Diário do Nordeste – Caderno 3 – 06/10/2001

Por André Marinho

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Uma ode à infância, numa celebração de música, brincadeiras e jogos. Hoje o Parque do Cocó, às 16h30min, estará iluminado. Não só pelo sol, mas pelo resultado musical e lúdico de dois discos e um livro produzidos pelo jornalista Flávio Paiva, “Flor de Maravilha”.

A experiência de ser pai tocou fundo o jornalista e produtor cultural Flávio Paiva em 1999. Da inspiração do nascimento do garoto Lucas, veio também o primeiro rebento musical, “Samba-le-lê”, um trabalho surpreendentemente lúdico, em meio á erotização infantil a que os pequeninos estão submetidos, diariamente, a todo momento.

Dois anos depois, veio o segundo filho. Natural e, digamos, fonográfico também – Artur e “Bamba-la-lão”, respectivamente. O disco deu continuidade ao trabalho iniciado em 1999. “Flor de Maravilha”, produto que contém os dois discos e um livro, nasceu da necessidade e da “cobrança saudável” de alguns educadores no sentido de como usar as músicas de forma didática. “Existia essa cobrança e resolvi dar referências de uso, onde contextualizo e sugiro formas de trabalhar criativamente as músicas”, diz Paiva.

Não é para menos. Os CDs saíram das fronteiras cearenses e ganharam escolas do Sul do País, na capital paulista, no interior de São Paulo, Minas Gerais e até nas fronteiras do Rio Grande do Sul.

Hoje, a festa começa com o grupo ViVação, fazendo brincadeiras para “aquecer” as crianças. Depois sobe ao palco a banda e a cantora Olga Ribeiro, que interpreta as letras cheias de referências infantis e nordestinas de Paiva. Um coro de 12 crianças, com faixa etária de cinco a 12 anos também compõem o espetáculo.

A formação da banda traz os músicos Adelson (acordeon e teclados), Oto Jr. (percussão), Márcio Resende (sax), Ricardo Leite (baixo), Cristiano Pinho (guitarra), Tarcisio Sardinha (violão e direção musical).

A resposta ao trabalho tem surpreendido e enchido de orgulho e emoção o jornalista. Na semana passada, por exemplo, num encontro de corais infantis, no Colégio Santo Inácio, dois corais cantaram músicas de “Samba-le-lê”. O arrepio do autor foi imediato. Noutra feita, ao chegar na escola do filho Lucas, encontrou todas as crianças da sala fazendo cafuné umas nas outras, ao som da bela melodia de “Cafuné”. “É impossível não se emocionar com momentos como esses”, diz ele.

Além desse feed-back, o que também impressiona Paiva é a participação de crianças, que chegam, inclusive, a ligar para ele, questionando e perguntando sobre o significado de algumas músicas.

A busca por uma infância onde a imaginação, a brincadeira interativa, onde as cantigas exercem uma função fundamental no imaginário da construção do ser é o mote que Flávio Paiva colocou como objetivo nesses trabalhos. “Despertar o interesse pela música e pela leitura, estimular a criatividade, chamar a atenção para traços relevantes da nossa cultura e facilitar as relações interpessoais são alguns dos princípios que movem este propósito”, defende.

Músicas como “Amarelinha”, “A Semetinha”, “Pra Ninar o Carneirinho”, “Xacundum no Tum-Tum do Papai”, “Curupira e Boitatá”, “Bolhas de Sabão”, “Pinóquio e Emília” resgatam uma infância ingênua, diferente do bombardeio de informações, desenhos violentos e a já citada erotização precoce dos “baixinhos”.

Flávio Paiva prefere evitar a palavra “resgate”, mas sim o de dar ao presente a possibilidade de acesso a valores culturais que são fundamentais na formação do ser humano na infância: a fuga do concreto para o sutil, com naturalidade, estimulando o respeito, o cuidado e a afetividade com o próximo. “Fazer naturalmente, pelo prazer de fazer”, explica.

Muito disso vem da infância feliz de Flávio, no sertão de Independência, interior do estado, onde viveu até completar 16 anos. Criado com liberdade, brincou pra valer, só conhecendo a tv aos dez anos. “Tudo isso refletiu nesse trabalho, mas a vivência de ser pai também”, garante o jornalista.

Por isso, ele não critica a indústria cultural e o consumismo exacerbado a que são expostos as crianças. “Os pais deveriam dar mais atenção aos filhos, fazer um esforço mínimo para mostrar exemplos bons, a brincadeira com liberdade, o estímulo à imaginação”, diz. E cita Confúcio quando perguntado se rema contra a maré: “Prefiro acender uma vela que amaldiçoar a escuridão”.

Com uma tiragem limitada de 1.500 exemplares, 500 deles repassados a arte-educadores cearenses que participam do Seminário de Arte-Educação que está acontecendo, por enquanto “Flor de Maravilha” não será vendido em lojas. Mas Flávio Paiva se coloca à disposição de outros educadores interessados via e-mail (flaviopaiva@fortalnet.com.br), desde que eles façam uma explanação do tipo de projeto educativo que desenvolve, para que ele avalie. Cerca de 150 mil crianças de várias escolas públicas cearenses serão beneficiadas com a iniciativa, que contou com o apoio cultural da Coelce.

Já os dois discos serão vendidos na tarde de hoje, ao preço promocional de R$ 10,00, cada um, pelos meninos da Associação Curumins, no Parque do Cocó. Os CDs também estão sendo comercializados na livraria Nobel, do Shopping Del Paseo e na loja de brinquedos infantis Cuca Legaç, na rua Osvaldo Cruz, 1306.

Para concluir, Flávio faz uma síntese do que representa “Flor de Maravilha”: “É uma aposta no homem, na crença de que é possível evoluir, desde que se trabalhe com honestidade de sentimentos”. Iniciativas como essa emocionam, frente à desordem atual da humanidade.