O ensaísta búlgaro Tzvetan Todorov (1939 – 2017) era um ardente defensor da ideia de que a literatura tem um papel particular a cumprir diante das visões de mundo previamente prontas. “Diferentemente dos discursos religiosos, morais e políticos, ela não formula um sistema de preceitos”, afirma em seu livro A Literatura Corre Perigo (p. 80, DIFEL, 2009). Talvez esse seja um dos motivos que levem a juventude a gostar desse campo de expressão no qual as emoções e os sentimentos soam mais verdadeiros.
Motivadas a se pronunciarem em forma de crônica, conto, poesia e literatura de cordel, centenas de estudantes da sede e dos distritos do município de Independência, a 300 km de Fortaleza, vêm anualmente se mobilizando há mais de uma década em torno de temas propostos pela História Viva, uma entidade criada e mantida por professoras e professores, com apoio das famílias de alunos e das escolas da rede pública e privada de ensino.
Esse evento literário, cujo prêmio tem o meu nome, abre neste mês de abril inscrições para que a juventude do lugar onde nasci e vivi minha infância e adolescência reflita e escreva a respeito do tema “Jovens atuantes promovem transformações sociais”. Desafiado por essa possibilidade, um dia Todorov se perguntou: “Escrever, eu mesmo?” (p. 16). E se tornou um respeitado historiador e propagador da literatura, mais como frêmito estético de eventos vividos do que como estudo de gêneros, classificação, periodização e outras parametrizações curriculares.
Lembrei-me de Tzvetan Todorov ao tomar conhecimento do tema deste ano porque ele afirmava que na adolescência pedia à literatura que o “preservasse das feridas” que poderia sofrer “nos encontros com pessoas reais”, até descobrir que os escritos literários eram um modo mais denso e eloquente de chegar a experiências vividas. “A literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo” (p.23). E o que a História Viva tem proposto aos adolescentes de Independência é exatamente um engajamento para a formação reflexiva sobre o viver, o indivíduo e a sociedade por meio de literatura prática, como quem, para assegurar a colheita do que quer plantar, tem de limpar o mato, sulcar a terra, semear e irrigar.
Essa ação educativa rompe com o velho conceito de que em literatura a medida do saber está em quem tem mais acesso a obras de referência. O inovador nesse processo é a abertura de páginas em branco para que jovens do interior escrevam o que estão lendo da vida, de si e da sociedade, para que, abordando o que os toca, tenham acesso a si mesmos e, assim, possam encontrar sentido, tanto no próprio ato de elaboração e de exteriorização quanto no revolver de dimensões incógnitas do mundo circundante.
Frente à tendência niilista que enche livrarias e bibliotecas de publicações que limitam as pessoas a comportamentos bobos e perversos, a História Viva força exceções, chamando a atenção para que a literatura cultive vozes da juventude ao essencial que é dizer coisas que afirmem a existência de um mundo comum a si e aos demais. Mesmo quem não tem acesso à leitura, como todos deveriam ter, pode fazer interpretações simbólicas que se colocam em continuidade com suas experiências. “A história não nasce no vazio, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com eles numerosas características” (p.22), diz Todorov. E assino embaixo.