Blog Consumindo Ideias, 20/09/2010
(Blog desenvolvido na disciplina de Comportamento do Consumidor – UNIFOR)
1. De acordo com o historiador Frances Phillippe Ariès a infância, percebida como uma etapa peculiar do desenvolvimento do sujeito, é um fenômeno recente, tipicamente moderno. Já Neil Postman, professor de Comunicação em Nova York, afirma que a infância instituída na modernidade está desaparecendo e aponta a televisão como causa desse fenômeno. O que você acha? A infância esta desaparecendo? A infância tem sofrido transformações? A que se devem? Quais são os traços que marcam/caracterizam a infância na contemporaneidade?
A rigor, essas teses se complementam porque tratam de elos do processo permanente de recontextualização da infância. Vejo esses estágios pelas lentes de quatro metáforas, duas comumente utilizadas por diversos pensadores e duas que eu criei para completar o ciclo pleno da sociabilidade infantil: a) na sociedade caçadora (pré-modernidade), a criança era tratada como um adulto pequeno; b) na sociedade jardineira (modernidade), meninas e meninas passaram a receber atenção diferenciada; c) na sociedade lenhadora (hipermodernidade), a referência de infância retoma o perfil adultizante, pelo viés do consumismo; d) na sociedade lavradora (caso se configure a tendência de ruptura para o social-ambientalismo), surgirá uma nova criança, menos terceirizada e mais integrada à relação da cultura com a natureza. Acredito que já temos a criança preparada para esse salto no comportamento da humanidade. O que está faltando é essa criança contar com um adulto à sua altura. O grande desafio contemporâneo é a busca de estilos de vida que comprometam menos os recursos naturais do planeta e as relações entre as pessoas.
2. Você é contra a Publicidade voltada para a criança ou seria concebível a existência de um discurso publicitário mais ético “voltado para o publico infantil”? Que características teria esse discurso?
É difícil falar em discurso ético da publicidade voltado para a criança, pois o grande problema da fala mercadológica das empresas, de seus produtos e marcas, quando dirigida a meninas e meninos, está exatamente na esfera da conduta social. Ou seja, de um lado, está um sedutor convicto, armado de toda sorte de recursos, trabalhados para maliciosamente produzir um desejo de compra; e do outro, está alguém crédulo, desarmado e sem os necessários parâmetros de julgamento, que tem o seu estado de latência invadido por mensagens de fortes apelos comerciais. É uma relação muito desigual, uma perversão tão grave quanto à pedofilia. A publicidade de produtos e serviços infantis deve ser dirigida aos adultos que cuidam de crianças. Tem um comercial do sabão OMO, que eu acho bem pensado, bem resolvido e, pelo que parece, é dirigido às mães. Ao lembrar que “se sujar faz bem”, essa publicidade acaba prestando um serviço pedagógico a muitos adultos desavisados, que higienizam demais a vida infantil.
3. Como a Publicidade e o consumismo afetam a criança?
Na ânsia de aproveitar o poder de influência de compra das crianças, muitas empresas perdem completamente a compostura e por meio da publicidade praticam atos ilícitos de persuasão, como os de estimular a bajulação e falsidade (Chokito), a compra casada (McLanche Feliz) e a se deixar manipular por comandos imperativos (Candide Xuxa). Bombardeadas por esses incitamentos socialmente condenáveis, a criança é exposta à valorização da desonestidade nas relações, da vulnerabilidade cidadã e, acima de tudo, a ser uma consumidora e fazer o papel de promotora do consumo exagerado. Então, os efeitos da publicidade e do consumismo na criança manifestam-se em distorções psicológicas de acentuadas interferências nas dimensões sócio-políticas e culturais. As situações de constrangimento, causadas por esforços de vendas inadequados, também afetam de modo perverso o mundo infantil. No mês passado (abr/2010) a agência de viagens Trip&Fun, de São Paulo, foi bastante criticada pela polêmica promoção: “Se eu não for para a Disney vou ser um Pateta”. E o pior é que esse tipo de promoção, feita dentro das escolas, é um estímulo ao bullying. Além do sentido de “eu vou, você não vai”, esse tipo de propaganda ainda instiga os que viajam a ficar tirando onda com os que ficam, chamando-os de pateta. Mas a sociedade está despertando para esse tipo de violência à dignidade infantil e entidades como o Instituto Alana vêm dando efetivas contribuições nesse sentido.
4. O que é o Instituto Alana e que trabalho desenvolve?
O Alana é uma organização da sociedade civil, criada e presidida pela educadora Ana Lúcia Villela, que atua em quatro eixos associados ao tema da infância: tem o Espaço Alana (1) e o Centro de Formação Alana (2), no Jardim Pantanal, em São Paulo, o Projeto Criança e Consumo (3) e mais recentemente passou a apoiar o Instituto Brincante (4), um recanto de prática e teoria da brasilidade, localizado na Vila Madalena, e que tem como criadores Antônio Nóbrega e Rosane Almeida. Eu arriscaria dizer que a liga de todas essas iniciativas do Instituto Alana é a movimentação da educação e da cultura em favor de uma vida menos consumista e mais socialmente decente.
5. Você é jornalista, escritor, músico e um grande valorizador da cultura popular. A maior parte do trabalho que você desenvolve é em torno da temática da infância. O que você busca através desse trabalho?
Sempre tive a mania de viver, descrever literária e musicalmente a vida e depois juntar tudo novamente para viver além do cotidiano. Mas isso eu trago da minha infância e adolescência vivida no sertão, onde, durante o dia as pessoas trabalhavam na agricultura, na pecuária, no comércio, mas à noite refinavam a dureza da labuta tocando viola, contando histórias ou simplesmente contemplando a silhueta da caatinga à lua cheia. Sem contar com aquelas pessoas que abóiam, tangendo o gado, e as que trabalham cantando nas lavouras. Sou uma dessas pessoas e não é o fato de morar na cidade que me faz esquecer de praticar esses hábitos de plenitude humana. Gosto dos sons da cidade, da vida urbana, de morar em apartamento e tudo isso está incorporado na minha produção autoral. Entendo que os livros e as músicas que tenho feito para as crianças resultem de duas fontes de encantamento: uma, que chamo de paternidade criadora, e a outra, que não sei nem chamar, mas sinto que vem de uma vontade muito grande de contribuir para que essa meninada que está aí seja imaginativa o suficiente para superar a resistência dos adultos na conquista de um mundo mais próximo da metáfora do lavrador (pós-hipermodernidade). Em uma reflexão que publiquei na minha coluna semanal no Diário do Nordeste, explico porque, diferentemente de muitos pensadores que pregam a volta do “jardineiro”, eu defendo a figura do “lavrador” como referência civilizacional a ser alcançada: “O lavrador está mais afeito a respeitar à terra, a cultivar a simplicidade, a organicidade, a fazer a semeadura do que é preciso produzir para viver, a colher os frutos de uma relação integrada com a natureza e do uso da ciência e da tecnologia em favor do usufruto pleno do que a vida nos oferece” (DN, 3/9/2009). É isso o que busco com o meu trabalho.