Blog do Roberto Maciel – Diário do Nordeste, 08/01/2008
Fortaleza, Gestão Pública

Recebi de leitor que assinou apenas como “Wanderson”, à guisa de comentário para o post Saiba onde o seu dinheiro foi passar o réveillon , trecho de artigo publicado no Diário do Nordeste pelo jornalista Flávio Paiva – a quem, sabe Deus o porquê e passados tantos anos, ainda gosto de chamar de Flávio d’Independência: “É comum ouvir muitas pessoas confundindo a dinâmica do sistema social, cultural e político com as necessidades básicas da população. Por isso, há sempre alguém comentando que o dinheiro ´gasto´ com a festa do réveillon poderia muito bem atender a demandas de saúde, educação e saneamento. Felizmente essa mentalidade está mudando e investir em sociabilidade começa a ser visto como ação essencial e preventiva.”

O texto, na íntegra, você lê aqui. Concordo com o meu caríssimo Flávio em grau, número e gênero. As palavras dele são irretocáveis. Mas em tese.

Justificando o “em tese”: há certos gastos que carecem, para que não haja dúvida nenhuma sobre a transparência dos atos de que os ordena, de explicações minuciosas. É o caso dos que foram feitos no réveillon de Fortaleza.

Estive nos últimos dias entre em João Pessoa (PB). Lá, pude ver uma movimentação muito parecida com a do réveillon de Fortaleza. Parecidíssima, aliás, como você pode conferir na foto acima.

No último dia 4, a banda Paralamas do Sucesso se apresentou na beira-mar de lá, bem em frente ao busto do Almirante Tamandaré, na Avenida Cabo Branco. O grupo abriu a programação do evento Estação Nordeste, que movimentará a cidade até 27 próximo, com 38 atrações – 30 locais e oito de fora, como o próprio Paralamas, cujo líder é um paraibano, Herbert Vianna, e Zélia Duncan, Lô Borges, Nuno Mindelis e Luiz Melodia.

Fiquei curioso sobre o quanto havia sido pago ao Paralamas do Sucesso, já que o evento era de porte similar ao do réveillon do aterro da Praia de Iracema, em Fortaleza. Fiz duas ligações, consegui o telefone do diretor executivo da Fundação Cultural de João Pessoa, Lau Siqueira. Apresentei-me como jornalista em Fortaleza e perguntei sobre o cachê. Lau me disse o seguinte:

– Nesse momento (eram 18 horas e faltavam duas horas para o início do evento), não tenho como precisar o valor, porque estou fora do gabinete, mas ficou entre R$ 40 mil e R$ 50 mil.

Assustei-me:

– Tem certeza? É que em Fortaleza foram pagos, conforme a Prefeitura publicou no Diário Oficial do Município, R$ 394 mil (na verdade, R$ 394.086,86) para um show no réveillon.

Ele respondeu:

– Isso mesmo. Aqui a gente não teria condições de pagar tanto. Mas no réveillon, você sabe, os cachês normalmente são mais altos.

E completou:

– Pensamos em trazer o Paralamas para o réveillon daqui, também no busto da Tamandaré, mas o valor que pediram ficou além da nossa capacidade…

– Quanto?, perguntei.

– R$ 160 mil, respondeu.

É por essas e outras que a sociedade deve tanto cobrar explicações minuciosas. E deve considerar teorias, como a tão brilhantemente defendida por Flávio Paiva, como algo que nem sempre é o que norteia as práticas. Afinal, há entre a “ dinâmica do sistema social, cultural e político” e “as necessidades básicas da população” um ponto comum: a necessidade de transparência.

E vou ficando por aqui, à espera de que alguém me explique, por favor, que matemática é essa que determina um cachê de R$ 394 mil no dia 31 de dezembro e outro de R$ 40 mil a R$ 50 mil no dia 4 de janeiro.

Ou um cachê de R$ 160 mil cobrado à Prefeitura de João Pessoa – e rejeitado, frente à impossibilidade financeira – e outro quase 150% superior que a de Fortaleza diz que pagou. 

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