Diário do Nordeste, Fortaleza-Ce, 08/06/92
A cantora cearense Olga Ribeiro levou seu trabalho para ser mostrado durante o Fórum Global das Organizações Não Governamentais (ONGs) durante a conferência Eco-92, no Rio de Janeiro. A iniciativa foi do Instituto Brasileiro de Análise Sócio-Econômica – IBASE, através do Centro Radiofônico de Informação e Assessoria – CRIA, que patrocinou uma tiragem de mil fitas cassete de seu trabalho “América” para ser distribuido/vendido exclusivamente durante a convenção. O IBASE está com um stand no Fórum Global das ONGs.
Em LP, “América” tem previsão para ser lançado em julho próximo e está sendo prensado com apoio da Caixa Econômica Federal. Olga Ribeiro gravou este trabalho de dezembro de 91 a maio último em estúdios brasilienses e cearenses tendo como tema-base o questionamento em torno dos 500 anos de descoberta e colonização européia das Américas. O disco foi produzido pela própria cantora cearense e o jornalista Flávio Paiva. O show de lançamento deve acontecer logo na sequência.
Olga gravou ao todo nove composições onde a América e o espírito latino traçam um perfil conceitual do continente e de seus povos. Cada lado (da fita ou do disco) foi dividido em rota 1 e rota 2. “O Continente Encontrado” (Tarcísio José de Lima/ Flávio Paiva) dá início a rota 1 dando mais ênfase aos sons acústicos de flautas, violões e percussões, onde até mesmo o sintetizador de Duda Di Cavalcanti foi programado com timbres de órgão de tubo, cordas e zampoã.
“Sangue Latino” (João Ricardo/ Paulinho Mendonça), antigo sucesso do trio Secos & Molhados, é a primeira das seis regravações do trabalho. Aqui, o tecladista e marido da cantora arquitetou um arranjo baseado na tecnologia dos sintetizadores, sequenciadores e bateria eletrônica com um resultado apenas interessante. “Abre la Ventana” é uma composição do chileno Victor Jara, assassinado pela ditadura de Pinochet. Mostra um arranjo complexo e bem definido, com destaque para a percussão do maranhense Papete entre o latino e o baião. A primeira das duas canções de autores não brasileiros.
A rota 1 segue com “Mãe Preta” (Piratini/ Caco Velho), uma composição descoberta a partir da pesquisa ‘O Negro na Música Brasileira’ do musicólogo e colecionador cearense Cristiano Câmara. Representa o aldo da cultura negra do disco, onde arranjo mostra instrumentos de origem branca – com destaque para o oboé. A primeira rota se encerra com a regravação de “Podres Poderes” – sucesso de Caetano Veloso em 84 – novamente marcado por sintetizadores e uma flauta.
Para dar início a rota 2, Olga escalou o cubano Juan Carlos Pérez para dueto em sua “Personaje X” – um ‘son’, estilo típico das terras de Fidel. Pérez viria gravar sua parte mas o boicote em torno de Cuba o impediu e ele acabou mandando, pelo Vôo da Solidariedade, uma fita de estúdio com sua voz e violão. A mixagem final deu resultado bem satisfatórios. “Soy Loco por ti América” (Gilberto Gil/ Capinam) perdeu seu jeitão dançante para dar mais foco a mensagem no arranjo livre de violões (Marcos Maia e Tarcísio José de Lima).
“In Memoriam” (Eugênio Matos) cantada pelo casal Eugênio e Olga é uma melodia sofisticada, com apuro instrumental idem. É uma das canções-chave do trabalho. A rota 2 e, portanto, o disco/fita encerra com “Soy Pueblo”, um poema de Pablo Neruda musicado pelo cearense Calé Alencar que recebeu arranjo de Liduíno Pitombeira.
Todo o trabalho remete diretamente a música latina universitária de protesto que teve seu auge durante as ditaduras da América Central e do Sul nos anos 70. O molho negro, dançante, ‘caliente’, propositalmente deixado de lado para enfatizar a mensagem, faz falta. Festa não significa apenas alienação. Festa também pode ser sinônimo de questionamento, de protesto. ‘Você nunca dançou com ódio de verdade!’ (L.A.F.)