Gláucia Magazin – Variedades, Ano VIII – nº 15 – maio/98

TERRA DO NUNCA 
Flávio Paiva e a lamparina que criou como símbolo do CD Terra do Nunca.

FAC-SÍMILE
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O disco autoral do compositor e jornalista Flávio Paiva, interpretado pela cantora maranhense Anna Torres está também em New York, levado por ninguém menos do que David Byrne. Na sua mais recente pesquisa sobre as novidades relevantes da música brasileira, Byrne recebeu das mãos criteriosas do eterno tropicalista Tom Zé o disco de Flávio Paiva e gostou. Pôs na mala e levou para escutar com atenção. 
Com sua linguagem lítero-musical contemporâneo CD Terra do Nunca esbanja sintonia com o que há de mais criativo e atual na música de referência do planeta. Em recente entrevista para o humorista João Neto (Zé Modesto), a cantora revelação da novíssima música pop no Ceará, Karine Alexandrino, revela que vê no trabalho musical de Flávio Paiva, a grande novidade da cena fortalezense. O disco traz parcerias antenadas, como em “Estromboscópica”, feita com Kátia Freitas, e em “Pessoas”, dividida com Mona Gadelha. Para quem não sabe, as duas compositoras e cantoras cearenses estão na seleção disputadíssima que o CD “A Gema do Novo”, em fase de lançamento pela Rádio Musical FM de São Paulo.

O videoclip da música “Xote para Sêneca” (Flávio Paiva), que faz uma analogia entre o discurso do filósofohispânico/romano e a maneira espirituosamente leve de ser do cearense está em fase de filmagem. O roteiro de Otávio e Karla Holanda foi um dos cinco premiados pelo Instituto Dragão do Mar de Arte e Cultura. “O xote é movimento/ fluindo sem parar/ uma sabedoria que sacode o Ceará”. Diz a letra do technoxote, interpretado por Anna Torres e pelo rap-reagger Rica Caveman, da banda Nômade, com arranjo impecável do baixista Paulo Lepetit.

Em “Terra do Nunca” a coerência estética, a unidade e riqueza de multiplicidade é visível e audível a todo instante. É um disco farto de criatividade e olhar inteligente, em sua autêntica expressão migrante. Tem o que dizer sobre mundo, é bom de ouvir e de dançar. Não está preso a clichês convencionais nem alternativos. Nada de narcisismos, dandismos ou esteticismos. A capa do disco é uma cena de elevador, onde as pessoas costumam ficar incomodadas com a presença de estranhos que se encontram cotidianamente. Flávio Paiva, Anna Torres e Paulo Lepetit, num clic certeiro da fotógrafa Cláudia Guimarães, mais do que autores, apresentam-se como atores, como personagens de uma das faixas produzidas em parceria com o bluesman paulista Edvaldo Santana.

Ao escutar Terra do Nunca, percebe-se um obra que colabora para retocar o ritmo e os timbres da MPB, com uma proposta esquisitamente bonita, cheia de requintes experimentais surpreendentemente agradáveis. Para Flávio Paiva a idéia é jogar uma luz reconvexa de forma natural e desarmada para as pessoas que estão dispostas a perceberem que é possível sair da mesmice que vem atrofiando a nossa inteligência. Com base nessa postura insurgente do autor de Terra do Nunca, o professor Wander Frota escreveu um artigo na imprensa local, dizendo que a lamparina criada por Flávio Paiva como arquétipo condutor da sua proposta musical se assemelha, e muito, àquela que carregava em pleno dia de Sol um certo filósofo grego na sua busca por algo mais real.