Jornal O Povo – Vida & Arte
Fortaleza, domingo, 5 de agosto de 2001

Fabiano dos Santos – Articulista do Vida & Arte

Bamba-La-Lão: cantigas de Flávio Paiva por Olga Ribeiro, disco lançado há pouco, faz um passeio de jipe ou de jegue, de veleiro ou de jangada, de pipa ou de avião pelo Nordeste e por outros brasis

Primeiro me vieram as cores. Os desenhos e os bordados de Nice Firmeza – uma bela senhora que pinta com a alma da infância. É como se as cores bordadas por Nice tramassem o canto. Mas sei que foi o contrário. Imagino Nice sentada em sua varanda, perto do pé de pitanga, com os olhos no Baobá e a cabeça longe do Mondubin. Sua cabeça bailando na melodia e nas palavras cantadas por Flávio Paiva. A cada som, uma linha. A cada palavra, uma cor tecendo seu fio no fundo azul do tecido. Um azul cor de mundo. A partir disso, fico pensando que as cantigas de Flávio ilustram os bordados de Nice, assim como os bordados de Nice ilustram as cantigas de Flávio.

bambalalao_xacundumMas depois vieram o som e as palavras que são mais do que cantigas em meus ouvidos. A voz de Olga Ribeiro e o coral de crianças vão flutuando na cabeça da gente em direção ao corpo e, de repente, estamos dançando. Pois Bamba-La-Lão: cantigas de Flávio Paiva por Olga Ribeiro é um disco cheio de ritmos e movimentos no espaço-temporal. No tempo, porque as cantigas são de agora e nos remete aos que vieram antes. No espaço, porque faz um passeio de jipe ou de jegue, de veleiro ou de jangada, de pipa ou de avião pelo Nordeste e por outros brasis. O que nos faz pensar que as cantigas são de várias épocas ao mesmo tempo. Algo como a nossa infância se encontrando com as infâncias de nossos avós, nossos pais, nossos filhos e com os que ainda vão nascer. Tudo ao mesmo tempo agora. Um encontro entre gerações feito para brincarmos e dançarmos juntos.

É só ligar o som e entrar na roda. Quem sabe, ao som de um caboclinho sanfonado para ouvir quando se acordar no domingo. De um xote para arrastar os pés e girar o brinquedo enquanto as alpercatas emendam num baião-cordel que narra o encontro do Capitão Rapadura – personagem do cartunista Mino – com um sol doidinho pra chupar um picolé. Uma folia de reggae ou de boi para dançar com passarinhos ou no tum-tum do pai. Mas se você pensa que é só, ainda tem uma marcha-rancho que nos faz passear pela cidade, um funk feito para acordar, um alegro aos seres fantásticos e um batuque de roda praieiro com gosto de coco verde. Da cor de nossos mares.

Só um cuidado. As cantigas são tão bacanas que algumas ficam como um rói-rói rodando no juízo da gente sem querer sair. Nesse caso, para repousar, ouça o acalanto de fazer dormir e sonhar – como a cantiga de amor para o filho Artur. Nem que seja para sonhar com um rói-rói nas mãos de um menino gigante ou com um Xacundum no Tum-tum do papai.

No mais, obrigado por todos os bichinhos e pelos seres encantados que fazem flutuar filhos e pais nesse passeio musical. Como se fôssemos a arraia dançando ao sabor do vento que Nice bordou nas mãos do menino e do mundo. Solto feito o sorriso de Artur. Que nem conheço, mas o imagino.