Revista Inside Brasil – junho/julho 1997

O novo CD de Flávio Paiva marca um novo momento na carreira do artista com a parceria de músicos nordestinos e paulista e um passeio por versos e arranjos que transcendem o nacional

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FAC-SÍMILE

Flávio Paiva está de volta com uma produção cultural em forma de música que deleita e faz pensar. Ele experimenta sons e arranjos, passeia pela urbanidade zen e vai ao night-club sem perder referências culturais que citam o xote, o baião, o reggae e o techno. Um elenco de arranjo novo em “Terra do Nunca” (CD editado pela Plural de Cultura, com lançamento previsto para agosto), é a remissão ao techno em arranjos que, por alguns momentos, nos lembram que estamos na iminência da Era de Aquário. 

O relacionamento de Flávio Paiva com a música sempre foi intenso, embora largado de qualquer disciplina. Na adolescência, ele integrou uma banda cover dos Secos & Molhados, ao mesmo tempo em que fazia variações musicais sobre temas da literatura de cordel e outros experimentos, tais como a fusão da melodia de “Tecer Mundo” (João Ricardo) com a letra de “Meus Tempos de Criança” (Ataulfo Alves). Uma mistura que passava pelas páginas da revista “Pop” e pela realidade incandescente das feiras populares da Praça do Mercado de Independência. 

Na segunda metade dos anos 70, já morando em Fortaleza, desenvolveu o exercício do solfejo, quando passou a fazer parte do grupo de tenores do Coral da ETFCe, sob a orientação e regência do castrato Paulo Abel do Nascimento (1956-1992). Em 1980, o interesse pela música ganhou nova atitude: estudar violão no Conservatório Alberto Nepomuceno, com o professor José Mário. Pouco tempo depois, ficou comprovado que as exigências da música formal não combinavam com a sua displicência. Mudou para o professor Ariosvaldo de Sousa, que ensinava popular. Acabaram parceiros de muitas composições, e Flávio Paiva ficou feliz por haver descoberto alguém que valorizava suas letras fora da agenda comum. 

No decorrer dos anos 80, marcados pela sua participação no circuito da produção alternativa (poesia, HQ, variedades) e do jornalismo, Flávio Paiva reunia semanalmente na “sem-regras-casa” do Jacarecanga, onde morava, um grupo espontâneo de amigos para comporem músicas satíricas e por mero diletantismo humorístico e social. Desses saraus participaram Tarcísio Sardinha, Kátia Freitas, Marta Aurélia, Falcão, Tarcísio Matos, Jorlan Pingüim, Marcus Cus, Assis Silvino e até Vilamar Damasceno (1946-1989). 

O envolvimento por pura emoção e o desejo constante de expressar novos olhares e sons levaram Flávio Paiva a compor as músicas-temas dos vídeos “Luiz Assumpção” (“A um Carnavalesco na Solidão”, em parceria com T. Matos e Sardinha, com interpretação de Marta Aurélia) e “Fortaleza, Cara ou Coroa” (“Iconoclastia”, em parceria com João Monteiro Vasconcelos, com interpretação de Selma Montenegro) 

Mas o primeiro trabalho que apresentou vestígios concretos de uma vontade sistematizada do fazer musical foi a produção, em parceria com a cantora Olga Ribeiro, do elepê “América”, em 1992. Trabalho independente e conceitual caracterizado por esmerada pesquisa e pelo virtuosismo dos seus arranjadores (Tarcísio José de Lima, Liduíno Pitombeira e Eugênio Matos) e da intérprete Olga Ribeiro. 

Parcerias – Em 1994, por iniciativa de sua mulher, a jornalista Andrea Pinheiro, Flávio Paiva cedeu à tentação de fazer um CD com composições próprias e em parcerias com Calé Alencar, João Monteiro, Eugênio Matos, Cristiano Pinho, Kátia Freitas, Tarcísio José de Lima, Sardinha, T. Matos, Falcão e com o poeta espanhol Manuel González. Contou com o apoio da cantora Mona Gadelha e do produtor Cláudio Lucci para lançar, dentro da série “Garagem”, do selo Camerati (São Paulo), a coletânea intitulada “Rolimã”, cantada por 13 intérpretes da nova geração da música no Ceará: Kátia Freitas, Marta Aurélia, Olga Ribeiro, Edmar Gonçalves, Ricardo Black, Mona Gadelha, André Vidal, Eugênio Leandro, Armando Telles, Norberta Viana, Aparecida Silvino, Valdo Aderaldo e Paula Tesser. 

Em 1995 teve a música ‘Latitude’, parceria com Tato Fischer, no podium do maior festival brasileiro da música promovido pela TV Globo na região, quando o canto Ricardo Black conquistou o prêmio de Melhor Intérprete do “V Canta Nordeste”. Essa é, até o momento, a melhor colocação do Ceará nesse festival nordestino, famoso por contar com mais de quatro mil concorrentes. 

Com o lançamento do CD “Terra do Nunca” (1997), Flávio chega mais uma vez bem acompanhado. Preservando e reforçando sua estética insurgente, compartilha a nova produção com a força guerreira da cantora maranhense Anna Torres e com o apuro técnico e contemporâneo do baixista Paulo Lepetit, de São Paulo. Apresenta também parceiros com os quais ainda não havia gravado, a exemplo do percussionista maranhense Papete, da cantora cearense Verônica Nunes, do bluesman paulista Edvaldo Santana, do compositor cearense Rogério Soares, do guitarrista baiano Geo Benjamin, do cantor cearense Bernardo Neto e da própria Anna Torres. O disco, que contém 12 faixas empolgantes e sem clichês, das quais dez são inéditas, conta com os benefícios da Lei nº 12.464, de Incentivo à Cultura através da participação da Teleceará, Café Santa Clara e Sangati Berga.

Opiniões

  • “Uma grata revelação da música pop, com um desempenho de palco fabuloso. Quando uma cantora chega do Maranhão, o que se espera ouvir é uma música regional. Para minha surpresa, a Anna Torres consegue fazer música urbana hiperbem-feita.” (Luís Fontana, diretor musical do Mistura Fina)
  • “Anna Torres, jovem cantora, estréia com uma maturidade artística dificilmente encontrada no cônego de qualquer carreira. Une uma interpretação sensivelmente influenciada pelo melhor do blues, a negritude que aveluda sua voz, a uma originalíssima forma de dividir algumas frases musicais. Está pronta para entrar no rol de nossas melhores cantoras.” (Luís Carlos Lacerda, cineasta)
  • “Anna Torres é a minha maior surpresa deste ano de 96. Gostei muito.” (Roberto Menescal, compositor)
  • “Paulo Lepetit faz parte da banda Isca de Polícia, de Itamar Assumpção, há dez anos, tendo excursionado pelo Brasil e exterior (Alemanha, Holanda, Suíça e Áustria), e gravou vários discos, entre eles ‘Intercontinental’, de 1989, no qual assinou vários arranjos. Entre 85 e 90, Lepetit integrou a Gang 90, gravando os discos ‘Rosas e Tigres’ e ‘Pedra 90’ . Participou ainda, como músico convidado, em discos de Ney Matogrosso, Na Ozzetti, Suzana Salles, Edvaldo Santana, Luiz Waack e outros. Em 1992 fez shows de lançamento do disco ‘Marginal’, de Cássia Eller.” (Zuza Homem de Mello).