Hoje, 21 de agosto, é o aniversário de nascimento de Petrúcio Maia (1947 – 1994), compositor e cantor fortalezense, autor de uma admirável obra poético-musical que inclui Pé de Sonhos (com Brandão), Passarás, Passarás, Passarás (com Capinan), Conflito (com Climério), Cebola Cortada (com Clôdo) e Batuquê de Praia, dentre outras lindas canções.
Escolhi esta data festiva para compartilhar algumas impressões sobre uma carta de Belchior (1946 – 2017) destinada a Petrúcio na época em que ambos tinham vinte e poucos anos. A correspondência, datilografada e datada de 06/07/1972, faz parte do acervo pessoal da compositora e cantora mineira Bigha Maia, viúva do artista e também sua parceira musical.
Procurei apreciar as palavras de Belchior nas suas expressões literárias, mesmo sabendo do caráter afetivo e pessoal desprendido a um destinatário de tão íntima amizade. Li cada pensamento, cada raciocínio e cada sentimento exposto como substrato autobiográfico de uma verdade essencial.
A carta de Belchior para Petrúcio Maia fala de acontecimentos e impressões no momento em que o remetente está grávido da nova experiência de viver em São Paulo, de ter lançado o single de Na Hora do Almoço, de estar no Disco de Bolso do Pasquim e de ter sido gravado por Elis Regina (1945 – 1982).
Há um certo misto de ironia e agradecimento na solidão das palavras de Belchior. Quando ele realça para o “bom amigo Pete” que ninguém escreve para ele, está revelando a felicidade de responder a uma correspondência que abordara inclusive temas como o do “embelezamento” e o do “progresso” de Fortaleza.
Ele trata a cidade como “ponto de saudade” e “porto de alegria”. Diz que sente um “cheiro de cultura, de literatura, de delirium-liricum-tremens” nos “poetas loucos e lúcidos” da vida urbana fortalezense. Ressalta, porém, que se refere a “uma loucura divina, épica, trágica, lírica” da beleza humana e do sangue novo de uma cidade que vive abafada em seu potencial.
“Não há dúvida de que são milhares de personagens camuseanos em Fortaleza”, resume, fazendo alusão ao romance A Peste, do escritor argelino Albert Camus (1913 – 1960), ambientado em Orã, no litoral do seu país, cujo protagonista é um médico que luta contra uma epidemia, ao tempo em que amarga uma dilemática solidão.
Compartilha com o amigo que as coisas estão indo bem, que ele, o Rodger, o Ednardo e a Téti (que chama carinhosamente de Tetinha) estão com contrato na TV Cultura, para a parte musical de um programa de entrevistas, e que a casa onde mora vive cheia das mais diversas pessoas. Confessa, todavia, que sente muita saudade e que pensa em um regresso definitivo.
Revela uma expectativa da ida de Petrúcio para o Sudeste. “Pete, saiba que você é muitíssimo lembrado (…) Temos lembrado muito do teu talento, amizade e lealdade. Você é uma grande falta aqui”. E, para deixar clara a admiração pelo amigo, esclarece que ele está permanentemente na “turma dos bons”.
Belchior demonstra preocupação com o sucesso fácil, imediatista, e reforça a vontade de fazer trabalhos consistentes. “Tenho muitas letras aqui. Fiz duas parcerias com o Rodger. Quero fazer muitas parcerias contigo e com o Brandão”. Trata-se, portanto, de uma correspondência sobre laços fortes de amizade, de zelo pela arte e, antes de tudo, de sonhos de juventude.