Diário do Nordeste, Caderno 3, Fortaleza, 28/07/2001


CHAMADA 
Bamba-la-lão é o mais novo trabalho musical que o jornalista e produtor Flávio Paiva lança hoje, às 16 horas, na Casa de Brinquedos da Cuca Legal, na Rua Oswaldo Cruz, 1306. O disco tem a participação da cantora Olga Ribeiro. (foto)


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Encantamentos, brincadeiras, imaginação. Um mundo a ser redescoberto e recriado. Missão dos primeiros mestres das boas escolas, a formação cultural infantil, dos dias de hoje, passa também por muitos outros fatores, além das novas metodologias pedagógicas. Passa pela liberdade da interação coletiva, longe dos cerceamentos dos quarteirões e dos condomínios e vai bem mais além das interiorizações da televisão, dos videogames e dos computadores.

Nada contra, mas ficar preso demais a tecnologia, quando o corpo exige movimentos e a cabeça está ávida por informações, é fogo. Sobretudo, em tempos de televisão com programações tão toscas, tão diferentes daquelas de uma geração atrás. Não estou falando, portanto, de quem entendeu o espírito do Balão Mágico, do Sítio, da Arca de Noé e até do Garibaldo e tal…

Pois bem, ao mesmo tempo, essa nova realidade de contextualização do universo infantil envolve, obrigatoriamente, a literatura e os CDs infantis, criações que se propagam, revelando novas nuances do despertar imaginário lúdico, indispensável para todos, em todos os tempos. Na literatura recente produzida pelos cearenses, já temos os nossos referenciais, caso do escritor Almir Mota.

Na música infantil, projetos como o “Um Canto em Cada Canto”, tocado pela arte-educadora Gigi Castro, uniram-se, há dois anos, com a sensibilidade e as idéias do jornalista, compositor e produtor musical Flávio Paiva. Coincidindo com o nascimento de Lucas, primeiro filho da união com a também jornalista Andréa Pinheiro, ele lançou, em 97, “Samba-le-lê”, marcando o início de uma parceria com músicos cearenses, como a cantora Olga Ribeiro. As cantigas infantis em homenagem à primeira “cria” renderam.

Muita gente ouviu e se encantou com as poesias simples, mas de sensibilidade tão sofisticada como as canções, em diversos ritmos. Na recente eleição do Prêmio Nelsons (promovido na Internet pelo jornalista Nelson Augusto) Flávio foi até considerado o melhor compositor de música infantil. Com seu canto envolvente e bem cearense, Olga também foi eleita a melhor intérprete do gênero.

Agora, a parceria está de volta. Em homenagem a Artur, o caçula da família (até agora), Flávio, Andréa e Olga lançam “Bamba-la-lão”, numa festa que vai reunir muita brincadeira, hoje, na Casa de Brinquedos da Cuca Legal.

“Vai ser uma apresentação informal, onde a Olga e o grupo VivAção vão brincar e cantar algumas músicas, na calçada, de modo bem descontraído”, descreve o idealizador desta tarde lúdica na Aldeota.Mais uma vez, felizmente, a infância de muitos cearenses vai ser incentivada um pouco mais, mostrando que, com muita animação, imaginação e uma boa dose de respeito à natureza e às tradições, dá para se vislumbrar uma realidade melhor para Lucas, Artur, Gabriella, Rebecca, Beatriz, Olga, Igor, Davi, João, Andressa, Clara e tooodo mundo.

Uma das faixas de Bamba-la-lão chama-se “Obrigado, Mundo”. Nesse “cântico à vida plena”, Flávio Paiva fala de uma “vida solta na imensidão, feita a ferro e imaginação”, evocando, além dessa busca pela realidade e pela criatividade, o sentido ecológico, que tão tardiamente estamos aprendendo a semear.

No fundo no fundo, há uma necessidade de transmitir valores culturais difíceis de serem valorizados hoje em dia, quando as crianças não usufruem sequer de espaços de lazer. Esse trabalho visa às crianças que não percebem o mundo em que vivem. É um convite ao deleite, a conhecer esse mundo”, diz o jornalista.

Assim, a realidade é exposta de uma maneira lúdica por Flávio Paiva. Mesmo quando ele fala na realidade das crianças abandonadas, em “Bolhas de Sabão”. “Não é nada panfletário”, afirma.

O importante é ir mantendo o respeito à cidadania e à imaginação infantil, à exemplo dos trabalhos desenvolvidos, com outra linguagem, pela atriz Bia Bedran, por exemplo. “Não é uma influência, mas, apesar de usar uma linguagem mais íntima aos cariocas, ela tem muito dessa atitude de respeito à consciência infantil”, pondera.

Mais uma vez, Flávio e Olga são acompanhados por um time de primeira, que fazia aquela fuzarca no estúdio do pianista Adelson Viana. Assim, o baixista Aroldo Araújo integrou-se ao time do Samba-le-lê: Tarcísio Sardinha (violão e direção musical), Cristiano Pinho (violão), Edson Pinheiro (trombone), Ferreira Jr (sax), Glauco Ferreira (trompete), Hoto Jr (percussão), Luizinho Duarte (bateria) e Márcio Resende (flauta e sax). “Todos viraram meninos, brincando, fazendo uma regressão onde eles colocam as próprias referências das suas infâncias. Essas energias é que deram o resultado final”, considera o compositor.

Houve também a participação indispensável de Benjamin, Débora, Enya, Flora, Gabriel, Iana, Ilya, Isadora, Júlia, Juliana, Maria Clara, Nina, Paula, Ramiro, Sarah e Vitor. “Eles são de classes diferentes, mas todos filhos de amigos, que cantaram cada um do seu jeito, sem imitar a Olga, graças a um trabalho dirigido pelo regente Erwin Schrader”, conta o pai do Bamba-la-lão.

Aliás, sobre o título do disco, que homenageia um clássico do repertório infantil popular, o “senhor capitão” Flávio Paiva diz que a idéia era resgatar mesmo essa cantiga de roda, à exemplo do que fizera com “Samba-le-lê”. Gravada numa versão mais informal de João Ricardo, no primeiro disco do Secos & Molhados, a velha “Bão-ba-la-lão” virou “Bamba-la-lão”.

Segundo Paiva, ela representou uma espécie de “guarda-chuva” da sua produção. “Apesar de o repertório ser de músicas novas, a infância é tão antiga como o homem. Sei que pode parecer pretensioso, mas a sensação que tenho é que, desse modo, eu contribuo para a preservação e a revitalização do cancioneiro brasileiro”.

Principalmente quando suas letras recebem um tratamento impecável dos músicos, na companhia das ilustrações de Nice Firmeza, que transpôs, com a delicadeza dos sábios, as letras discretas de Paiva, em forma de “pintura com linha sobre tecido”. “Dei 11 pedaços de cambraia de linho para ela e toda a liberdade que ela merece”. Ficou lindo, dizemos.

A intimidade com a psicologia infantil foi útil para o próprio Papai Paiva. Como no Samba-le-lê, a mesma quinta faixa de Bamba-la-lão foi reservada para uma cantiga de amor, agora para Artur. “Sei que eles podiam querer ajustar contas, então não quis confusão”. Que nada. Flávio e Andréa sabem que o melhor presente de seus filhotes navega encantado neles próprios.