra as narrativas infantis.

O Eu era assim , do título, refere-se a uma cantiga de brincar mantida pela memória da sabedoria popular: ‘Quando eu era menino / eu era assim / Quando eu era velhinho / eu era assim / Assim, assim’. Nela, explica o escritor, podemos ser, a um só tempo, adultos e crianças, velhos e meninos. É esta ideia de permanência e mudança que Flávio Paiva destaca no livro: a vida passa, mas certas características precisam ser mantidas, sobretudo o lúdico, algo que liga, ou deveria ligar, segundo ele, a infância à velhice. Perdê-lo significa abdicar da imaginação, do alívio das tensões cotidianas, da aventura, da liberdade de interpretação da vida. O jornalista sabe disso pela própria experiência, absorvida numa infância lúdica no interior cearense, na prática que exerce com os próprios filhos e nas sua produção para crianças – em livros e CDs.

‘O baú de literatura, brinquedo e música motiva a criança a falar do que está fazendo na escola e motiva seus cuidadores a reagirem com o lúdico que cada adulto guarda dentro de si’, escreve ao comentar um projeto de estímulo à leitura.

Seus textos aparecem divididos em quatro partes. No primeiro, uma análise sobre as relações entre infância e consumismo. No segundo, destaque a formas mobilizadoras do educar (Monteiro Lobato reina aí). No terceiro, a necessidade de confrontar as influências externas a narrativas próprias de nossa cultura (como o Saci-pererê, defendido por Flávio Paiva e outros para ser o mascote da Copa do Mundo de 2014). Por fim, e o melhor, o papel das histórias infantis como forma de ligar todas as idades, todas as fronteiras, todos os matizes.

Flávio Paiva lembra, por exemplo, o processo de mudança ocorrido em décadas. ‘As chamadas sessões da tarde e os filmes de curta duração (…) estavam dentro da noção de passatempo’, diz. ‘As histórias em quadrinhos eram a grande influência a misturar divertimento com modelagem cultural. As atenções do mercado voltaram-se para a infância, inicialmente com a intenção de conquista preparatória de futuros consumidores, mas logo as crianças passaram a ser vistas e tratadas como consumidoras’.

As histórias infantis integram a lista de lenitivos contra tais problemas. ‘As histórias infantis partem de duas necessidades humanas essenciais’, sugere. ‘A de exploração da natureza lúdica, como fio condutor da liberdade criativa em todas as idades; e a de testar hipóteses no plano imaginário, para a reinvenção da vida cotidiana.’

Não se trata, porém, de um livro desesperançado. Ao contrário. Para além da crítica, Flávio Paiva ajuda a enxergar o que há de possibilidade transformadora nas ações educativas e na preparação do adulto futuro.

LEIA AQUI Carta encaminhada pelo Projeto Criança e Consumo (Instituto Alana) ao jornalista Rodrigo de Almeida, parabenizando-o pelo artigo.